Para quem não sabe, eugenia é um conjunto de ideias que almeja melhorar a genética da humanidade. O inglês Francis Galton foi o pai dessa ideia em 1883. Pela data e pelo país de quem pensou sobre isso, já dá para ter uma ideia qual o desenrolar dessa história, mas para deixar tudo bem estabelecido deixo a definição do Galton sobre o tema: "Eugenia é o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente". Ou seja, nada que não fosse branco era interessante. Vemos também que a ideia de raça já existia à época e tinha como função separar as pessoas por características étnicas. Para eles, brancos, negros, asiáticos, indígenas eram raças diferentes.
No Brasil a ideia de eugenia veio a calhar para os racistas. Foi muito mais fácil para eles abraçarem essa ideia de que o negro era o problema do Brasil, do que fazer a autocritica sobre a escravização africana. A elite intelectual da época, junto ao estado brasileiro, e o pai da eugenia no Brasil Renato Kehl, acreditaram que o progresso do nosso país só seria possível com a predominância da raça branca. Kehl defendia pensamentos absurdos como segregação de deficientes, esterilização e divorcio caso comprovasse “defeitos” hereditários em uma das famílias.
A eugenia no Brasil tinha como força motriz o apagamento das pessoas pretas. Então várias atitudes tomadas após o fim da escravidão, ou seja, após o negro perder seus valor enquanto mercadoria, foram tomadas na tentativa de extinguir o máximo de pessoas negras possíveis. Muitas mazelas que vemos a população negra e pobre vivendo hoje foi estabelecida ainda nessa época. Então pessoas negras foram empurradas para margem dos grandes centros tendo como arma a lei dos vadios e capoeira, não tinham acesso à saúde, educação e moradia. Logo, a taxa de mortalidade de pessoas negras era muito maior do que a de pessoas brancas. Em contrapartida o governo facilitava a entrada de europeus no país oferecendo tudo que deveriam ter oferecido às pessoas negras depois da abolição, como terra, dinheiro, sementes de plantio, animais, entre outras coisas que eram necessárias para se manter vivos.
O estado brasileiro pensava também que as pessoas brancas iriam se relacionar amorosamente com pessoas negras e isso embranqueceria paulatinamente a população brasileira. O que eles não esperavam era que brancos europeus eram ainda mais racistas do que o estado, logo se fecharam em seus grupinhos e também não imaginaram que pessoas negras tinham capacidade de se organizar para sobreviver. Nesse processo eles não tinham a intenção de que a população brasileira fosse branca como a da Europa, mas que clareasse. Esse clareamento da população brasileira tinha como principal elemento findar com a ideia de negritude, já que ser negro, era ser inferior.
O movimento negro no Brasil observou toda essa articulação e não permitiu que o estado apagasse a negritude utilizando a palavra pardo que, inicialmente, ao meu ver, foi pensada em uma tentativa de apagar as identidades negras e indígenas. Colocar todo mundo no mesmo local de raça e fingir que o Brasil era uma democracia racial. Se todos são pardos, não há tratamento diferente por raça, não há como negros se mobilizarem enquanto grupo.
Hoje me parece que a ideia de parditude vem em uma tentativa diferente, de implodir o movimento negro, destrui-lo por dentro e, principalmente, separar pessoas negras retintas, de negras de pele clara. Separar para conquistar. Piora, porque junto com essa ideia de deixar negros retintos a margem, o movimento também tem colocado gente branca nesse balaio, justamente nessa tentativa de dizer que todos são pardos, com aquela desculpa de que todos somos mestiços e que todos somos iguais. E sabemos que para uma pessoa branca tomar a dianteira desse movimento e transformar em “a raça é humana” não demoraria quase nada. Isso iria matar o sistema de cotas e todos os outros projetos sociais a fim de mitigar quase 400 anos de escravização africana.
Não é porque meia dúzia de pessoas pretas disseram que você não é negra por ter traços poucos negroides que você deixar de ser negra. Não é porque você ainda não tem capacidade de fazer sua própria análise racial que você deve sair abraçando qualquer baboseira por aí. Achar que negros retintos são os vilões e que se aproximar do branco irá te salvar é ingenuidade. Usar experiências individuais e pessoais para definir o todo em forma de ressentimento é, acima de tudo, um desserviço há anos de luta. Existem pessoas negras caindo nesse papo e existem pessoas brancas utilizando dessa abertura para se apoderar de narrativas e roubar vaga das cotas para negros.
Enfraquecer o movimento negro é uma ideia neo liberal. Apagar a ideia de negritude e do que é ser negro no brasil flerta fortemente com a ideia eugenista. Ler Torna-se Negro da Neusa Santos nunca foi tão necessário. A cada passo que nos distanciamos da negritude e abraçamos outros conceitos sem base científica estamos mais perto do desejo dos eugenistas em acabar com o negro no brasil e nos aproximamos também da direita neo liberal que diz que não existe racismo e que tudo é meritocracia.