Quinze jovens estudantes de tecnologia da periferia de Olinda (PE) são provocados a discutirem a polêmica entre Elon Musk, dono do X, antigo Twitter, e o ministro Alexandre de Moraes. Eles questionam a regulamentação das redes sociais, a ausência de educação digital e comentam que o Facebook é a rede mais presente na periferia. O problema vai além da plataforma X e de possíveis leis a serem aprovadas no Brasil.
Tarde de 9 de abril, periferia de Olinda. Quinze jovens em aula de tecnologia são provocados sobre a polêmica entre Elon Musk, dono do X, antigo Twitter, e o ministro Alexandre de Moraes.
O Visão do Corre acompanha a conversa que mostra o quanto jovens periféricos com oportunidade de educação tecnológica têm informações e argumentos relevantes. Eles não estão muito preocupados com o destino do X. A discussão é mais ampla, com questões de fundo.
O papo rola no Laboratório de Tecnologia para Promoção da Identidade Negra, Indígena e de Periferia, o LABCoco, que existe desde 2007 na periferia de Guadalupe, Olinda (PE).
O projeto promove formação em tecnologia para jovens majoritariamente negros, de escolas públicas, com incentivo especial para mulheres. Desde o ano passado, em parceria com a UK TechHub, da Embaixada Britânica, desenvolve o projeto Tecnologia de Quebrada.
Facebook é preferência na periferia
Por vídeo, áudio, textos e fotos, a conversa com o Visão do Corre começa dimensionando a presença do X na periferia. Entre os 15 presentes, somente quatro têm conta na plataforma. Kaburé Kaeté menciona pesquisa do ChatGPT que mostra o Facebook como principal rede social de Pernambuco.
“Ele é a porta de entrada. As pessoas começam pelo Facebook até para poder fazer o cadastro em outras redes sociais. Com menos tecnologia, um celular, conseguem ter acesso a um aplicativo mais leve”, explica Kaetê.
Quando, nas quebradas, a faixa de idade de 25 a 30 anos estavam usando Instagram, os pais começaram a usar o Facebook. “Por isso as pessoas mais velhas usam mais”, resume Kaeté. Como o X é uma plataforma de texto, quem vem de realidades educacionais precárias, tem menos chance de se destacar.
Diante da pergunta inevitável, se o algoritmo do X é excludente, Pablo Oxaguiãn, advogado, babalorixá de terreiro e filho de mãe Beth de Oxum, é taxativo: “É muito excludente. O filtro do que pode ser veiculado é mais controlado no Instagram e Facebook. No X, não. Racismo, homofobia, preconceito, exclusão, acontece explicitamente, de forma clara”.
Como a periferia deve lidar com a tecnologia?
Segundo o debate dos jovens do LabCoco, seria importante ter conhecimento mínimo de tecnologia. O Brasil não tem educação digital. A linguagem de programação é dominada por pessoas que estão dentro de uma bolha. A periferia tem que ter o domínio da programação, mas em sua própria linguagem.
“A gente não pode generalizar, homogeneizar a periferia. Estamos falando de uma periferia específica, não estamos falando do Nordeste inteiro, nem de outros estados”, lembra uma voz cujo rosto não aparece no vídeo.
Os jovens são provocados novamente: por que não existe uma rede social brasileira, considerando nosso interesse em tais plataformas? Antes dessa resposta, vem outra pergunta: não seria melhor regulamentar, ao invés de sair criando novas redes, com os mesmos vícios?
Regulamentação para quem, por quem?
Não será com uma canetada que os problemas das redes sociais serão resolvidos. A lei vai colocar o ser humano no centro? Qual ser humano? Para Nin La Croix, pessoa trans não-binária, “tem que regular, mas não pode ser repetir o mesmo padrão de privilégio, de dominação”.
E quem vai regulamentar? Para quê? “Rede social não é o principal problema. O primeiro ponto é sempre a sociedade. A regulamentação interessa a grandes empresas, que querem regulamentar o uso dos nossos dados, que elas, inclusive, vendem”, lembra Kaburé Kaeté.
Para Pablo Oxaguiãn, “precisa regulamentar, está uma terra sem lei. Qual a diferença entre bullying, fake news, incitação ao suicídio, mal-entendido?”, questiona, apontando questões que precisam ser resolvidas.