Esporte de alto rendimento é, por si só, um espaço de controle do corpo, inclusive controle dos direitos sexuais reprodutivos das mulheres, como o aborto.
Quem defende essa tese é Adriana Mota, socióloga, ex-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
“As atletas precisam discutir isso porque o meio esportivo é um dos meios onde a gente não tem conseguido avançar com esse tipo de direito”, explica Adriana, em entrevista ao quarto e último episódio da primeira temporada do Minas Olímpicas, série de podcasts do Papo de Mina.
E já há um movimento, liderado principalmente pelas campeãs olímpicas Megan Rapinoe, do futebol, Diana Taurasi e Sue Bird, do basquete, que envolve cerca de 500 esportistas norte-americanas.
Em setembro de 2021 elas apelaram à Suprema Corte contra a ação de proibir o aborto após 15 semanas de gravidez.
Mas por que a descriminalização do aborto é um tema que diz respeito, também, às atletas?
“Toda vez que uma mulher toma coragem de falar sobre isso, e diz que aborto existe sim e que não há leis que restrinjam esse direito e que vão de fato impedir que ela faça o aborto se ela tomou essa decisão, é importante”, pontua a socióloga.
No esporte, além de essas mulheres terem grande representatividade, há um impacto sobre toda a carreira. Uma gravidez indesejada representa não apenas o afastamento pelas questões físicas, por períodos que podem ser mais ou menos curtos, a depender do esporte e da recuperação, mas efeitos sobre a saúde mental difíceis de serem calculados.
"Como atletas mulheres e pessoas dos esportes, precisamos ter o poder de tomar decisões importantes sobre nossos próprios corpos, e exercer o controle sobre nossas vidas reprodutivas", defendeu Rapinoe na ocasião do protesto.
A discussão, embora ocorra nos EUA, tem papel global, segundo visão de Adriana Mota, e pode ter consequências para todas as mulheres conquistarem seus direitos. Isso pode evitar, também, que 39 mil mulheres morram por ano por complicações causadas por abortos inseguros (de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde).
Jefferson Drezet, ginecologista e obstetra especialista em aborto legal, reforça o argumento: “direitos humanos, quando alcançados, não podem sofrer retrocessos.”
No Brasil, por exemplo, há uma legislação diferente, e há apenas três casos em que o aborto não é considerado crime: gravidez decorrente de estupro (até 22 semanas); risco de vida à mãe (e não para cuidar da saúde, ele faz questão de pontuar); e quando o feto é anencéfalo (decisão mais recente do Supremo Tribunal Federal, de 2012).
“No entanto, a maioria das mulheres que busca aborto tem outros motivos, que ainda que não concordasse, praquela mulher é absolutamente legítimo”, diz o médico. Ele ainda acrescenta que, o Brasil, na contramão de outros países mais desenvolvidos, não oferece às mulheres nem mesmo o atendimento previsto em lei.
“Elas têm o direito violado de maneira espantosa. Os serviços de saúde escolhem que leis vão cumprir dos direitos sexuais reprodutivos das mulheres”, finaliza.
O tabu em relação ao aborto e a esses direitos das mulheres deve seguir por muitos anos - seja entre a população de baixa renda, que se arrisca com intervenções impróprias, seja nas atletas de alto nível, que podem ver o fim da carreira.