Favela de São Paulo quer chegar a 2027 sem jogar lixo no chão

Projeto comunitário procura envolver moradores na transformação do descarte irregular em educação ambiental e cidadania

10 set 2025 - 06h18
Resumo
Favela Santa Inês, em São Paulo, busca até 2027 eliminar o descarte irregular de lixo, promovendo educação ambiental, cidadania e pontos organizados de coleta através do projeto comunitário Varre Vila.
Ionilton Gomes de Aragão aponta para a lixeira no Santa Inês, zona leste de São Paulo, onde fundou o Varre Vila.
Ionilton Gomes de Aragão aponta para a lixeira no Santa Inês, zona leste de São Paulo, onde fundou o Varre Vila.
Foto: @diego.midias

Na comunidade Santa Inês, zona leste de São Paulo, está colocado um desafio que poucos ousam assumir: acabar com o hábito de jogar lixo no chão, seja qual for o tipo de resíduo ou lugar. A meta tem data marcada: 2027.

Quem puxa esse bonde é Ionilton Gomes de Aragão, 55 anos, educador popular, ativista ambiental e fundador do projeto Varre Vila. Com 13 anos de atuação, a iniciativa já prestou diversos serviços ambientais – entre eles, mutirões de varrição de ruas –, mas a proposta é mais ambiciosa.

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Ponto de descarte de lixo irregular no Santa Inês, zona leste de São Paulo, sofreu intervenção do Varre Vila. Veja como ficou, na foto abaixo.
Foto: @diego.midias

Trata-se de um plano coletivo para transformar a relação com o lixo gerado na quebrada. A meta de eliminar o descarte irregular até 2027 é apenas uma entre várias outras, definidas em 2018 durante a construção de um plano de ações pelos próprios moradores.

“A ideia é simples: cuidar do lugar onde a gente vive. A favela quer provar que pode ser referência em limpeza, organização e consciência ambiental”, afirma Aragão, que conhece cada viela do Santa Inês desde que chegou do interior da Bahia, com dois anos de idade.

A instalação de lixeiras transformou a esquina. Treze foram instaladas pelo projeto ambiental Ponto Certo e recolhem 50 toneladas por mês.
Foto: @diego.midias

Varre Vila não é só varrição, é a zeladoria do bairro

Em 2012, incomodado com o acúmulo de lixo em uma rotatória da quebrada, Aragão mobilizou um mutirão de limpeza. Vieram outras ações. “O trabalho deles começou com a distribuição de sacos de lixo na quebrada, para acabar com os pontos viciados de descarte”, lembra Everton da Silva Oliveira, 34 anos, coordenador da Ciclolog, iniciativa que promove comunicação popular com bicicletas.

Era o início do Varre Vila. “Aqui, quem tem que limpar é quem suja. Só assim a pessoa entende o valor do que está fazendo. Foi por isso que a empresa de varrição contratou quatro voluntários nossos. Quando eles passaram a usar uniforme, a comunidade entendeu que era sério”, lembra Aragão.

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Nesta foto e na seguinte, evidências da mudança ambiental: ponto de descarte irregular de lixo recolhe o resíduo e revitaliza o entorno.
Foto: @diego.midias

O projeto se expandiu: chegou à Brasilândia, ao Jaguaré e ao Bom Retiro. E a Maceió (AL) e Curitiba (PR). Atualmente, como desdobramento do Varre Vila, estão sendo criados pontos organizados de coleta de lixo no Santa Inês — território-modelo — e na quebrada vizinha, o Jardim Lapenna. É o Ponto Certo.

Local de descarte organizado, cimentado e até azulejado

Com um ponto instalado no Jardim Lapenna e cinco no Santa Inês, o Ponto Certo tem como objetivo transformar o descarte irregular em coleta organizada. A iniciativa instala contêineres novos, com tampa, sobre plataformas de cimento revestidas com porcelanato e azulejos reciclados. Já são 11 grandes lixeiras em funcionamento, além de duas em fase experimental. A meta é chegar a 20.

Não é só colocar as lixeiras: elas precisam de plataformas, que no Ponto Certo têm azulejos e porcelanatos reciclados.
Foto: @diego.midias

Faz a conta do adianto ambiental: são 13 contêineres, cada um com capacidade para 300 quilos de lixo, recolhidos três vezes por semana. São cerca de 50 toneladas por mês, volume que inclui o lixo de Antônio Everaldo Brandão, 54 anos, marceneiro. “Tem a caçamba na esquina, ficou bem melhor. Muita gente jogava de qualquer jeito, passava cachorro, rasgava as sacolas. Agora, até a coleta ficou mais rápida.”

Outra moradora que comemora a instalação dos contêineres é Roseli Lisboa, 60 anos. Ela costuma acordar cedo e começa o dia varrendo a casa, a calçada e a rua. “Faz tempo que não vejo mais rato. Tinha rato que subia no fio e vinha para dentro de casa. A barata diminuiu; agora só aparece por causa do calor mesmo. Não fica mais aquela bagunça de lixo.”

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Reunião na rotatória que era ponto de descarte de lixo. Sua transformação deu início às atividades do Varre Vila, na zona leste de São Paulo.
Foto: @diego.midias

Quanto custa recolher o lixo da quebrada?

É por essas e outras que Santa Inês, com cerca de 20 mil moradores, pretende chegar a 2027 não só como a primeira favela do Brasil onde não se joga lixo no chão, mas também com metade do resíduo orgânico reciclado. Esse material vem sendo transformado em adubo para as hortas comunitárias da região.

Em 13 anos, o apoio de empresas às iniciativas do Varre Vila oscilou. O Instituto Porto Seguro e a Fundação Tide Setúbal são parceiros, mas a iniciativa ainda precisa de mais recursos. Para instalar 60 pontos de coleta de lixo, o custo estimado é de R$ 400 mil, incluindo material e mão de obra contratada no território.

“O Santa Inês é o carro-chefe. Não tem financiamento, mas não pode parar”, diz Aragão. “Não se trata só de limpar. É mudar o comportamento. A favela quer ser um território de aprendizagem. A gente já saiu da lama, tem asfalto e não há mais barracos. Agora, queremos mostrar que podemos ser exemplo.”

Fonte: Visão do Corre
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