Aos 32 anos, Daniel Bessa reflete sobre sua trajetória no futebol, de convivência com astros na Inter de Milão a adaptações culturais e sucessos nos Emirados Árabes, com perspectiva de retornar ao Brasil no futuro.
Daniel Bessa, de 32 anos, viveu os diferentes lados proporcionados pelo futebol. Da convivência com astros nas categorias de base da Inter de Milão, da Itália, até o luxo dos Emirados Árabes Unidos, o meio-campista enfrentou lesões, adaptações culturais e até uma curta volta ao Brasil.
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Essas diferentes faces do futebol até hoje são percebidas pelo atleta nascido em São Paulo e criado em Curitiba. Na última rodada da UAE Pro League pelo Al Ittihad Kalba, por exemplo, um aviso insistente para não cumprimentar a árbitra marcou o ítalo-brasileiro.
“No último jogo da rodada desse campeonato, arbitrou uma mulher, o que não é muito normal para eles.Na hora que você vai dar a mão, os caras repetiam mais de dez vezes: ‘na hora que for dar a mão, não dê a mão para a mulher. Não encosta na mulher’. Porque você dá a mão para o bandeirinha que é homem quando está passando, mas na mulher você nem estende a mão. Seria um probleminha, no caso, para você, se fizesse o que para eles é errado”, conta em conversa com o Terra, enquanto aproveita férias no Brasil.
Embora não seja um crime, o contato físico entre homens e mulheres que não tenham laços matrimoniais ou de parentesco pode ser considerado inadequado. Os avisos excessivos fizeram com que Bessa evitasse até algumas reclamações com a árbitra durante a partida.
Logo que chegou aos Emirados Árabes em 2022, outros pontos culturais e até o calor chamaram a atenção do meio-campista, que hoje já está acostumado. O período de ramadã, horários exatos para orações e hábitos culinários são alguns dos exemplos citados pelo atleta.
“Aquelas primeiras refeições que você vai no clube e você senta no chão com eles e come com a mão para eles é uma coisa bem natural, cultural. Tem que comer com a mão mesmo, é como se fosse uma questão até de respeito por eles”, explica.
Por outro lado, houve um aspecto da adaptação um pouco mais fácil no futebol árabe. Além do salário atrativo, os jogadores na liga local recebem bonificações por desempenhos, o famoso ‘bicho’. A preferida de Bessa, claro, é quando o dinheiro é multiplicado.
“Já ganhei presentes do clube, de companheiros do time. O cara, sei lá, não gosta de algum time porque já jogou ou é rival. Ele fala que vai te dar um chinelo da Hermès, um perfume, uma mochila que você queira da Dolce & Gabbana. O presidente, às vezes, gostava de me dar bônus, aí ele dobrava o bônus ou me dava, tipo, dois dias em um hotel maravilhoso em Dubai para ir com a família depois do jogo”, conta em tom bem humorado.
Com tamanha motivação, Bessa é um dos destaques do Al Ittihad Kalba nos últimos anos. Desde que chegou ao clube, em 2022, são 25 gols e 15 assistências em 86 jogos. Os números e a liderança o levaram a ser reconhecido com a faixa de capitão por um período, algo pouco comum para estrangeiros no país.
Começo de carreira junto de astros na Itália
Muito antes de conhecer o luxo dos Emirados Árabes Unidos, Bessa se apresentou ao mundo do futebol em uma das capitais da moda, Milão. Após iniciar nas categorias de base de Athletico-PR e Coritiba, o meio-campista despertou o interesse dos italianos em um torneio juvenil e decidiu fazer a mudança precoce, impulsionado pelo irmão que era jogador de futsal no país europeu.
Na Inter de Milão, cresceu perto de nomes como Davide Santon, Mattia Destro, Alfred Duncan e Mário Balotelli no alojamento nerazzurri. O último dos citados talvez seja o que mais explodiu no futebol, mas também o mais polêmico, comportamento que demonstrava desde a adolescência.
“[Balotelli] era o que todo mundo sabe. Sempre uma baguncinha, uma confusãozinha. Mas era porque era o jeito dele mesmo. Ele era um pouquinho diferente. Gostava de atazanar, o que, às vezes, era legal também, deixava o ambiente bem descontraído”, recorda.
Na época em que Bessa chegou a Inter, Balotelli já ocupava espaço na equipe principal da Inter de Milão. O astro, porém, ainda morava na concentração e era visto como um exemplo, dentro de campo, pelos garotos que sonhavam em figurar no time então comandado por José Mourinho.
A geração que encantou o mundo com títulos da Série A, Supercopa da Itália, Copa da Itália e Liga dos Campeões tinha nomes como Maicon, Júlio César, Lúcio, Samuel Eto'o, Diego Milito e Wesley Sneijder.
Àquela altura da vida, no entanto, foi Thiago Motta quem Bessa carregou como exemplo graças aos conselhos recebidos, principalmente em um momento difícil da carreira. Quando estava em meio à transição para o profissional, o atleta sofreu uma lesão no ligamento do joelho e outra no olho, o que atrapalhou a sequência em momento crucial da carreira.
“Tem um cara que me ajudou, que mais me impactou em questão de conversa, mensagens e trocar curiosidade. Era o Thiago Motta. Ele já era um jogador consagrado, já tinha ganhado tudo e tido problemas no joelho. Tudo que ele me passou naquele momento que eu acompanhei ele me serviu depois porque depois também eu tive que aplicar em mim mesmo. Alguns cuidados, até um foco de não desistir”, diz o meio-campista.
Experiência no futebol brasileiro e futuro
Desde que foi para a Itália, aos 15 anos, Bessa teve uma curta passagem de 23 jogos pelo Goiás, com direito a cinco gols e uma assistência. O começo foi bom, mas a sequência foi interrompida pelo início do isolamento por causa da covid-19 e pelo elenco bastante desfalcado por causa de testes positivos.
Embora tenha gostado bastante da cidade de Goiânia e da convivência com os companheiros, o meio-campista teve que voltar ao Hellas Verona, da Itália, clube ao qual pertencia.
Com a experiência impactada por fatores extra-campo, o jogador ainda tem o desenho de se testar no futebol brasileiro. No passado, Bessa já foi sondado pelo Cruzeiro e por clubes nordestinos, mas as conversas não avançaram. O desejo maior, entretanto, é de voltar ao time em que deu os primeiros passos no futebol.
“Eu gosto muito do Coritiba, mas são situações que o clube oscila, uma hora tá na segunda, outra hora na primeira. É complicado. Assim, eu pretendo voltar, se eu conseguir, um dia para ajudar o clube, obviamente. Mas tem que ser uma coisa bem pensada para ambas. Não adianta eu fazer uma coisa só porque eu tenho esse desejo de jogar aqui. Uma hora vai dar certo, tenho certeza. Ainda vou fazer um ano legal ou mais aqui. Eu gostaria muito por ter começado no Coritiba, eu tenho um carinho pelo clube, acompanho e tenho aquele sentimento. Mas eu fui com 15 anos pra Itália, futebol pra mim é profissão. Não tenho muito o que ficar só romantizando, mas o Coritiba é um clube que eu tenho bastante desejo de conseguir jogar no Couto, até por uma questão de sentimento, de família, de torcida, mas vamos ver se um dia encaixa”, completa.
Antes de voltar ao Brasil, Bessa ainda quer conquistar algum título pelo Al Ittihad Kalba nos Emirados Árabes Unidos. Ao longo da carreira, ele acumula passagens por Vicenza, Olhanense, Sparta Rotterdam, Bologna, Como e Genoa, além dos citados Inter de Milão, Verona e Goiás.