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Laptops trazem pandemia de lesões durante o home office

Em março, as pessoas achavam que permaneceriam em casa apenas poucas semanas, por isso não haveria problema em trabalhar sentadas no sofá

20 dez 2020 - 05h10
(atualizado às 16h18)
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Elizabeth Cuthrell, produtora cinematográfica residente em Manhattan, trabalhava em um escritório ergonômico, com mesa e cadeira confortáveis, monitor na altura dos olhos, teclado externo. Depois veio a covid-19. E ela passou a trabalhar em casa em um laptop, sentada em uma poltrona de vime, ou, às vezes, sobre um sofá com "almofadas moles como marshmallow". Um mês mais tarde, começou a sentir dores fortes no pescoço, no pulso e nos ombros a ponto de ter que procurar uma quiroprata.

Homem trabalha em home office: laptops foram vilões no novo modelo de trabalho
Homem trabalha em home office: laptops foram vilões no novo modelo de trabalho
Foto: Unsplash / Reprodução

"É difícil quantificar, mas este é realmente um grave problema para muitos dos meus pacientes", disse Karen Erickson, uma quiroprata que tratou de Elizabeth Cuthrell. Segundo os quiropratas, tem havido um aumento das lesões e do desconforto decorrentes da pressão para aderir ao home office em todo o país, quando milhões de trabalhadores passaram meses digitando sobre sofás, camas e desconfortáveis balcões de cozinha. Nada de exercícios ergonômicos, agora todos terão de debruçar-se sobre os laptops.

Segundo uma pesquisa realizada em abril pelo Facebook, com a Associação Americana de Quiropraxia, 92% dos profissionais do ramo (entre os 231 que responderam ao questionário) disseram que os pacientes se queixam mais de dores no pescoço, nas costas ou de outros transtornos músculoesqueléticos desde que começaram a seguir as recomendações para não sair de casa.

A situação típica agora é esta: em março, as pessoas achavam que permaneceriam em casa apenas poucas semanas, por isso não haveria problema em trabalhar sentadas no sofá. Ou talvez porque um dos cônjuges ou a colega de quarto, tendo também de trabalhar em home office, se apoderou da única mesa disponível.

Inicialmente, elas só sentiram um leve desconforto. Depois, gradativamente, a dor aumentou. Mais comumente trata-se da lesão provocada por "excesso de uso" decorrente de traumas repetitivos, afirmou o dr. Michael Fredericson, professor de cirurgia ortopédica da Universidade Stanford. Ele acrescentou:"É como um pneu que fura. Não se trata necessariamente de um acidente; mas de algo que foi se desgastando com o tempo".

Embora alguns escritórios tenham sido reabertos, a solução que muitos julgavam temporária, tornou-se a regra. E com muitas escolas e faculdades abrindo remotamente neste final de ano, o problema é ainda maior.

Veredito: culpados

Os laptops são os grandes culpados. Somos obrigados a olhar para baixo para ver a tela ou, (se ela está mais alta) a levantar as mãos para digitar. Ambas as opções são péssimas. O olhar para baixo crônico, disse Erickson, obriga a ficar "de cabeça para frente", o que aumenta a pressão sobre os discos e as juntas da coluna vertebral, além de causar o desequilíbrio dos músculos do pescoço.

Depois, há a questão da cadeira. Quando transformamos os bancos da cozinha ou os sofás em cadeiras de escritório, na maioria das vezes a sua altura é inadequada, impedindo que sentemos numa postura neutra, como a define uma consultora de ergonomia, ou "orelhas sobre os ombros sobre quadris", quadris ligeiramente mais altos do que os joelhos, braços relaxados ao lado do corpo, pescoço relaxado e reto, antebraços paralelos ao chão, e pés descansando sobre o chão.

Muitos não só mudaram o local de trabalho; como também mudaram a maneira de trabalhar. Deixamos de caminhar pelo corredor para uma reunião, de dar uma fugida até o outro lado da rua para tomar um café, ou mesmo andar até o metrô para fazer baldeação, nós simplesmente ficamos sentados.

"A minha estação de trabalho é no quarto de dormir. Levanto da cama - e para ser honesto, às vezes sequer me preocupo em tomar banho - então literalmente me transfiro para a cadeira, e fico sentado na maior parte do dia", disse Ryan Taylor, engenheiro de software de Nova York, que agora sente dores na parte posterior do ombro.

"O corpo precisa de movimento", afirmou Heidi Henson, quiroprata de Oregon, e, como outros profissionais entrevistados, acrescentou que a falta de atividade devido à pandemia acabou causando lesões e dores. "Mesmo que você tenha uma ergonomia perfeita, se permanecer na mesma posição por um período de tempo excessivo, o seu corpo não reagirá bem".

O aumento do tempo passado diante da tela do celular - consumindo uma quantidade perniciosa de notícias no Twitter - só intensifica a falta de atividade. "Os celulares são um enorme problema", afirmou Karen Erickson, explicando que, para olhar o celular, tendemos a dobrar o pescoço. Ela, ao contrário, recomenda que seguremos o celular na altura dos nossos olhos, descansando o cotovelo no corpo para servir de suporte. Scott Bautch, presidente do Conselho da Associação Quiroprática Americana sobre Saúde Ocupacional, afirma que como o tempo diante de uma tela aumentou dramaticamente, também aumentou o risco de adquirir a de síndrome do "pescoço de texto" e do "cotovelo provocada pela selfie".

Grupos de risco

Estudantes universitários, adolescentes e até mesmo crianças também estão no grupo de risco.

"Os adolescentes já são propensos a ficar diante de suas telas muito tempo", observou Henson. "Além disso, nós retiramos tudo o que há de bom para eles em termos de movimento - os esportes acabaram, a ginástica acabou". Ela chama os adolescentes e os estudantes universitários de "a população esquecida" de uma perspectiva de saúde.

Karen Erickson concorda, e acrescenta que os estudantes universitários são "indubitavelmente de risco", particularmente pela tensão do pescoço, dores no ombro e dores de cabeça. Na grande maioria, os alunos do ensino fundamental até a idade de ir para a universidade, afirma Erickson, "fazem suas tarefas na cama, numa postura enrolada como Linus tocando piano, pendurados no laptop ou no celular horas a fio.

Com o aumento das horas na frente das telas, e da inatividade, as crianças também se queixam mais frequentemente de dores de cabeça e desconforto. "Não é normal uma criança de 8 anos ter dores no pescoço", afirmou Erickson, mas agora ela constata este fato na sua prática.

Soluções

Mas há algumas boas notícias: As soluções podem ser simples e baratas. Para os usuários de laptop, a única compra que os especialistas recomendam com insistência é a de um teclado e de um mouse externos; e além disso colocar o laptop sobre uma pilha de livros, levantando o monitor até a altura dos olhos. Se a sua cadeira for alta demais para os seus pés repousarem confortavelmente sobre o chão, use um banquinho para os pés; se for baixa demais, ponha almofadas sobre o assento.

Duas outras importantes soluções gratuitas: mais intervalos de descanso e uma maior movimentação. Bautch sugere programar um despertador para tocar a cada 15, 30 minutos para lembrar-lhe de se mexer, e recomenda três tipos diferentes de pausas: frequentes "micropausas",de apenas cinco segundos, em que você muda a sua postura na direção oposta àquela em que estava (se você olha para baixo para a tela, por exemplo, olhe para o teto por cinco segundos); depois "macropausas periódicas de três a cinco minutos, para respirar profundamente ou endireitar os ombros; e, finalmente, o exercício mais importante, de pelo menos 30 minutos de duração (de preferência em uma única sessão), seja pedalando ou no elíptico.

"Nem sempre leva todo esse tempo", disse Fredericson, acrescentando que se o aumento do stress acelera o risco de uma lesão, devemos fazer o possível para relaxar. "Na realidade, trata-se de coisas simples. Saia. Faça uma caminhada".

Cuthrell acabou se convertendo. Agora, ela tem um alarme no seu telefone que toca a cada 30 minutos lembrando-a de ficar de pé ou de andar. Procura caminhar uma hora todos os dias. E põe o laptop sobre uma caixa de jogos, para levantá-lo até a altura dos olhos. "É incrível a mudança", afirmou. "Eu sentia muitas dores. Agora não mais". / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Estadão
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