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Veja por que os direitos do cérebro se tornaram um tema importante

Tecnologias cerebrais levantam debate sobre a necessidade de criar um regime jurídico para proteger funções cognitivas e neurológicas

11 mai 2023 - 08h04
(atualizado às 13h43)
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Neuralink de Elon Musk se propõe a criar "o futuro das interfaces entre computador-cérebro"
Neuralink de Elon Musk se propõe a criar "o futuro das interfaces entre computador-cérebro"
Foto: kjpargeter / Freepik

Uma nova geração de tecnologias pretende revolucionar o modo como acessamos nossos pensamentos e processos mentais com promessas de curar doenças ou facilitar a conexão entre humanos e máquinas.

Encontramos um exemplo disso na empresa do polêmico bilionário Elon Musk, a Neuralink, que se propõe a criar "o futuro das interfaces entre computador-cérebro", visando o potencial de ajudar as pessoas com paralisias e a inventar novas tecnologias capazes de expandir habilidades humanas.

Através de um chip implantado no cérebro, a empresa busca a permitir a comunicação direta entre o órgão cerebral e dispositivos tecnológicos. 

Tecnologias cerebrais ou neurotecnologias como essas criadas por Musk vêm levantando o debate sobre a necessidade de criar um regime jurídico capaz de proteger funções cognitivas e neurológicas que vem sendo chamado de neurodireitos. O que são esses neurodireitos e será que realmente precisamos deles? 

Advogando sobre os direitos do cérebro 

Desde meados dos anos 1990, nosso cérebro se tornou um objeto de especial atenção em diferentes áreas da ciência. Associado ao surgimento de tecnologias, como a ressonância magnética funcional e a eletroencefalografia, a neurociência consolidou novas formas de investigação científica do cérebro humano.

Na esteira desta chamada "neurovirada", aos poucos está surgindo uma nova geração de tecnologias capazes de registrar ou interferir na atividade cerebral, por vezes, mais invasivas como o implante de chips.

Apesar do grande entusiasmo de alguns com essas neurotecnologias, outros chamam a atenção para o amplo potencial de impacto na nossa sociedade, uma vez que elas podem trazer grandes implicações para a experiência mental e cognitiva.

Quais seriam os neurodireitos básicos?

Preocupados com possíveis consequências aos direitos humanos a partir das neurotecnologias, cientistas começaram um debate ético-jurídico voltado para a proteção do cérebro, dos estados cognitivos e dos dados neurais, consolidando o campo dos neurodireitos.

Liderado pelo cientista Rafael Yuste de sua Neurorights Foundation, o debate sobre os neurodireitos definiu o que seriam os cinco principais direitos cerebrais:

  1. Privacidade mental: a estrita regulação do uso de dados gerados da nossa atividade mental (os "neuro dados"), garantindo o direito do titular a possibilidade de apagamento e privacidade dessas informações;
  2. Identidade pessoal: a definição de limites para proibir que as neurotecnologias perturbem o "senso do eu" da pessoa humana, garantindo que ela não terá sua identidade perdida ou alterada;
  3. Livre-arbítrio: a garantia de que a pessoa terá o livre controle de suas decisões, sem interferências da manipulação externa das neurotecnologias;
  4. Acesso equitativo à otimização mental: neurotecnologias podem ser usadas para otimização cognitiva e melhora da performance mental e, para evitar injustiças sociais e acirramento de desigualdades, busca-se definir parâmetros para a garantir igualdade de acesso aos cidadãos às vantagens sociais e individuais provenientes da otimização mental;
  5. Proteção contra vieses: trata-se de buscar medidas para evitar que pessoas sejam afetadas por vieses algorítmicos e, assim, sofrerem discriminações por informações ligadas às suas atividades cerebrais. 

A iniciativa pioneira de implementação dos neurodireitos aconteceu no Chile em 2021, sendo o primeiro país a aprovar uma emenda constitucional voltada para a proteção da atividade cerebral e de suas informações.

A lei atual não protege nossos cérebros?

Contudo, mesmo que a gente reconheça os riscos sociais e individuais que possam decorrer das neurotecnolgias, será que os direitos fundamentais que temos já não garantem a proteção necessária para as atividades mentais?

Esse foi um dos questionamentos apontados por alguns críticos do projeto de lei chileno. A Derechos Digitales, organização voltada para direitos humanos em ambientes digitais na América Latina, afirmou que a redação proposta à Constituição chilena fragilizou o "direito à vida e à integridade física e mental", que já era garantida anteriormente.

Segundo eles, as tentativas de introduzir novos conceitos nascidos na euforia de tecnologias da moda podem, por um lado, desviar os esforços e recursos que seriam melhor utilizados se investidos na garantia de já existentes e, por outro, nos empurram para uma espiral na qual toda inovação teria o potencial de questionar a validade de proteções já garantidas no sistema universal de direitos humanos. 

Uma outra crítica importante à noção de neurodireitos é a de que ela pode trazer um olhar demasiado reducionista do objeto que deve ser tutelado em relação aos potenciais riscos associados às neurotecnologias. Afinal, o ser humano, seus aspectos mentais e privados, não se reduzem ao funcionamento do seu cérebro.

Nesse sentido, não se trata de pensar uma proteção somente "neurológica", mas sim pensar em formas de proteção psicológica amplas e abrangentes, que não estejam calcadas em um dualismo cérebro x corpo como entidades distintas.

Reflexões para o futuro

Em continuidade com algumas abordagens neurocientíficas, a noção de neurodireitos, portanto, materializa uma convicção tecnocientífica de que somos essencialmente nossos cérebros — que, por sua vez, legitimam práticas de governo sobre as vidas das pessoas. 

Por fim, embora a ideia de neurodireito seja sedutora, vale ressaltar que é ainda um tema incipiente e que pode ser pensado não apenas no âmbito das neurotecnologias.

No momento de desenvolvimento tecnológico intenso em que vivemos, diferentes aspectos de nossas vidas, inclusive, aqueles mais íntimos e privados, como nossos pensamentos, percepções e emoções passam a ser mediados por dispositivos que usamos em nossos cotidianos.

A indústria tech já compreendeu que quanto mais acesso a aspectos psicológicos, padrões de comportamento, informações biométricas e perfis de personalidade de clientes-usuários mais lucrativo podem ser seus negócios.

Pois, na atual economia baseada em dados e em algoritmos de inteligência artificial, informação e conhecimento são sinônimos de poder. Quanto mais se conhece seu cliente ou público-alvo, melhor será possível controlar suas escolhas e ações. 

Tempos de economia da atenção demandam um esforço de pensarmos novas formas de proteção psicológica, mas que estejam alinhadas ao fortalecimento e às garantias de direitos humanos já existentes e que sejam capazes de incorporar uma perspectiva complexa sobre os indivíduos e a sociedade. 

* Anna Bentes é colunista do Terra Byte, doutora em comunicação e cultura, professora da FGV ECMI e fellow da Derechos Digitales

Fonte: Redação Byte
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