“Tudo é sobre sexo. Exceto o sexo. Sexo é sobre poder.”
A frase do psicopata Frank Underwood (Kevin Space) em ‘House of Cards’ (Netflix) se aplica à série ‘Tremembé’, do Prime Time.
A produção de streaming mais comentada do momento explora os afetos e, principalmente, a sexualidade de criminosos brasileiros transformados em ‘lendas vivas’ pela mídia nas últimas décadas.
Em qualquer presídio, o sexo é mesmo uma moeda, vale tanto ou mais que o dinheiro de verdade. Está ligado ao poder territorial e à influência sobre os demais condenados.
Até aí, nada de errado: um retrato fiel do sistema prisional.
O problema começa quando há uma ‘novelização’ das relações íntimas, gerando símbolos sexuais e casais por quem o espectador se afeiçoa a ponto de torcer por um final feliz.
Esse fenômeno parte do desligamento moral. O crime do personagem real passa a ter menos importância — ou até fica aceitável.
Quem assiste, absolve o detento em nome do entretenimento ou da projeção, ou seja, quando a pessoa vê nesses indivíduos aspectos de si mesma (desejos, traumas, impulsos reprimidos) e, inconscientemente, se identifica a ponto de perdoá-los ou até os admirar.
Perigosos e irresistíveis
Sob tal prisma, Suzane von Richthofen vira uma anti-heroína carismática. Cristian Cravinhos se torna um galã num triângulo amoroso. Elize Matsunaga é mostrada de uma maneira que desperta empatia e piedade.
Algo que vimos também em ‘Dahmer: Um Canibal Americano’ (Netflix), em que o serial killer de gays Jeffrey Dahmer (Evan Peters) foi tão humanizado e erotizado no roteiro que acabou sendo ‘crush’ de parcela numerosa do público.
Inconscientemente ou não, muitos espectadores deste tipo de abordagem dramatúrgica manifestam o interesse pelo amor bandido e a excitação sexual de se colocar em situações de risco extremo.
O sucesso da série expõe não apenas o fascínio pelo proibido, mas uma sociedade que já não distingue mais culpa de carisma desde que a história seja bem contada e o vilão tenha apelo suficiente para gerar engajamento.
A cultura da fama digital, somada à curiosidade mórbida da audiência, transforma assassinos em ídolos e vítimas em notas de rodapé.
Não podemos esquecer que, por trás daqueles condenados interessantes a ponto de serem fetichizados, há inocentes mortos e famílias emocionalmente destroçadas.
Globo x Prime
Desde a estreia, em 31 de outubro, ‘Tremembé’ ofuscou as novelas da Globo nas redes sociais. A trama sobre os remédios falsos que enriquecem os vilões em ‘Três Graças’ parece quase ingênua perto da concentração de maldade e luxúria da série-sensação.
Cabe aqui outra frase de personagem. “No fim das contas, tudo se resume a quem tem o poder — e quem o faz se sentir desejado”, disse a manipuladora e sexy Olivia Pope (Kerry Washington) em ‘Scandal’.