Ativista contra gordofobia na web viu "hater" desejar infarto; veja relatos
Ao mesmo tempo em que memes e atitudes preconceituosas são lançados nas redes sociais, ativistas usam espaço para conscientizar a sociedade
“Não peguem tão pesado quanto ela num rodízio”. “Que desperdício um parque fazer duas rodas gigantes”. Essas foram as frases do humorista Leo Lins em uma postagem no Twitter em março deste ano, contra Nathalia Nogueira. São momentos como estes nas redes sociais que destacam a importância do Dia da Luta Contra a Gordofobia, celebrado anualmente em 10 de setembro.
A Byte, ativistas destacaram a importância da internet para amplificar a conscientização sobre o tema, mas também lamentam a natureza tóxica e agressiva de parte dos internautas, além da falta de leis e de reações das plataformas contra atitudes gordofóbicas.
“Eu busco ficar distante de quem destila ódio. Já recebi comentários de que eu deveria ter um infarto e ficar com problemas para toda a vida após ter feito um vídeo falando sobre a gordofobia e esclarecendo que ela não inviabiliza a saúde, mas que existe uma dificuldade de encontrar um atendimento médico humanizado”, relata a jornalista, ativista e criadora de conteúdo Thamiris Rezende, que há quase oito anos trabalha com o tema.
Na Academia Brasileira de Letras, gordofobia é descrita como o repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional.
Cerca de 97,8% das pessoas gordas já sofreram algum tipo de preconceito. Além disso, 71,5% sentem incômodo ao se identificar como gorda por ter crescido ouvindo que é errado, pelo entendimento social carregado de preconceito e associando à incapacidade, doença e fracasso.
Os dados são da pesquisa “Mapeamento da Gordofobia no Brasil”, realizada por Rezende com um recorte de 600 pessoas. “Sempre senti falta dos números. Sem números temos o problema e fica difícil lutar e levantar ações. Sem números não é possível escancarar o fato para a sociedade”, enfatiza.
De onde surgiu o Dia da Luta Contra a Gordofobia?
Flávia Durante, criadora da plataforma de moda e cultura plus size Pop Plus, diz que a escolha da data é recente e surgiu de movimentos de grupos antigordofobia para alertar sobre o tema e o desrespeito aos direitos que a pessoa gorda possui.
“Gordofobia vai além do xingamento nas redes. É tudo o que faz com que as pessoas gordas tenham seus direitos básicos restringidos, seja em relação a oportunidades de trabalho, exposição na mídia, vestuário, transporte, saúde e relacionamentos”, explica.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) defende que o estigma contra essa população deve ser combatido com informação. Evidências científicas apontam que o aumento de peso não ocorre apenas por falta de disciplina ou de responsabilidade pessoal, mas por razões biológicas, metabólicas e genéticas.
Porém, esse entendimento está longe de ser compreendido pela sociedade e, mais preocupante ainda, até por muitos médicos. Ainda perduram estereótipos relacionando pessoas gordas com preguiça, corpo mole, incapacidade e incompetência.
Segundo Durante, nas as redes sociais vive-se dois lados: o das pessoas que destilam maldades e preconceitos e o das que informam, levam conteúdo que inspiram ou explicam direitos das vítimas. Além disso, para ela, boa parte dos ataques são por conta de uma sociedade machista em que, mesmo entre homens obesos, gera piadas e ações preconceituosas contra mulheres gordas.
Saúde para gordos é neglicenciada
Um dos dados alarmantes do “Mapeamento da Gordofobia no Brasil” é que 70,1% dos entrevistados tiveram atendimento médico negligenciado. De acordo com Rezende, é comum a pessoa gorda receber a indicação de cirurgia bariátrica sem mesmo ter um estudo do seu caso mais aprofundado.
Outra questão na área da saúde é a falta de equipamentos adequados ao corpo grande, desde macas até exames como ressonância ou tomografia.
“A infraestrutura médica não existe. As pessoas são constrangidas e humilhadas em seus direitos, sem mesmo em um aparelho adequado para aferir a pressão”, diz Durante. Ela também conta que muitos profissionais jogam a culpa no paciente pelo seu corpo. “Eu ouvi relatos de mulheres grávidas que sofreram verdadeiras agressões psicológicas de médicos e isso é um risco, porque faz com que se afastem dos cuidados necessários.”
Por trás das atitudes agressivas nas redes sociais há boas ações. Quando começou a sair a vacina contra a covid-19, houve uma movimentação para priorizar os grupos de riscos e alertar para que os médicos emitirem laudos para que a vacina chegasse prioritariamente às pessoas gordas.
Gordas e seus direitos na lei e nas redes
Iniciativas pontuais à parte, não há ainda no Brasil uma política pública para proteger pessoas gordas ou uma legislação específica para punir a gordofobia.
Rayane Souza, fundadora do Gorda na Lei, página no Instagram sobre direitos das pessoas gordas, faz uso das redes para informar leigos sobre aspectos jurídicos, ampliar o debate sobre o tema e orientar vítimas de casos de agressões.
De acordo com Souza, os debates dos últimos anos levaram a Justiça a tomar conhecimento da nomenclatura e o entendimento como ato de relevância social vem sendo reconhecido nos diversos tribunais.
Por outro lado, as empresas de redes sociais não se mostram eficazes para o combate da gordofobia, segundo as ativistas. Para elas, restringir a inserção ou postagem de textos com a palavra gordo ou gorda não é a resposta esperada e até mesmo impossibilita postagens de caráter informativo.
“As plataformas não olham para o tema com a devida importância e até mesmo restringem a liberdade de expressão do corpo gordo quando em comparação com o magro”, alerta Souza.
O que fazer se a pessoa gorda for ofendida na web?
Por não existir o emprego do termo gordofobia nos processos, casos na justiça do Trabalho são interpretados como assédio moral.
Quando fotos são espalhadas pelas redes sociais com memes, as pessoas são orientadas a registrar boletim de ocorrência e o processo se dá por danos morais, crime contra a honra e até mesmo interpretado como injúria.
“Isso já é uma vitória e acredito que nos próximos anos possamos ter um projeto de lei aprovado com dispositivos legais sólidos”, prevê Rayane.
O fato é que as pessoas gordas já percebem que há meios de proteger seus direitos e imagem, mesmo sem lei específica. “Não existem diretrizes específicas para a gordofobia nas redes sociais. O que buscamos é orientar para o não compartilhamento de postagens preconceituosas e discriminatórias e oferecer meios para que as pessoas busquem a defesa dessas agressões”, conclui Souza.