Moradora da periferia do Recife ensina culinária sustentável

Angu das Artes, projeto social itinerante, combate desperdício ensinando a valorizar integralmente o alimento

19 jan 2023 - 17h49
(atualizado em 10/2/2023 às 16h22)
Angélica Nobre, da periferia do Recife, ensina culinária sustentável, com o aproveitamento integral dos alimentos
Angélica Nobre, da periferia do Recife, ensina culinária sustentável, com o aproveitamento integral dos alimentos
Foto: Arquivo pessoal

As dificuldades para se alimentar, enfrentadas por milhões de pessoas, fizeram parte da infância de Angélica Nobre. Sua trajetória de vida a levou a aprender economizar comida, ajudar a comunidade, até que, após tentativas e erros, conseguiu se tornar empreendedora e sobreviver do Angu das Artes, projeto de educação alimentar que ensina a valorizar integralmente os alimentos.

Há vinte anos, Angélica Nobre é moradora do Alto Santa Isabel, periferia da zona norte do Recife. Graduada em Publicidade e Propaganda, e pós-graduada em Gestão Ambiental, ela trabalhou por cerca de 20 anos em gráficas. No entanto, por problemas de saúde, precisou sair. “Foi quando eu me vi dona de casa, sem uma ocupação formal de trabalho após os quarenta anos”, conta.

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A vontade de popularizar os hábitos aprendidos com a mãe – e aperfeiçoados na especialização de Gestão Ambiental – foi o pontapé inicial para o nascimento do projeto Angu das Artes.

Ele é baseado no conceito de culinária sustentável, que pressupõe a eliminação de desperdício, com o aproveitamento integral do alimento. Considera ainda que grande parte dos nutrientes estão contidos nas cascas, talos e folhas, geralmente, jogados no lixo.

O nome “angu” vem de uma comida tipicamente nordestina. Um dos significados é "mistura de vários ingredientes". E foi justamente a mistura de várias vontades de fazer algo concreto pela comunidade que inspirou e sustenta o projeto.

Oficina de artesanato para crianças no Morro da Conceição, periferia do Recife. Projeto Angu das Artes começou em oficinas para crianças
Foto: Arquivo pessoal

Angu com caroço

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“O Angu das Artes nasceu em 2017. Eu contava com o apoio de algumas amigas que, por motivos particulares, tiveram que sair do projeto e eu toquei por conta própria. No ano seguinte, cursando uma nova graduação, em Ciências Sociais, consegui o apoio de colegas de sala e decidimos abrir um novo espaço, para dar continuidade", relembra Angélica Nobre.

O Angu das Artes funcionava em um espaço fixo, oferecendo atividades multidisciplinares nas áreas de culinária sustentável, cultura, arte e artesanato. No entanto, o formato presencial só sobreviveu até o final de 2018.

Como grande parte das iniciativas sociais do terceiro setor brasileiro, o Angu das Artes passou por diversas dificuldades de ordem financeira, estrutural e de recursos humanos voluntários, tendo que fechar as portas.

Angu sem caroço

A partir desse momento, a cientista social ativou o modo microempreendedora individual. Oficializou a retirada do MEI, planejou, investiu em qualificação e transformou o projeto em uma iniciativa social itinerante.

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Os pilares estruturais são sustentabilidade, economia doméstica, empreendedorismo e geração de renda. Foi desta forma que a ativista conseguiu dar continuidade ao Angu das Artes e levar o seu propósito para outros espaços.

Atualmente, com quase seis anos de realizações, o Angu das Artes é capaz de remunerar sua criadora. Ela ministra cursos, palestras e oficinas sobre culinária sustentável, sustentabilidade, combate à fome e insegurança alimentar para empresas privadas e órgãos públicos.

“Hoje a renda que sustenta a mim e aos meus filhos vem desse trabalho. E, de forma voluntária, eu ainda consigo separar um pouco do meu tempo e do recurso que recebo para levar os conteúdos ministrados nestes lugares para outras pessoas e comunidades", revela.

História de vida

"Meu pai era alcoólatra e faleceu muito cedo. Então, minha mãe sempre teve que se desdobrar como diarista e lavando roupa para poder sustentar a mim e ao meu irmão. Às vezes, recebíamos doações de alimentos, cestas básicas e foi com ela que aprendi a não desperdiçar comida, nosso bem mais valioso”, relembra.

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Foi observando as problemáticas socioambientais do território onde vive que Angélica Nobre decidiu começar uma iniciativa comunitária voltada a conscientizar a população sobre o descarte correto do lixo e a prática da coleta seletiva.

Com o auxílio de outras pessoas da comunidade, surgiu a ideia de oferecer oficinas de artesanato para as crianças, reaproveitando materiais descartados.

“Além das crianças, muitas mães se interessaram em fazer as oficinas. Eu sempre fazia e levava lanches para os alunos. Lanches saudáveis e sustentáveis, com base no aproveitamento integral do alimento”, explica.

Desde então, o cuidado com o não desperdício sempre fez parte do cotidiano de Angélica Nobre. É uma forma de multiplicar e fazer render as refeições de sua família, e a dos outros.

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Foi essa trajetória de lutas e aprendizados que construiu o empreendimento social que ajuda a comer melhor, sem desperdício, e com mais saúde.

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