Um filho pode forçar o suposto pai a fazer um exame de DNA?

25 nov 2015 - 15h47

Mais alta corte da Alemanha vai decidir se uma pessoa pode exigir um exame de DNA de um homem que ela supõe seja seu pai. O processo toca num ponto sensível: o direito de conhecer a própria ascendência.

Inge Lohmann nunca deixou de se perguntar sobre quem é o seu pai. Mesmo hoje, aos 65 anos. Tudo o que ela sabe sobre o pai lhe foi relatado pela sua mãe. No começo da década de 1950, a mãe teve um relacionamento curto com um artista, um pintor. Ela tinha certeza: esse é o pai de Inge.

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Em 1954, para eliminar as dúvidas, a mãe de Inge pediu em juízo que "provas" da paternidade fosem reunidas. Na época não havia teste de DNA. Por isso, apenas o tipo sanguíneo foi testado, assim como o formato das orelhas. Os responsáveis pela avaliação chegaram à conclusão de que o pintor não poderia ser o pai de Inge, e o tribunal de Krefeld rejeitou a queixa. O caso parecia encerrado.

A mãe de Inge acabou casando com um outro homem, que ela conhecera através de cartas que ele lhe enviava da prisão. O padrasto se revelou um violento agressor – essa era, aliás, uma das causas pelas quais ele fora condenado. Inge também era maltratada por ele. Um dia, quando o padrasto estava bêbado e agrediu a sua mãe, Inge pediu ajuda ao irmão. Desesperado e com medo, ele atingiu o padrasto com uma faca. O homem morreu devido aos ferimentos. Inge tinha 12 anos, e essas lembranças da infância seguem sendo traumáticas.

Um novo pai

Depois disso, o interesse pelo verdadeiro pai cresceu. A mãe de Inge revelou a ela o nome e lhe entregou uma foto do suposto pai. Existe até um livro de poesias, no qual ele colaborou com alguns versos. Para Inge, tudo soava como uma reconciliação, um contraste afetuoso e agradável com o homem brutal que esteve ao lado de sua mãe, falecida em 1972.

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Os anos se passaram, e a própria Inge tornou-se mãe. Já com três filhos, ela adotou uma quarta criança e passou a cuidar de algumas dezenas de outras. As ocupações familiares empurraram para segundo plano a busca pelo pai verdadeiro.

Mas havia alguns pequenos encontros esporádicos com esse homem. Eles sempre ocorriam de forma amigável, e Inge foi acompanhando de longe a vida de seu suposto pai, sem nunca cogitar ir além disso. Até o inesperado acontecer.

Em 2009, a certidão de nascimento de Inge parou em suas mãos. Nela está escrito que o nascimento fora "registrado verbalmente". O homem do qual sua mãe havia falado aos 14 anos teria relatado pessoalmente o nascimento dela. Quando Inge confrontou o suposto pai com essa informação, ele de repente não quis mais saber dela e rejeitou a possibilidade de fazer um exame de DNA. Inge foi, então, procurar um advogado. O caso foi parar na mais alta corte alemã.

Filhos querem saber

É difícil antecipar qual será a decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. Mas há alguns indícios. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhece o direito de conhecimento integral sobre a própria ascendência.

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Filhos querem saber quem são seus pais. Não importa se eles foram adotados ou gerados por inseminação artificial: em algum momento surgirá a pergunta sobre sua origem. Psicólogos confirmam que isso é importante para o desenvolvimento pessoal e a formação da própria identidade.

E o direito a conhecer sua ascendência não se extingue com a idade. "O interesse das crianças está acima de tudo", sentenciou o Tribunal Constitucional Federal em 1998, em outro caso.

Um teste de coragem

Há sete anos existe na legislação alemã uma regra clara quanto à verificação de paternidade. Segundo ela, membros da família têm o direito mútuo e irrestrito de exigir um teste de DNA com amostras de saliva. O problema para Inge é que essa lei só vale para homens que tenham uma relação comprovável com a mãe. Só que o pai de Inge nunca morou com a mãe dela, nunca casou com ela e não é juridicamente reconhecido como pai. Na certidão de nascimento da década de 1950, consta que o pai é "desconhecido".

O que Inge quer é que, quando haja suspeitas justificáveis, possíveis pais também tenham de fornecer uma amostra de saliva. A decisão do tribunal tem, portanto, implicações também para todo homem que já teve casos extraconjugais, além de colocar em jogo o atual princípio jurídico de proteger a família da interferência de terceiros. }Assim, o processo de Inge vai testar também a coragem do Tribunal Constitucional Federal alemão.

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