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Medicina tem cada vez mais mulheres, mas elas ganham 36% menos do que os colegas homens

Dados de estudo da AMB e FMUSP mostram que médicas devem se tornar maioria dos profissionais a partir do ano que vem, mas disparidade salarial ainda é alta

8 fev 2023 - 09h40
(atualizado às 15h31)
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A presença de mulheres na Medicina é cada vez maior e elas devem se tornar maioria na profissão a partir do ano que vem pela primeira vez no Brasil. Apesar do avanço da participação feminina, a disparidade salarial vista em outras ocupações se repete entre os doutores. As médicas relatam rendimento médio 36% menor do que os colegas homens.

Os dados, divulgados nesta quarta-feira, 8, são da nova edição do estudo Demografia Médica, conduzido pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB).

A pesquisa - que reúne dados sobre o perfil e a formação de médicos generalistas e especialistas, renda dos profissionais, entre outros indicadores - aponta que, nos últimos 12 anos, o número de médicas cresceu 95,5% enquanto o de médicos teve alta de 43%.

Em 2022, a proporção de mulheres na profissão ficou em 48,6%, índice que, há 12 anos, era de 40%. Para 2024, a projeção dos pesquisadores é de que 50,2% do total de médicos no País sejam mulheres.

A partir de dados das declarações do imposto de renda de 2020, obtidos junto à Receita Federal, os pesquisadores da FMUSP verificaram que a renda média dos médicos brasileiros é R$ 30,1 mil, variando de R$ 36.421 entre os profissionais do sexo masculino a R$ 23.205 entre as médicas, uma diferença de 36,2%. O valor inclui renda vinda de remuneração e também eventuais rendimentos de aplicações financeiras, aluguéis etc.

"Isso é bem compatível com outros estudos nossos que mostram que, mesmo descontando diferenças nas especialidades e na carga horária, as mulheres médicas recebem menos que os homens", afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do estudo.

Além das desigualdades históricas de gênero, pode ter influência sobre os números o fato de a média de idade das mulheres médicas ser menor e, portanto, sua remuneração também ser mais baixa por estarem em estágios mais iniciais da carreira. "Como as mulheres são maioria dos recém-formados já há nove anos, você tem uma entrada maior de jovens, que têm uma renda menor, e, entre esses jovens, mais mulheres", diz Scheffer.

Apesar de a média salarial do médico ser muito superior ao rendimento da maioria dos brasileiros, o valor observado em 2020 é o menor desde 2012, quando a remuneração média era de R$ 34,1 mil. A hipótese dos pesquisadores é de que, como houve aumento recorde de ingressantes nas faculdades de Medicina e, por consequência, a entrada no mercado de mais médicos jovens e menos experientes, a média do rendimento caiu.

Número de especialistas cresce 84% em 10 anos, mas distribuição é desigual

A Demografia Médica traz detalhes sobre a distribuição de médicos nas especialidades. De acordo com o levantamento, o Brasil possuía, em 2022, 321.581 médicos com um ou mais títulos de especialistas, o que representa 62,5% dos profissionais em atividade no país. Os demais 37,5% são generalistas.

O número representa incremento de 84% em relação ao total de especialistas registrados em 2012. O estudo considerou as 55 especialidades médicas reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades.

Apesar do aumento no número de especialistas, a distribuição regional ainda é desigual. As maiores concentrações estão em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal, variando entre 219 e 402 médicos por 100 mil habitantes, de acordo com o estudo. Os estados do Acre, Pará e Maranhão apresentam as menores densidades, entre 63 e 73 médicos especialistas por 100 mil habitantes. A maior concentração de médicos no Sul, Sudeste e DF também se repete no caso dos médicos generalistas.

"Os médicos estão muito mal distribuídos não só em relação ao território, mas também mais concentrados em serviços privados, que atendem a menor parte da população. É preciso urgentemente a adoção de políticas de maior atração e fixação de especialistas no SUS", afirma Scheffer.

Para César Fernandes, presidente da AMB, para levar mais médicos para o SUS, é preciso oferecer, além de uma boa remuneração, estrutura adequada para o exercício da profissão e possibilidades de progressão na carreira.

"Não adiantam políticas precárias de fixação do médico: eu mando o médico lá para uma região, depois de dois anos ele volta de mão abanando, sem ter uma carreira. Nós temos que ter uma política de Estado. Você atrai o médico com uma carreira de Estado como tem a carreira na magistratura", afirma Fernandes.

O presidente da entidade médica afirma que muitos profissionais optam por não ir para unidades públicas em áreas mais vulneráveis pela falta de equipe, insumos e segurança. "O médico precisa ter atrativos financeiros, mas não é só isso. Ele precisa ter condições de trabalho e de mobilidade dentro da carreira. Tem que ter uma unidade de saúde com toda a estrutura, outros profissionais de saúde, serviço de informática qualificado e conexão", diz.

Medicina da Família cresce 246%, mas ainda representa só 2% do total de médicos

De acordo com o estudo, as especialidades com o maior número de profissionais são clínica médica, pediatria, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, anestesiologia, ortopedia e traumatologia, medicina do trabalho e cardiologia. Juntas, essas oito especialidades representam mais da metade (55,6%) do total de registro de especialistas.

Os homens são maioria em 36 das 55 especialidades médicas e as mulheres predominam em 19 delas. As especialidades com o maior índice de profissionais do sexo feminino são dermatologia, pediatria, alergia e imunologia, endocrinologia e genética médica. As especialidades com maior presença masculina são urologia, ortopedia e traumatologia, neurocirurgia, cirurgia cardiovascular e cirurgia do aparelho digestivo.

As especialidades Medicina de Família e Comunidade e Medicina Legal e Perícia Médica foram as que registraram os maiores aumentos porcentuais no número de profissionais: 246% e 266%, respectivamente.

No caso da primeira, que teve incentivo com a Lei do Mais Médicos (2013) com aumento de vagas de residência por ser considerada especialidade fundamental para fortalecer a Atenção Primária à Saúde nas Unidades Básicas (UBSs), teve alta expressiva, mas ainda representa somente 2,3% do total de médicos do País, o que equivale a 11.255 profissionais. Para efeito de comparação, o País tem hoje cerca de 40 mil UBSs.

O aumento no número de especialistas acompanha alta recorde do número geral de médicos no País. Entre 2010 e 2023, o total de profissionais no mercado saltou 80,9%, passando de 310.844 para 562.206. De acordo com projeção feita pelos pesquisadores, a estimativa é que o Brasil alcance 1 milhão de médicos em 2035.

Estadão
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