Os documentos citados por Moraes como provas de golpe por Bolsonaro e outros réus

O primeiro ponto abordado pelo ministro em sua apresentação é a acusação de utilização de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos, a execução de estratégia de atentar contra o Poder Judiciário, desacreditando a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria democracia.

9 set 2025 - 11h48
(atualizado às 18h28)
Apresentação usada durante voto do ministro Alexandre de Moraes
Apresentação usada durante voto do ministro Alexandre de Moraes
Foto: BBC News Brasil

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus foi retomado nesta terça-feira (09/09) com a leitura do voto do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Depois de rejeitar questões preliminares apresentadas pela defesa dos réus, Moraes iniciou seu voto sendo categórico:

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"Não há dúvida de que houve tentativa de golpe", disse.

Ele alegou que o grupo do qual os réus fariam parte deu início a planos para se perpetuar no poder a partir de 2021.

"De julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023 essa organização criminosa com divisão de tarefas e de forma permanente e organizada, o que caracteriza a organização criminosa, praticou vários atos executórios contra o Estado Democrático de Direito."

E para embasar esse posicionamento, passou a citar documentos e uma fala de Bolsonaro numa live que, segundo ele, evidenciam que houve tentativa de golpe de Estado.

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Veja quais são eles:

Alexandre de Moraes durante julgamento em 9 de setembro de 2025
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

1. 'Anotações golpistas'

O primeiro documento citado por Moraes como prova foi uma agenda do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, apreendido pela Polícia Federal. O ministro inclusive mostrou imagens dessa agenda no telão do plenário, durante seu voto.

Segundo a denúncia, citada por Moraes, havia na agenda mensagens sobre "o planejamento prévio da organização criminosa de fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas".

Não há datas nas anotações, mas elas trazem comentários que colocariam em dúvida a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. Uma das páginas traz como título "Reu [reunião] Diretrizes Estratégicas".

Há anotações como: "Fazer um mapa com o levantamento das áreas onde o Pres [presidente] possui aliados confiáveis" e "Buscar relacionar os órgãos de imprensa que podem ser usados como meios de divulgação de ações de governo. Utilizar com mais frequência a EBC".

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Outras anotações dizem: "Não fazer qualquer referência a homossexuais, negros, maricas, etc. Evitar comentários desairosos e generalistas sobre o povo brasileiro. Ao contrário, exaltar as qualidades do povo: lutador, guerreiro, alegre, otimista." e "Estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações. É válido continuar a criticar a urna eletrônica."

Apresentação usada durante voto do ministro Alexandre de Moraes
Foto: Reprodução / TV Justiça / BBC / BBC News Brasil

Há também registros na agenda como a citação a um dossiê sobre "o mecanismo das fraudes" e "dia 30 out" — uma referência à data do segundo turno nas eleições de 2022. Os advogados do general vêm dizendo que as evidências do processo não conseguiram demonstrar a culpa e nem "a hipótese do protagonismo" de Heleno na trama.

Sobre as anotações encontradas na casa de Heleno, eles afirmaram que se tratavam de registros pessoais "nunca" compartilhados com ninguém.

Além disso, a defesa critica a forma como a PF apresentou as páginas encontradas — acusando a polícia de montar uma narrativa a partir das páginas: "(...) a PF disponibiliza as referidas páginas da caderneta como numa suposta e inventiva evolução de um raciocínio linear, quando na verdade estão afastadas umas das outras e sobre situações e assuntos totalmente díspares! Sem conexão!"

Segundo Moraes, a agenda possuía várias anotações feitas pelo réu, "consistentes em diretrizes estratégicas, dentre as quais foram listadas ações a serem implementadas pela organização criminosa, inclusive sobre o estabelecimento de uma desinformação sobre urnas eletrônicas para descredibilizar o sistema eletrônico eleitoral brasileiro".

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Em seu voto, Moraes afirmou que "não é razoável achar normal um general do Exército, general quatro estrelas, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas, ter uma agenda preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, para deslegitimar o Poder Judiciário e para se perpetuar no poder".

"Eu não consigo entender como alguém pode achar normal numa democracia em pleno século 21, uma agenda golpista", afirmou o ministro.

2. Anotações do presidente da Abin

O segundo documento apresentado por Moraes em seu voto contém anotações feitas pelo réu Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal.

Segundo o ministro essas anotações revelam que houve intenção e planejamento para atacar urnas e sistema eleitoral, por conter "tópicos e argumentos contrários ao sistema eletrônico [de votação] e imputando fraudes à Justiça Eleitoral".

Os mesmos temas seriam posteriormente abordados por Jair Bolsonaro em uma live, disse.

Para o ministro do STF, há uma "convergência total" entre a live, os documentos de autoria de Ramagem e as anotações feitas por Augusto Heleno em seu diário, mostrando intenção e planejamento para atacar as urnas e o sistema eleitoral.

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Moraes ainda abordou o argumento apresentado pela defesa de Ramagem, de que as anotações do deputado federal seriam apenas para uso particular e registro de ideias.

Segundo o ministro, a alegação não é razoável porque constam nas provas tópicos direcionadas a Jair Bolsonaro, que tratam do ex-presidente na terceira pessoa. Além disso, disse, as informações presentes nos documentos são exatamente as mesmas mencionadas por Bolsonaro em live, mostrando que Ramagem estaria envolvido no planejamento dos ataques.

3. Diálogos entre ex-diretor da Abin, Ramagem e Bolsonaro

Em sua argumentação, Alexandre de Moraes também citou diálogos apreendidos pela PF entre o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal, Alexandre Ramagem, e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro, isso é uma mensagem do diretor da Abin para o presidente da República", disse o ministro.

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A fala do magistrado seguiu a leitura de mensagens trocadas. Moraes citou um trecho em que se lia:

"Na realidade, a urna já se encontra em total descrédito perante a população. Deve-se enaltecer essa questão já consolidada. A prova da vulnerabilidade já foi feita em 2018 antes das eleições. Resta somente trazê-la novamente e constantemente. Deve-se dar continuidade àqueles argumentos. Essas questões devem ser massificadas. A credibilidade da urna já se esvaiu, assim como a reputação de ministros do Supremo Tribunal Federal".

4. Transcrições de áudios

Moraes apresentou a transcrição de áudios de conversas entre o general da reserva Mario Fernandes e o tenente-coronel Mauro Cid e um grupo de elite do Exército chamado "kids pretos" como provas da articulação das operações chamadas de 'Punhal Verde e Amarelo' e 'Copa 2022', planos que envolviam o monitoramento, a prisão ilegal e até uma possível execução de trAlexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin.

O ministro disse que haveria "excesso de provas" sobre a existência e tentativa de executar um plano para o assassinato dos três, informa Leandro Prazeres, de Brasília.

"Esse planejamento é fartamente comprovado nos autos. Como cheguei a comentar com a ministra Carmen (Lúcia), há excesso de provas", disse.

Segundo as investigações, o plano "Punhal Verde e Amarelo" consistia no monitoramento, prisão e morte de autoridades. Ele seria executado por militares de forças de elite do Exército brasileiro. Parte do plano chegou a ser impresso em uma impressora dentro do Palácio do Planalto, e dizia que Moraes seria morto com o uso de armas de fogo.

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Lula, por sua vez, seria morto por envenenamento. "Isso não foi impresso numa gruta, escondido numa sala de terroristas. Isso foi impresso na sede do governo brasileiro, no mesmo momento em que lá se encontrava o presidente Jair Messias Bolsonaro. O planejamento é tão bem detalhado que há chances de êxito, efeitos colaterais e (menções) à necessidade de utilização de armas pesadíssimas", disse Moraes.

Os advogados dos réus acusados negam suas ligações com o plano. Moraes afirmou que a sociedade não deveria "normalizar" a elaboração de um plano para matar autoridades.

5. 'Minuta do golpe'

Moraes diz que não há nenhuma dúvida sobre reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas, entre outras pessoas, para discutir a quebra da normalidade constitucional. Durante sua fala, ele apresentou documentos aos quais se referiu como "minuta de golpe".

Apresentação usada durante voto do ministro Alexandre de Moraes
Foto: BBC News Brasil

Em seu depoimento ao STF, Bolsonaro admitiu que manteve conversas com os chefes militares após perder as eleições de 2022, mas ele sustentou que os encontros tinham o objetivo de discutir opções para lidar com a manutenção de manifestações contrárias à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial.

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Segundo Bolsonaro, foram discutidas as possibilidades de decretação de Estado de sítio, mas a ideia foi posteriormente descartada. Moraes, no entanto, descartou esse argumento. "Ora.. não existe previsão constitucional para decretação de Estado de sítio, ou de defesa, ou GLO (Garantia da Lei e da Ordem) no caso de derrota eleitoral. Não existe. Chame-se como quiser. Aqui era uma minuta de golpe de Estado", disse Moraes.

*Esta reportagem está sendo atualizada

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