Casar com preto não faz da Antonia Fontenelle menos racista

Criar feição por uma pessoa específica de um determinado grupo não isenta ninguém do preconceito

31 jul 2025 - 15h24
Erika Hilton processa Antonia Fontenelle após ser chamada de ‘preta do cabelo duro’
Erika Hilton processa Antonia Fontenelle após ser chamada de ‘preta do cabelo duro’
Foto: Reprodução/Redes sociais

Erika Hilton, mais uma vez, foi alvo dos impropérios de alguém da extrema direita do Brasil. Dessa vez quem difamou a excelentíssima deputada foi ex de Marcos Paulo. Antonia Fontenelle falou muita coisa errada, mas o que ganhou maior destaque foi dizer que  ‘preta do cabelo duro’ se referindo a Erika. Obviamente que Hilton não deixou barato a fala racista e processou a influencer que, surpreendendo um total de zero pessoa, falou que teve dois maridos negros, que a maioria dos amigos dela são pretos e ela, de fato, tem um filho negro.

O que muitas dessas pessoas não entendem é que criar uma relação afetiva, sexual ou fraterna, não isenta ninguém da possibilidade de ser racista. No campo das ideias, e eu não acredito que se dê dessa maneira, por mais que você tenha um marido negro e não seja racista com ele, não quer dizer que você não possa ser racistas com as outras pessoas negras que circulam diariamente no seu cilco. Quando eu digo que não acredito que se dê dessa maneira, quero dizer que eu, particularmente, não acredito que não haja racismo em relações interraciais onde a pessoa branca é abertamente racista. Até porque se partirmos dessa máxima, todo homem que se relaciona com mulher deixa de ser machista?

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Opressões estruturais como raça, gênero, sexualidade vão além da relação individual entre dois indivíduos. Eu posso ter um amigo gay, que eu amo, que nunca sou homofobico com ele, mas quando eu chego no estádio de futebol e chamo o jogador adversário de “viadinho”, adivinha? Eu estou sendo homofobico. Eu posso amar minha mulher, achar que ela dirige melhor do que o Lewis Hamilton, mas se quando eu estou no trânsito digo que mulher no volante é perigo constante, eu estou sendo machista. O mesmo vale para o exemplo acima, posso não ser racista com meu filho negro, mas chamo a deputada de preta do cabelo duro.

Indo um pouco mais fundo nessa perspectiva, podemos pensar também o que as pessoas dos grupos minoritários fazem a mais para que sejam quistas. Exemplo, eu amo um homem negro, mas para eu amar esse homem negro ele teve que me tratar como rainha, já os brancos eu aceitei qualquer tratamento. Meu amigo gay, mas para eu aceitar como amigo ele tem que me bajular, eu fazer dele meu esgoto de frustrações e não deixar ele falar nada sobre ele, é tudo sobre mim, entendem? As nuances para pensar as opressões em relações individuais sem infinitas e muito particulares. Por isso, quando falamos de estrutura, não dá para se pegar em relações individuais, temos que olhar para o todo e entender como aquilo se aplica na vida da maioria.

Existem pessoas negras que reproduzem o racismo, existem mulheres que reproduzem o machismo e existe pobre de direita, logo, nem quando a pessoa faz parte do grupo oprimido é garantia que ela irá lutar a favor da sua causa, o que dirás pessoas que não fazem parte do grupo. Enquanto homem hetero, eu jamais abrirei minha boca para dizer que não posso ter uma fala machista e homofóbica. Jamais. Sabe porquê? Saber que sou parte da estrutura e saber que não estou isento dela, é o que me faz vigilante para não cometer falas que ofendam grupos nos quais eu não faço parte. Afinal, só podemos mudar nosso comportamento a partir do momento que nós percebemos e vamos de encontro a eles. Como você irá mudar se nega o que é? Ou seja, como você deixará de ser racista se já pensa que não é. A melhor forma de negar a mudança é fingindo que a necessidade de mudar não existe.

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra.
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