PUBLICIDADE

Quais os perigos de criar fake news para se vitimizar, como André Valadão

Especialistas afirmam que isso pode colocar em risco a credibilidade da conta e afetar negativamente instituições e outros envolvidos

23 out 2022 - 20h30
(atualizado em 24/10/2022 às 05h00)
Compartilhar
Exibir comentários
Publicação em que pastor André Valadão mente sobre TSE é marcada como falsa
Publicação em que pastor André Valadão mente sobre TSE é marcada como falsa
Foto: Reprodução/Instagram/@andrevaladao

O pastor evangélico André Valadão compartilhou um vídeo em suas redes sociais (Instagram e Twitter) na quarta-feira (19) com uma suposta retratação ao candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sob intimação do Tribunal Superior Eleitoral. Tanto a Justiça Eleitoral quanto o TSE desmentiram que houve tal exigência da parte deles. Em resumo, o vídeo seria uma resposta a uma fake news inventada por Valadão, para assumir o papel de vítima.

"Dias atrás, recebi em minha residência uma intimação do TSE, através do senhor Alexandre de Moraes. Venho me declarar, a partir desta intimação, dizendo que Lula não é a favor do aborto (...) Lula não é a favor, literalmente, de colocar uma regulação na mídia onde você vai perder o poder de expressar sua opinião, expressar o seu culto. É isso. Deus abençoe o Brasil", afirma. O conteúdo continua no ar até a publicação desta reportagem.

Em uma publicação em seu site, a Justiça Eleitoral diz que o vídeo gravado pelo pastor, alinhado ao presidente Jair Bolsonaro, é uma “desinformação”. Segundo o texto, “propositalmente, ele [pastor Valadão] omite a informação de que, no dia 6 de outubro, foi citado para responder a um pedido de direito de resposta ajuizado pela Coligação Brasil da Esperança [de Lula], que contesta um conteúdo publicado por ele nas redes sociais”.

A fake news criada pelo pastor teve mais de 108 mil curtidas no Twitter, e 628 mil no Instagram. Somando as duas redes sociais, o bolsonarista tem 6,3 milhões de seguidores. Apesar disso, o fato não passou despercebido pelas agências de checagem e nem pelas próprias plataformas. O Instagram, da Meta, notificou o conteúdo — que foi compartilhado pelo jogador Neymar — como “falso”. 

O pastor não respondeu aos pedidos de entrevista de Byte até a publicação da reportagem.

Stories do jogador Neymar sobre André Valadão são ocultados pelo Instagram
Stories do jogador Neymar sobre André Valadão são ocultados pelo Instagram
Foto: Reprodução / Instagram @neymarjr

De acordo com Ivan Paganotti, professor da Universidade Metodista de São Paulo e especialista em temas sobre fake news e desinformação, no caso do Valadão, a história falsa não envolve apenas ele, mas outras instituições. 

“Neste caso, traz uma confusão e engano que acaba afetando negativamente essas instituições (TSE e a Coligação Brasil da Esperança). Isso poderia fazer com que as pessoas sentissem que o Valadão era uma vítima, um perseguido ou censurado, quando ele só tinha sido citado [não intimado]”, afirmou Paganotti. 

Riscos de criar uma fake news para si

Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) mostrou que as notícias falsas no Twitter têm 70% mais chances de serem retuitadas do que histórias verdadeiras. Já estas levam cerca de seis vezes mais tempo para atingir 1.500 pessoas do que o tempo em que histórias falsas atingem o mesmo público. 

No Brasil, um estudo da empresa de cibersegurança Avast mostrou que 79% dos brasileiros tiveram contato com notícias falsas sobre as eleições pelas redes sociais. A maior parte dos eleitores, 57%, não acredita ou não tem certeza se essas plataformas são fontes confiáveis de informações. Outros 86% acreditam que as redes sociais devem ser responsáveis por remover notícias falsas.

Segundo Natália Leal, diretora da agência de checagem Lupa, o risco de criar uma informação falsa sobre si próprio é o mesmo risco de criar uma desinformação sobre qualquer assunto.

“É uma coisa mentirosa que, posteriormente, teremos que desmentir e ainda há o risco de não chegar ao mesmo público e nem atingir as pessoas da mesma maneira [que a fake news faz]”, disse a jornalista. 

E isso pode ter uma explicação: as pessoas, de acordo com Paganotti, são muito mais propensas a acreditar em conteúdos com caráter emocional, que tragam angústia, raiva, empatia ou comoção. Essas informações falsas são capazes de gerar uma curiosidade ampliada em outras pessoas — e se espalharem com muito mais facilidade.

Projeto social associado ao "marmitagate" seria responsável por distribuir marmitas para moradores de rua de Blumenau (SC)
Projeto social associado ao "marmitagate" seria responsável por distribuir marmitas para moradores de rua de Blumenau (SC)
Foto: Taynara Motta / Reprodução/Twitter

Exemplo disso é um caso que ficou conhecido como “Marmitagate”. Uma usuária no Twitter, com perfil identificado como Taynara Motta, compartilhou um suposto caso de estupro nas redes sociais. Após seu tuíte viralizar, ela dizia participar de um projeto chamado Alimentando Necessidades', que teria o objetivo de oferecer refeições a moradores de rua de Blumenau (SC).

O caso ganhou repercussão e segundo investigação da Polícia Civil, a dona chegou a arrecadar R$ 30 mil em um mês vindo de doações. No entanto, as autoridades confirmaram que o perfil é falso

Apesar de objetivos diferentes no caso de Valadão e da ONG em SC, a intenção de criar uma notícia falsa envolvendo si próprio pode ser problemática. De acordo com a pesquisadora de mídia da Universidade Federal de Pelotas (UfePel) Raquel Recuero, isso pode afetar a credibilidade da audiência. 

“Dependendo de quem é essa pessoa, uma fake news pode afetar o espaço dela, a credibilidade dela. E que de repente, pode sofrer até alguma punição a depender da plataforma”, disse Recuero. 

Leal, da agência Lupa, lembra que André Valadão tem uma conta verificada, o que é usado por muitos como indício de informação verdadeira. “Quando a gente tem uma informação falsa partindo de contas verificadas, isso subverte totalmente a lógica do que a gente tem como indício de informação verdadeira, e isso é muito arriscado para o ecossistema das redes sociais”, afirmou. 

Paganotti lembra, no entanto, que as contas verificadas são uma forma da rede social comprovar que o perfil está conectado àquela pessoa. “Isso não quer dizer que o conteúdo daquela conta é verificado ou tem uma qualidade de informação”, disse o professor. 

Como reduzir impactos e disseminação das fake news

Para que seja possível reduzir os impactos e diminuir a propagação das notícias falsas, todos os especialistas ouvidos por Byte afirmaram que é necessário um movimento sistemático e colaborativo de várias frentes.

No último dia 19, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, pediu aos representantes de plataformas digitais e redes sociais um reforço no combate à disseminação de notícias falsas no segundo turno ao avaliar que a propagação de fake news cresceu nessa etapa da disputa eleitoral.

De acordo com Recuero, da UfePel, é necessário que haja uma investigação da indústria da desinformação. “É preciso uma investigação para encontrar de onde está vindo o dinheiro que está sustentando esse tipo de sistema [de produção de fake news]”, disse a pesquisadora. 

Segundo ela, o usuário individual [a pessoa que recebeu o conteúdo no WhatsApp] não deve ser punido. No entanto, a professora aponta que é necessário limites na industrialização da fake news, dentro da legalidade [da lei]. 

Paganotti destaca que também é necessário que haja mais clareza sobre critérios das plataformas na remoção dos conteúdos. Segundo o professor, o que acaba acontecendo com contas grandes é que acaba havendo maior “flexibilidade” em relação às contas menores. “Esse critério é um pouco problemático, porque é um conteúdo que pode afetar um número maior de pessoas impactadas”, afirma o pesquisador. 

Natália Leal concorda que é necessário que a política de remoção de conteúdos falsos das redes seja mais clara por parte das plataformas. “O que a gente tem que discutir e incentivar [...] é que o combate à desinformação ocorra da mesma forma para todas as pessoas”, disse a diretora da agência Lupa.

Fonte: Redação Byte
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade