Mulher pode mesmo ser o que ela quiser?

Terceiro episódio do podcast Minas Olímpicas, do Papo de Mina, discute a masculinização e a sexualização das mulheres no esporte

De biquíni e medalha no peito, atletas não puderam utilizar uniforme na cerimônia do pódio do vôlei de praia em Atlanta-1996
De biquíni e medalha no peito, atletas não puderam utilizar uniforme na cerimônia do pódio do vôlei de praia em Atlanta-1996
Foto: Arquivo pessoal

“Nossa, que braço é esse de homem?”

Essa foi a frase que Laura Amaro, de 21 anos, primeira mulher brasileira a conquistar medalha em um campeonato mundial de levantamento de peso, ouviu em um aniversário de família.

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Jaqueline Silva, hoje com 60, foi a primeira medalhista de ouro feminina em olimpíadas, em Atlanta-1996. Pouco antes de subir ao pódio, ouviu do coordenador do evento o pedido, vindo da mulher da presidente da Federação Internacional de Voleibol: 

“Não usem o agasalho do país, subam ao pódio de biquíni."

Além dos 25 anos que separam esses momentos, percebe-se, ao mesmo tempo, a dicotomia entre a objetificação e a masculinização da mulher dentro do esporte, mas também um padrão: a mulher ainda não é, embora reforce cada vez mais esse discurso, livre para ser quem ela quiser.

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Ao menos para os olhos da sociedade.

Esse cenário de extremos e discussões acerca do corpo feminino das atletas é o tema do terceiro episódio do podcast Minas Olímpicas, série organizada pelo Papo de Mina. Para ouvir as edições anteriores, clique aqui.

O episódio relatado pela Laura foi, inclusive, pauta de terapia da atleta, que na ocasião tentou se justificar com a pessoa, explicando que estava mudando de categoria e, por isso, ganhando mais músculos. Antes, ainda, ela já tinha vergonha, e só usava roupas que cobrissem os ombros e trocos, justamente para não mostrar a musculatura. Algo que, segundo ela, a sociedade botou em sua cabeça.

“Quando trouxe pra psicóloga ela falou: ‘Laura, seu braço não é de homem. É de uma mulher que levanta 132kg, campeã brasileira, com toda uma representatividade por trás disso’", conta.

“Depois disso eu comprei mais roupa de alça, amo sair de vestido, eu amo meus músculos, eu amo essa representatividade que esse esporte me traz, essa afirmação que a mulher pode ser o que ela quer, e que isso é lindo”, reforça.

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Se as roupas usadas pela atleta do levantamento de peso - ou do judô, boxe e outros exemplos de esportes que exigem corpos mais fortes e musculosos - rendem comparações masculinas, na ginástica, saltos ornamentais e vôlei de praia, a situação é inversa. Os biquínis cavados às vezes mostram mais do que deveriam e objetificam o corpo feminino.

Sim, sempre o feminino, pois para os homens dificilmente há problemas com uniformes.

Jackie Silva aponta que há uma falha por não existirem mulheres no comando dos principais órgãos esportivos, e que o olhar feminino não consegue chegar a esses lugares, como a escolha de uniformes mais confortáveis e menos “exibicionistas” - ou até mesmo mais ajustáveis para o corpo feminino, como no caso do futebol e do boxe.

“Não consegue existir mulheres tomando decisões e protegendo outras mulheres”, lamenta.

E se o ocorrido na Olimpíada de Atlanta 1996 não foi chocante o suficiente, Jaqueline conta outra história envolvendo a objetificação das atletas do vôlei de praia, ocorrida em Osaka, no Japão.

“Havia diversas propagandas do evento espalhadas pelo metrô, com fotos nossas anunciando o torneio, mas focadas nas nossas bundas. Não era mais o vôlei, era a propaganda da bunda das mulheres jogando vôlei”, explica.

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Indignadas com a situação, as atletas se reuniram e fizeram um abaixo-assinado, e a organização foi obrigada a tirar todos os cartazes para que elas entrassem nas arenas para disputar a etapa da competição.

“Normalmente essas regras são feitas por homens e são homens que decidem e acham que é interessante e veem esporte dessa maneira”, conclui.

É o empoderamento feminino que, aos poucos, ajuda a construir essa mudança na sociedade. Para Laura Amaro, a palavra da vez para as mulheres é conscientização: “a gente precisa se conscientizar, se entender, e a partir desse momento externar e fazer com que isso seja respeitado”.

“Se eu não tivesse consciência, se a pessoa falasse que eu tenho braço de homem eu ia me desculpar, como eu me desculpei. A partir do momento que eu fui na terapia, foi mostrado o outro lado, eu fui estudando sobre esse ponto, eu pude me posicionar, e da próxima vez a resposta não será a mesma. Nós vamos nos posicionar e mudar todos os paradigmas que esperam da gente”, acrescenta.

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