O que faz do futebol o que ele é, não é a tática perfeita, a técnica do craque a proporcionar jogadas geniais que fazem tremer estádios pelos quatro cantos. É muito menos do que isso. O que torna o futebol o esporte mais popular do planeta, que faz o mundo parar para ver uma bola girando é a emoção que ele é capaz de despertar. É sua imprevisibilidade, é a bola balançando as redes e não importa se num toque de letra, numa bicicleta ousada ou num chute de bico, de canela, sem pompa nem circunstância.
Vivemos uma semana reveladora do que é o futebol. As viradas históricas do Liverpool sobre o Barcelona, do Tottenham sobre o Ajax nas semifinais da Champions League foram construídas, sim, com muito talento, com aplicação tática, com estratégias de jogo muito bem trabalhadas por treinadores engenhosos e jogadores focados. Mas, mais do que isso, o que pesou foi a entrega, o empenho, o acreditar, aquilo que poderia ser resumido, usando-se uma expressão nelsonrodriguiana, em jogar com o coração nas travas da chuteira.Sim, de nada adiantaria a competência e o refinamento se não houvesse a paixão. E a Inglaterra, como poucos lugares do mundo, é hoje um cenário perfeito para despertar emoções boleiras. É incrível como o futebol faz esse povo deixar de lado sua frieza característica. Não, não se pode encarar como mera casualidade, como um acidente apenas, o impressionante domínio que os ingleses conquistam agora no futebol europeu - é a primeira vez na história que quatro clube de um mesmo país disputam as finais das duas maiores competições continentais, com Liverpool e Tottenham na Champions e Arsenal e Chelsea na Liga Europa.
Tudo isso é fruto de um trabalho de longo prazo, uma reconstrução iniciada entre as décadas de 1980 e 1990. Foi ali que o futebol inglês, para não sucumbir, tomou a decisão de reinventar-se. Os clubes ganharam gestões profissionalizadas, tornaram-se verdadeiramente empresas. Os velhos e acanhados campos de gramados surrados foram substituídos por modernas arenas. Com isso, o estilo de chutões para frente foi trocado pelo toque preciso, pelo refinamento da técnica, pelo bom trato com a bola. Se os holligans eram um problema, criou-se leis para enquadrá-los e bani-los dos estádios. E esta passou a ser a tônica, para cada desafio surgido, a coragem de enfrentá-lo preservando a competitividade e o espírito esportivo.
Na sexta-feira, o Espresso, newsletter diária deste LANCE! para assinantes, lembrou um estudo da consultoria Deloitte mostrando que entre os dez clubes mais valiosos do mundo, nada menos do que seis são ingleses. Entre eles, além dos finalistas dos principais torneios europeus, estão o Manchester United e o Manchester City. Ampliando a lista para os 20 mais ricos, ainda aparecem mais ingleses, times sem a mesma expressão internacional como Newcastle e West Ham.
Isso acontece, em grande parte, pelos critérios adotados pela Premier League, hoje a melhor liga de clubes do mundo, que promove uma divisão equilibrada das receitas, especialmente a milionária venda dos direitos de TV, a partir de um valor igualitário para todos os clubes acrescidos de diferenciais baseados em critérios técnicos e de audiência, Assim, a variação entre os que ganham mais e os recebem menos não é maior do que duas vezes, E, vale lembrar, a Premier faturou quase seis bilhões de euros na temporada passada.
É fácil, assim, explicar a supremacia dos times ingleses. Cada vez maior será o desafio de vencê-los. Em nenhum outro lugar do mundo há tantos jogadores com nível de seleção disputando uma liga. Latinos, africanos, asiáticos e mesmo europeus reforçam os times da Premier a cada temporada, ao mesmo tempo em que os craques nativos são mantidos jogando no país. E isso faz toda a diferença. É ali, dentro de casa, que começa a ser lapidado o sonho de conquistar de vez a Europa.