O debate sobre o uso da atrazina no Brasil ganhou nova dimensão após um levantamento da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde. Agora, o herbicida, muito usado no controle de ervas daninhas em lavouras nacionais, passou a ser classificado como "provavelmente cancerígeno para humanos", à luz de evidências mais atuais. Assim, a nova avaliação reacende a discussão sobre segurança química na agricultura e sobre os impactos potenciais à saúde pública.
O parecer, publicado em 21 de novembro na revista "The Lancet Oncology", resultou de uma análise que teve condução de um grupo de 22 especialistas de 12 países. Entre eles está a química brasileira Cassiana Montagner, docente e pesquisadora do Instituto de Química da Unicamp. Ela integrou o painel internacional responsável por revisar estudos epidemiológicos, experimentais e dados toxicológicos sobre o composto. Ademais, o trabalho seguiu os protocolos habituais da IARC para classificação de agentes com possível ligação ao câncer.
Atrazina: o que é e por que é tão usada no Brasil?
A atrazina é um herbicida empregado de forma ampla em culturas como milho, cana-de-açúcar e sorgo. Em especial, para controlar ervas daninhas que competem com as plantas cultivadas por nutrientes, água e luz. Por ser considerada eficiente e ter custo relativamente acessível, tornou-se uma das substâncias mais presentes no manejo químico de plantas daninhas em áreas agrícolas brasileiras. Ademais, aplica-se o produto tanto em pré-emergência quanto em pós-emergência, dependendo do tipo de cultivo e da estratégia do produtor.
Ao longo das últimas décadas, o uso desse herbicida atrazina consolidou-se em regiões de grande produção de grãos. Em especial, no Centro-Oeste e no Sudeste. Em muitas propriedades, ele integra pacotes tecnológicos que combinam sementes melhoradas, fertilizantes e outras substâncias químicas. Assim, essa alta frequência de aplicação contribui para que resíduos do composto e de seus produtos de degradação sejam encontrados em solos, cursos d'água e, ocasionalmente, em amostras de água potável. Isso aumenta o interesse de pesquisadores em monitorar seus possíveis efeitos sobre a saúde.
Atrazina é cancerígena? O que diz a nova classificação da IARC
Até o final dos anos 1990, a avaliação oficial da IARC sobre o risco de câncer da atrazina indicava que não havia dados suficientes para estabelecer uma relação clara entre exposição ao produto e desenvolvimento de tumores. A classificação anterior, baseada em uma análise de 1998, mantinha o herbicida em uma categoria de evidências consideradas inadequadas para humanos. Esse enquadramento era frequentemente citado em debates regulatórios e em pareceres técnicos.
Com o avanço de estudos em toxicologia, biologia molecular e epidemiologia, novos dados passaram a ser produzidos, incluindo pesquisas em animais de laboratório e investigações sobre populações expostas, como trabalhadores rurais. A reavaliação divulgada em 2025 reuniu essas informações mais recentes e concluiu que há indícios consistentes de que a atrazina possa contribuir para o desenvolvimento de determinados tipos de câncer em humanos. Dessa forma, o produto foi realocado para a categoria 2A da IARC, isto é, "provavelmente cancerígeno para humanos".
Na prática, essa categoria é usada quando:
- Existe evidência limitada de câncer em humanos;
- Há evidência suficiente de câncer em animais experimentais;
- São observados mecanismos biológicos compatíveis com a indução de tumores.
Esse enquadramento não significa que a exposição resultará necessariamente em câncer, mas indica que há sinais relevantes que justificam cautela, monitoramento e possível revisão de políticas de uso.
Como é a avaliação do herbicida atrazina e quais impactos podem estar em jogo?
A análise da toxicidade da atrazina envolve diferentes frentes de investigação. Pesquisas com animais têm observado alterações hormonais, efeitos sobre o sistema reprodutivo e formação de tumores em determinadas doses e condições de exposição. Por outro lado, estudos ambientais apontam que o composto pode persistir em solos e águas. Em especial, em regiões com uso intensivo e ciclos de chuva que favorecem o escoamento superficial.
Dessa forma, para a população em geral, os principais caminhos de exposição incluem:
- Contato ocupacional em atividades de mistura, aplicação e manuseio do produto;
- Ingestão de água contaminada por resíduos de atrazina e metabólitos;
- Exposição indireta em áreas vizinhas a lavouras onde o produto é aplicado.
Órgãos reguladores costumam estabelecer limites máximos de resíduos em água e alimentos. Além disso, há normas de segurança para trabalhadores rurais, como uso de equipamentos de proteção individual e intervalos de reentrada nas lavouras. Portanto, a nova classificação da IARC tende a incentivar revisões desses parâmetros, bem como ampliar a vigilância sobre níveis de exposição em diferentes regiões.
O que muda para o Brasil com a atrazina "provavelmente cancerígena"?
No contexto brasileiro, a reclassificação da atrazina como provável carcinógeno pode influenciar discussões sobre registro e reavaliação de agrotóxicos. Ademais, autoridades sanitárias e ambientais podem ser levadas a reexaminar estudos apresentados pelas empresas produtoras. Além disso, há de considerar pesquisas independentes realizadas por universidades e institutos de pesquisa. Processos desse tipo costumam envolver consultas públicas, análise de risco e ponderação entre benefícios agronômicos e potenciais efeitos adversos à saúde.
A participação de cientistas brasileiros, como Cassiana Montagner, no grupo da IARC também reforça a relevância de instituições de pesquisa nacionais na geração de dados sobre qualidade da água, monitoramento ambiental e exposição humana a contaminantes químicos. Nos próximos anos, é provável que sejam priorizadas linhas de estudo sobre:
- Níveis de atrazina e metabólitos em rios, reservatórios e poços;
- Relação entre exposição crônica de populações rurais e indicadores de saúde;
- Alternativas agronômicas e outros métodos de controle de ervas daninhas.
O reposicionamento da atrazina como substância "provavelmente cancerígena para humanos" insere o tema em um cenário mais amplo de discussão sobre uso de agrotóxicos, segurança alimentar e proteção ambiental. A combinação de dados científicos atualizados, regulação atenta e informação acessível tende a ser central para orientar decisões de agricultores, formuladores de políticas e profissionais de saúde em um cenário de uso intensivo de insumos químicos na agricultura brasileira.