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Conheça a portuguesa por trás da Revolução dos Cravos

Celeste Caeiro não imaginou que o cravo com o qual presentou um soldado português viraria símbolo de uma revolução que entrou para a história da Europa e do mundo

25 abr 2014 - 10h26
(atualizado às 10h37)

A portuguesa Celeste Caeiro, de 80 anos e com apenas um metro e meio de estatura, se ruboriza quando lhe dizem que ela faz parte da história, apesar de quase não falar mais, e apenas sussurrar.

"Não tinha nada mais para dar a não ser um cravo", relembra humilde, em entrevista à Agência EFE, a mulher que, sem pretender, deu nome à Revolução em seu país.

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Porque embora o levante que acabou com cerca de meio século de ditadura em Portugal tenha sido obra dos militares e a transição para a democracia fosse liderada pelos políticos, Celeste - que foi garçonete, costureira, lojista e funcionária de um guarda-volumes - será recordada como a responsável pelo dia 25 de abril passar para a História como o dia da "Revolução dos Cravos".

De mãe espanhola, é a mais nova de três irmãos e quase não conheceu o pai, que os abandonou. A história se repetiu com o pai de sua única filha, que foi embora sem deixar rastro e a transformou em uma mãe solteira, algo pouco habitual naqueles anos e mais ainda no católico Portugal de meados do século XX.

<p>Soldado segura arma "enfeitado" com um cravo, símbolo da Revolução de 1974, em Portugal</p>
Soldado segura arma "enfeitado" com um cravo, símbolo da Revolução de 1974, em Portugal
Foto: Tumblr / Reprodução

Justamente um ano antes do golpe de Estado, em 25 de abril de 1973, começou a trabalhar no guarda-volumes de um restaurante que abriu naquele mesmo dia no centro de Lisboa, o Sifire, que introduzia um conceito inovador: o self service.

É lá onde começa a singela história de Celeste Caeiro, já parte dos livros de História. "Os donos queriam fazer uma festa para comemorar o primeiro aniversário da casa e em uma festa não podem faltar as flores", relata.

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"No dia 25 de abril de 1974 fui como era costume bem cedo para o trabalho (...) Chegamos, vimos a porta fechada e o gerente nos disse que não ia abrir porque estava acontecendo uma revolução, mas que fôssemos ao estoque e pegássemos as flores, para que não fossem desperdiçadas", lembra.

Essa foi a primeira notícia que teve do golpe militar. Contra o conselho de seus chefes, Celeste decidiu não ir diretamente para casa, mas foi se informar sobre o que estava acontecendo, não sem antes pegar vários cravos vermelhos e brancos.

"Não respondi, mas disse para mim mesma: se há uma revolução, eu quero ver o que está acontecendo". Uma curta viagem de metrô a deixou na praça do Rossio, justo no início do Largo do Carmo, onde os tanques dos sublevados aguardavam novas ordens em uma tensa espera desde a madrugada.

"Olhei para eles e disse a um soldado: o que é isto, o que estão fazendo aqui? 'Vamos para o Quartel do Carmo, onde está Marcello Caetano, o presidente (herdeiro do regime de Salazar)'", lhe responderam.

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Era perto das nove da manhã, e o soldado, que já estava algumas horas de guarda, pediu a Celeste um cigarro. "Eu nunca fumei, mas naquele momento lamentei não ter um. Verifiquei se havia algo aberto, mas era cedo demais, estava tudo fechado e não havia ninguém na rua".

"Olhei para os cravos e disse lamentava, mas que só tinha flores. Peguei um cravo, o primeiro foi vermelho, e ele o aceitou. Como sou assim tão pequenina e ele estava em cima do tanque, teve que esticar o braço, agarrou o cravo e o colocou em seu fuzil", descreve pausadamente, soletrando quase as palavras, com os olhos cheios de lágrimas.

Imediatamente, os outros soldados imitaram seu companheiro e pediram a Celeste um desses cravos, vermelhos e brancos, que levava sob o braço, até distribuir todos.

"Nunca esperei que os cravos viessem a derivar em tudo isto, foi um gesto sem segundas intenções", reconhece. Horas mais tarde, várias floristas se esforçavam para que ninguém ficasse sem um, contribuindo para transformá-los em um ícone de liberdade.

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Seu ato deu nome a uma Revolução única, que é lembrada pela ausência de derramamento de sangue e cujo legado hoje alguns consideram em risco por causa dos severos ajustes e cortes aplicados no país desde que solicitou ajuda financeira, há agora três anos.

A profusão de conferências, debates e exposições sobre o 40º aniversário do 25 de abril contrasta com a pouca exposição pública desta anciã, cuja história é desconhecida inclusive por muitos de seus compatriotas e que longe de ser homenageada ou reconhecida, sobrevive com uma pensão mínima de apenas 370 euros.

"Eu tenho uma pensão muito pequena e pago muito de imposto, 190 euros por mês. É minha filha que me ajuda", explica.

Militante do Partido Comunista, admite que ainda jovem era "rebelde" e contrária à ditadura. Agora, apesar de seu delicado estado de saúde, é vista em muitas das manifestações convocadas contra as medidas de austeridade, prova de que, 40 anos depois, ainda tem motivos contra os quais protestar.

  
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