Medida inédita: Tesouro dos EUA já intervém no mercado argentino para salvar plano econômico de Milei

O governo de Donald Trump ativou o socorro financeiro à Argentina ao vender dólares no mercado local para evitar uma desvalorização do peso, justamente quando se esgotaram os recursos financeiros do governo argentino. Pela primeira vez na história, os Estados Unidos compram a moeda de um país emergente. A ajuda à Argentina tem caráter ideológico e geopolítico, admite o secretário do Tesouro norte-americano.

10 out 2025 - 11h44
(atualizado às 12h02)

O governo de Donald Trump ativou o socorro financeiro à Argentina ao vender dólares no mercado local para evitar uma desvalorização do peso, justamente quando se esgotaram os recursos financeiros do governo argentino. Pela primeira vez na história, os Estados Unidos compram a moeda de um país emergente. A ajuda à Argentina tem caráter ideológico e geopolítico, admite o secretário do Tesouro norte-americano.

O presidente argentino, Javier Milei (à esquerda), cumprimenta o chefe da Casa Branca, Donald Trump, durante encontro em Nova York. 23 de setembro de 2025
O presidente argentino, Javier Milei (à esquerda), cumprimenta o chefe da Casa Branca, Donald Trump, durante encontro em Nova York. 23 de setembro de 2025
Foto: REUTERS - Alexander Drago / RFI

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

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Em uma medida inédita para um mercado emergente, o Tesouro dos Estados Unidos passou a intervir no mercado de câmbio da argentina, vendendo dólares e comprando pesos, por meio de três bancos locais: Santander, Citibank e JP Morgan. Este socorro financeiro ocorre justamente quando o governo argentino ficava sem dinheiro para evitar uma nova corrida cambial e sustentar o valor da moeda local.

"Queremos comunicar aos nossos clientes que o Santander executou operações em nome do Tesouro dos Estados Unidos com o propósito de intervir no mercado cambial. Em breve, o Tesouro estadunidense fará um anúncio sobre essa operação", anunciou o banco Santander ao mercado de câmbio na Argentina.

Logo depois, o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, publicou na rede social X a primeira medida concreta de socorro à Argentina.

"A Argentina enfrenta um momento de grave falta de liquidez. A comunidade internacional, incluindo o FMI, apoia por unanimidade a Argentina e a sua prudente estratégia fiscal, mas somente os Estados Unidos podem agir com rapidez. E agiremos. Para isso, hoje, compramos diretamente pesos argentinos", anunciou.

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O secretário norte-americano também confirmou que o socorro financeiro à Argentina consistirá num "swap" (troca de moedas entre os Bancos Centrais) por US$ 20 bilhões, uma linha pronta para ser ativada em caso de necessidade. Ainda não foram divulgados nem os termos nem as condições para a ajuda.

"Finalizamos um acordo de 'swap' de divisas por US$ 20 bilhões de dólares com o Banco Central da Argentina. O Tesouro dos Estados Unidos está preparado para tomar todas as medidas excepcionais que forem necessárias para estabilizar os mercados", acrescentou Scott Bessent, destacando as "sólidas" políticas argentinas, baseadas na disciplina fiscal.

No mercado local, a moeda argentina caiu de 1.470 pesos por dólar a 1.420, o valor mais baixo dos últimos dez dias. Os títulos públicos argentinos subiram 5% e as ações argentinas em Wall Street aumentaram até 10%. Na Bolsa de Buenos Aires, a alta foi de 5,8%.

Operação histórica

Para ajudar a Argentina sem afetar o balanço do Banco Central norte-americano (Fed), o Tesouro dos Estados Unidos trocou por dólares parte dos seus Direitos Especiais de Saque, um ativo de reserva internacional criado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Esses dólares passaram ao Fundo de Estabilização Cambial (ESF, na sigla em inglês), raras vezes usado para resgatar países em crise. As divisas foram enviadas a bancos nos Estados Unidos que remeteram às filiais na Argentina, responsáveis por intervir no mercado de câmbio local, justamente quando o Tesouro argentino ficava sem munição para defender o valor da sua moeda.

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A manobra financeira foi classificada como "histórica" em dois aspectos: é a primeira vez que os Estados Unidos intervêm em um mercado emergente, comprando a moeda local, e essa intervenção ocorre sem passar pelo Banco Central local. Foram usados US$ 350 milhões. Esse dinheiro faz parte de uma intervenção direta no mercado de câmbio e não está vinculado com a linha de "swap", uma operação independente.

Aposta geopolítica

"Estamos diante de um alinhamento ideológico e de uma aposta geopolítica com variantes de execução. Uma variante é um acordo financeiro; a outra, uma negociação comercial e de investimentos. Uma terceira são os posicionamentos argentinos em assuntos internacionais", aponta à RFI o analista econômico Marcelo Elizondo.

O secretário Scott Bessent tem negociado com a equipe econômica da Argentina diferentes aspectos de um acordo que poderá ser anunciado na próxima terça-feira (14), quando Donald Trump receberá Javier Milei no Salão Oval da Casa Branca.

"O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos concluiu quatro dias de intensas reuniões com o ministro Luis Caputo (ministro da Economia da Argentina em Washington desde sábado). Conversamos sobre os sólidos fundamentos econômicos da Argentina, incluindo as mudanças estruturais que gerarão importantes exportações e fortalecerão as reservas internacionais", disse Bessent.

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O secretário norte-americano também defendeu a banda cambial argentina, um sistema de piso e teto para o valor do dólar em relação ao peso. Essa definição gerou surpresa entre os agentes econômicos argentinos, que esperam o fim do regime cambial e uma desvalorização do peso depois das eleições legislativas nacionais de 26 de outubro. Para muitos, a defesa do sistema de bandas por parte de Bessent visa inibir o mercado a uma corrida cambial antes do pleito.

"Um câmbio flexível ajudaria a equilibrar a demanda e a oferta de dólares, evitando ajustes disruptivos", concluiu um relatório do Instituto de Estudos Econômicos sobre a Realidade Argentina e Latino-americana (IERAL).

"O mercado pensa que depois das eleições haverá um novo regime cambial. Vejo como difícil que o atual regime continue depois do dia 26. Estávamos diante de uma corrida cambial que o governo argentino não podia frear, mas não podemos pensar que os Estados Unidos vão ocupar o lugar do Tesouro argentino. Não vão vender US$ 300 milhões por dia", descarta o economista Christian Buteler.

Ao resgate de Milei

Tão eufórico quanto o mercado argentino ficou o presidente Javier Milei, que classificou o seu ministro da Economia, Luis Caputo, como o melhor da história.

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"De longe, o melhor ministro da Economia da história", publicou Milei nas redes sociais, festejando como uma vitória aquilo que os analistas econômicos veem como um fracasso da sua política cambial.

Milei tem sofrido um desgaste acelerado nos campos político e social. O brutal ajuste fiscal de 5% do Produto Interno Bruto dá sinais de ter encontrado um limite numa economia que não cresce desde abril e que afeta o poder aquisitivo dos argentinos. Em paralelo, o governo enfrenta denúncias de corrupção. No Congresso, perdeu 19 das últimas 20 votações; nas urnas, oito de dez eleições. A fraqueza política de Milei tem afugentado o capital.

"Com esse socorro, Milei consegue levar o eixo da agenda para o seu terreno, o campo econômico, desviando dos problemas políticos e da erosão que sofreu com os casos de corrupção. Mas é também controverso porque não se fala de um sucesso da sua política econômica, mas de uma salvação, de um resgate financeiro. Ao mesmo tempo, esse socorro não resolve a economia cotidiana", pondera a analista política Shila Vilker, diretora da consultora Trespuntozero.

Em substituição da China

"A administração Trump é firme no seu apoio aos aliados e discutimos incentivos ao investimento e ferramentas para apoiar os sócios estratégicos", escreveu Scott Bessent.

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"O sucesso da agenda de reformas da Argentina tem importância sistêmica. Uma Argentina forte e estável, que contribua para a prosperidade hemisférica, é do interesse estratégico dos Estados Unidos", concluiu.

Posteriormente, em entrevista ao canal Fox News, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, justificou o socorro financeiro à Argentina com o "compromisso de Milei de tirar a China da Argentina", de ter no presidente argentino "um grande aliado para os Estados Unidos" e de evitar que a Argentina se torne uma Venezuela.

"A Argentina é uma referência na América Latina. O presidente Milei fez o correto. Está tentando romper com cem anos de um ciclo negativo na Argentina. Além disso, é um grande aliado para os Estados Unidos. Virá ao Salão Oval na próxima terça-feira e tem o compromisso de tirar a China da Argentina. Não queremos um Estado falido como na Venezuela. A estabilidade da Argentina é central para frear a influência da China e para reduzir os riscos de crises institucionais na região", explicou Bessent.

O secretário norte-americano também garantiu que a ajuda à Argentina não é um resgate, mas uma estratégia para o governo argentino ter um bom desempenho nas eleições de 26 de outubro.

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"Não é um resgate. Não há dinheiro transferido. O Fundo de Estabilização Cambial nunca perdeu dinheiro nem perderá desta vez. Estou há quatro décadas no negócio dos investimentos, especialmente das divisas. É preciso comprar barato e vender caro. O peso argentino está subvalorizado (os analistas econômicos na Argentina dizem o contrário). Consideramos que Milei terá um bom desempenho e que o país está deixando para trás o caminho peronista. Queremos reafirmar alianças com governos de modelos capitalistas fortes", concluiu Bessent.

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