Trazer a mãe, morar com filhos: os sonhos de mães em abrigo

Duas mulheres acolhidas no Amparo Maternal, em São Paulo, reconstroem suas vidas cheias de obstáculos vencidos

12 mai 2024 - 07h24
Resumo
Uma paulistana da zona leste e uma angolana abrigadas no Amparo Maternal, em São Paulo, acabam de ter filhos. É o quarto filho da brasileira e o primeiro da imigrante de Luanda. Elas contam seus sonhos e um pouco da caminhada como mães e mulheres superando a vulnerabilidade social. E têm motivos para comemorar o Dia das Mães.
Gestantes e mães podem ficar até um ano no Amparo Maternal para terem seus filhos e reorganizarem a vida
Gestantes e mães podem ficar até um ano no Amparo Maternal para terem seus filhos e reorganizarem a vida
Foto: Amparo Maternal

O maior sonho da angolana Teresa Mutango Ndala é trazer a mãe para o Brasil. A imigrante de 24 anos chegou de Luanda há oito meses e está acolhida no Amparo Maternal, na capital paulista, onde teve seu filho, de dois meses.

De tudo que deixou para trás, ela queria ter trazido somente a mãe. “Ela sempre fez tudo, tudo por mim”, diz, e se cala. Teresa chegou ao aeroporto de Guarulhos grávida e o único conhecido no Brasil levou a angolana a um centro de triagem.

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De lá, Teresa foi encaminhada e acolhida no Amparo Maternal, onde terminou a gestação, teve um filho forte e reluzente, e reconstrói a vida. “O princípio é sempre difícil, não é sua zona de conforto. Agora está mais fácil”, resume, sem detalhar o que a trouxe ao Brasil.

Ouvimos o que ela quer contar. Teresa tirou CPF, não quer ter mais filhos, faz cursos profissionalizantes e pretende fazer faculdade. “Tenho o ensino médio. Uma mulher estudada é mais respeitada na sociedade”.

Teresa Mutango Ndala, angolense de 24 anos, teve seu filho no Amparo Maternal, que os abriga
Foto: Marcos Zibordi

Ela quer ser jornalista e sonha dar ao filho a formação que ainda não teve. “Meu filho vai ser doutor”. Quando Teresa diz isso, Dereck acorda tranquilo em seus braços. Agora ela vai se ocupar dele.

Vamos ao encontro da segunda mãe. Quem nos apresenta é a psicóloga Edilene Teixeira Silva, do Amparo Maternal, que acolhe gestantes, mães recém-nascidas e suas filhas e filhos de até seis anos. O maior contingente é de angolanas, como Teresa, mas quem se senta à nossa frente, com o filho no colo, é uma paulistana.

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Ter casa, buscar os filhos, fazer Direito

Ariane de Freitas Pereira, 25 anos, é de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. A região é conhecida pela presença de nordestinos, mas ela tem descendência alemã e tupi-guarani.

A mãe do quarto filho está no Amparo Maternal desde janeiro. Com a criança de um mês e meio no colo, conta que “agora encontrou paz”. Ela chegou encaminhada pelo Centro de Referência de Assistência Social. Em casa, brigava muito com o marido. Nem celular trouxe.

Ariane de Freitas Pereira, 25 anos, está “devorando” os livros do Amparo Maternal. “A vida é conhecimento”
Foto: Marcos Zibordi

Após se estruturar, seus próximos sonhos, por ordem de prioridade, são encontrar um lugar para morar, buscar os três filhos que moram com a avó, e fazer Direito.

“Gosto de Direito desde os dezesseis anos. A mulher é muito julgada e pouco amparada”. Ariane está há cinco meses sem ver os outros filhos. Enquanto isso, faz cursos no Amparo Maternal e aproveita para ler os livros da biblioteca. “Estou devorando, nunca li tanto”. Ela teve a primeira gravidez quando estava na oitava série, mas conseguiu chegar ao segundo ano do ensino médio.

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Ariane precisa do tempo que está tendo para se reestruturar. “Estar aqui me faz ter esperança, até encontrar o meu lugar”. Ela conta estar passando por um “processo espiritual” importante, aprendendo a ter humildade. Teve um sonho que a mostrou isso, relata. “Eu era muito orgulhosa, aqui estou vendo o que é ajudar ao próximo”.

Corredor que leva ao terceiro e último andar do Amparo Maternal, que acolhe até cem abrigados
Foto: Amparo Maternal

Amparo Maternal, há 84 anos

Quando o Amparo Maternal surgiu, em 1939, chegou a ser chamado pejorativamente de “casa da mãe solteira”, em referência a mulheres grávidas que eram acolhidas.

A Amparo Maternal fica próximo ao metrô e shopping Santa Cruz, zona sul de São Paulo. É um abrigo provisório de proteção integral para gestantes, mães e filhos em situação de vulnerabilidade.

Acolhe mulheres em situação de rua, dependentes químicas, vítimas de violência domésticas, imigrantes. As acolhidas podem ficar por até um ano, com possibilidade de estender o prazo.

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Manoel Ferreira, um dos voluntários do Amparo Maternal, separa notas fiscais, que viram crédito indispensável ao orçamento
Foto: Marcos Zibordi

Além da acolhida, há alimentação, cursos, auxílio burocrático, como fazer documentos e obter Bolsa Família. Com mais de 40 funcionários e capacidade para atender cem pessoas, entre mães e filhos, o Amparo Maternal sobrevive de verba oficial e faz corres para levantar fundos.

Um deles é recolher notas fiscais, que são trocadas por crédito. No mês passado, trocaram 228 mil notas, dessas de supermercado, recolhidas em caixinhas. Levantaram R$ 171 mil da última vez, uma parte pequena, mas fundamental, para manter o Amparo Maternal cuidando de mulheres como Teresa e Ariane, além de seus filhos e filhas.

Fonte: Visão do Corre
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