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Em SP, 'bicos' de médicos cubanos vão de balconista de farmácia a garçom

Um dos oriundos da ilha atua hoje como animador de festas em Sorocaba e criou até um 'refúgio' para colegas

15 abr 2019 - 03h11
(atualizado às 08h10)
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SOROCABA - Yonel Cruz Bermudez, de 35 anos, ficou quatro anos no Mais Médicos e hoje acumula as funções de garçom, cozinheiro e animador de festa em um bar que abriu em Sorocaba (SP). Assim como ele, muitos outros médicos cubanos fazem "bicos" em todo o Estado.

O bar Cuba Libre anima as noites na região próxima do aeroporto de Sorocaba com comida e música cubanas. "As contas não param de vencer e não dava mais para ficar esperando o governo. Resolvi arriscar e acho que o mais difícil já passou. O bar já tem até karaokê e está bombando", conta.

Dois cubanos que atuavam em Campinas, interior paulista, e dois que migraram de Pernambuco para São Paulo também trabalham com Bermudez no Cuba Libre. "Eles ajudam a preparar e servir pratos, ensinam a dançar salsa, fazem um pouco de tudo. Aqui virou um refúgio", brinca Yonel.

Já Victor Manoel Valenciano, de 35 anos, ganha a vida fazendo sessões de terapia holística, em Franca. Ele empregou uma parte do dinheiro que havia economizado para fazer o curso que o habilitou para os atendimentos. "Estou conseguindo duas ou três sessões por dia. Muitos clientes são indicados por amigos e pacientes com quem fiz amizade", disse.

Valenciano está no Brasil desde 2014 e, durante três anos e meio, atendeu pacientes em uma Unidade Básica de Sáude de Franca. A esposa e os dois filhos pequenos, de 7 e 2 anos, estão em Cuba. "Além de me manter, preciso mandar dinheiro para eles, por isso a situação está difícil." Ele procurou trabalho em farmácia, hospital e outras áreas médicas para qualquer atividade que não exigisse o diploma, mas nada conseguiu. "Não posso ficar parado à espera do Revalida, porque a prova exige estudo e muitos de nós não têm condições psicológicas de fazer o exame no momento."

Y., de 35 anos, porém, pediu para não ser identificada, para que a família, em Cuba, não se envergonhe da situação em que se encontra: passou a fazer e vender doces e salgados para sobreviver em Nova Odessa, também no interior paulista. "Não quero dar mais preocupações à minha família.

Ela conta que, desde que deixou o programa, não conseguiu outro trabalho e as economias minguaram. "Mandei currículos para todo lugar, não tive oportunidade. Não tinha outro meio de pagar o aluguel e outras contas. Estou muito triste, pois de médica, passei a quase mendiga", lamenta. Algumas amigas brasileiras que conheciam o talento culinário de Y. a convenceram a fazer doces para vender. "Faço também croquetas e torrejas (rabanadas), que leva pão, leite, canela e é frita no azeite. Em Cuba é um doce do dia a dia."

A médica cubana Mercedes Rosário Sosa passou pela fase de experiência e foi contratada como balconista de uma farmácia, em Piracicaba, também no interior. "O dinheiro que tinha guardado deu para pagar aluguel, água, luz e internet, mas acabou." Mercedes foi a primeira de quatro cubanos a chegar à cidade pelo Mais Médicos. Ela veio ao Brasil em janeiro de 2014 e passou por várias unidades de saúde do município. "Fiz muitos amigos e meu ex-pacientes acham estranho quando me encontram no balcão da farmácia. Eu dou graças a Deus por estar aqui."

Mercedes trouxe os dois filhos para o Brasil, por isso decidiu ficar no país. "Acho esta cidade maravilhosa. Gostaria muito de fazer a vida aqui." O mais novo dos filhos, um menino de 11 anos, está na escola. O mais velho, de 20 anos, conseguiu uma colocação no setor de limpeza de uma loja de móveis. "Ele ganha R$ 25 por dia e esse dinheiro nos ajuda muito."

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