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Eles abandonaram os smartphones: Como levar uma vida menos conectada?

Josielle e Bruno apontam impactos positivos na saúde ao abrirem mão do celular; especialistas dão dica para manter a relação com a tecnologia de forma saudável

25 nov 2022 - 10h10
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Em um mundo cada vez mais conectado, Josielle Soares vai na contramão: ela vive há quase dois anos sem celular. "É importante estar conectado, mas não de uma forma em que você se perde para dar conta de tudo", explica. A decisão veio depois que seu antigo smartphone quebrou. Sem dinheiro para comprar outro, ela optou por um novo estilo de vida.

Desde que saiu da casa dos pais e passou a pagar as contas com o próprio salário, Josielle, de 28 anos, aprendeu que seria necessário controlar seus gastos. "Eu já queria ficar sem celular e, quando ele quebrou, a questão financeira foi um ponto importante para mim", conta ela, que trabalha na rádio universitária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A pressão e o estresse do trabalho remoto também foram decisivos. "Os horários ficaram muito bagunçados. Eu recebia demandas às 20h e não conseguia aproveitar o momento de descanso porque estava pensando em trabalho", diz. A saída foi abandonar o smartphone.

Mesmo que já quisesse levar uma vida menos conectada, Josielle reconhece as dificuldades dos primeiros momentos sem seu celular. "Você não sabe exatamente o que é, mas fica com a sensação de que está perdendo algo", relata. Ela continuou acompanhando as notícias pela televisão e pelo computador, mas isso não era suficiente para suprir a falta do smartphone. "Será que está acontecendo alguma coisa com alguém?", pensava.

Vício

"Isso acontece porque seu cérebro está sentindo falta do que ele estava acostumado a ter. Ele sente falta do que alimentava o vício", alerta a neurocientista Claudia Feitosa-Santana. De acordo com ela, há uma série de mecanismos e neurotransmissores envolvidos nesse processo de dependência do celular. "É por isso que muitas pessoas não conseguem ter uma vida normal se não tiverem acesso ao smartphone, mesmo que elas queiram", afirma.

Ocupar a mente com atividades fora do ambiente digital foi a solução no caso de Josielle. "Eu voltei para atividades que eu gostava muito e que tinha deixado de lado, como tocar violão. Era a minha terapia", lembra. "Eu descobri que existe um outro caminho em que a gente não precisa estar com o celular para que as coisas funcionem."

Desde então, Josielle acredita que ganhou mais saúde. "Acho que eu reduzi bastante minha ansiedade e até a possibilidade de depressão por não estar o tempo todo no celular". Além disso, hoje ela lida melhor com a possibilidade de estar perdendo alguma coisa e sente que está menos propensa a se sentir sozinha. "O afeto físico tem mais valor para mim hoje."

Ainda que ela não descarte a possibilidade de voltar a ter um smartphone no futuro, Josielle vive bem longe dele. "Quando eu digo que não tenho um celular as pessoas acham estranho, mas conforme vão convivendo comigo percebem que estou vivendo bem assim."

"Quando eu digo que não tenho um celular as pessoas acham estranho, mas conforme vão convivendo comigo percebem que estou vivendo bem assim", afirma Josielle.
"Quando eu digo que não tenho um celular as pessoas acham estranho, mas conforme vão convivendo comigo percebem que estou vivendo bem assim", afirma Josielle.
Foto: Celio Messias/Estadão / Estadão

Ponto fora da curva

Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que no Brasil existem mais smartphones em uso do que pessoas. São 242 milhões de celulares, enquanto, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é de 215,1 milhões de pessoas. "Isso é reflexo de um fenômeno de digitalização da moeda, do trabalho e da educação", explica Fernando Meirelles, professor da FGV e coordenador da pesquisa.

Essa digitalização também aparece nos dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC), realizada no 4º trimestre de 2021. O levantamento mostra que a internet está presente em 90% dos domicílios do País e que o celular é o principal dispositivo de acesso à internet em casa, sendo utilizado em 99,5% dos domicílios com internet.

Vivendo desde dezembro de 2020 sem seu smartphone, Josielle relata que a maior dificuldade acontece na hora de pagar as contas. Isso porque, com a crescente adoção de aplicativos para as transações financeiras, ir até uma agência bancária tem se tornado cada vez mais raro - além de bastante enfadonho.

"Há dez anos era inconcebível imaginar que eu não precisaria mais de uma carteira e que tudo estaria no celular", avalia o professor da FGV, que alerta para uma inclinação do consumidor brasileiro em preferir os smartphones em vez de outros dispositivos digitais. Josielle conta com a ajuda de uma amiga, que tem celular e não pretende abrir mão dele. "Se não fosse ela eu não sei como eu faria. A gente é quase obrigado a estar nisso", conta.

O papel das redes sociais

Abrir mão do smartphone não significa abrir mão das redes sociais. Pelo menos não foi esse o caminho adotado por Bruno Candundo, estudante de Relações Internacionais da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Mesmo que há nove meses ele viva sem um smartphone, ele continua usando o Instagram e o Twitter. Só que agora pelo computador. "Uma vez eu passei seis dias sem ver o Instagram e alguns amigos ligaram na minha casa para saber se estava tudo bem ou se tinha acontecido alguma coisa comigo", lembra.

Ele sabe que a tarefa de se separar do smartphone não é nada fácil. Andréa Jotta, psicóloga e pesquisadora do Laboratório de Psicologia em Tecnologia, Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atribui essa dificuldade ao trabalho dos algoritmos. "Qualquer coisa que os algoritmos entenderem que é atrativo para você, eles vão jogar iscas para que você não largue o smartphone", explica Andréa.

O estudante Bruno Candundo, de 24 anos, está há nove meses sem um celular.
O estudante Bruno Candundo, de 24 anos, está há nove meses sem um celular.
Foto: Celio Messias/Estadão / Estadão

Mas Bruno só teve noção disso depois de passar mais de 16 horas usando o WhatsApp em apenas um dia. "Eu achava que ficar na internet e ser engraçado nos grupos era uma função minha, por isso eu ficava preocupado em ser participativo. Só que isso me demandava uma carga emocional muito grande", diz ele. Quando seu celular quebrou, viu a situação como uma oportunidade para rever a forma como o smartphone e as redes sociais participavam da sua vida. "Eu fui percebendo que eu não tinha uma relação saudável com o celular."

"A característica do vício é que você vai sempre precisar de mais daquilo em que você é viciado", explica a neurocientista Claudia. Ela afirma que isso está relacionado a um sistema de recompensa: quando seu cérebro entende um comportamento que gera prazer e bem-estar, ele vai trabalhar em busca disso. Porém, ela alerta que essa busca pode causar frustração. "Se você sente prazer com a curtida, você vai precisar cada vez de mais curtidas para se sentir bem. Se você não tem a quantidade de curtidas necessárias para isso, você fica frustrado."

Bruno, de 24 anos, já vê melhorias na sua vida desde que decidiu abandonar o smartphone. "Depois que meu celular quebrou eu consegui arrumar meu LinkedIn e trocar de emprego", lembra ele, que hoje trabalha como auxiliar da biblioteca da universidade em que estuda. Além do novo emprego, o estudante também percebe melhorias nas suas relações pessoais. "Eu desfruto muito mais quando estou perto dos meus amigos e da minha família."

A cientista social Camila Crumo enxerga as redes sociais como um importante espaço de socialização. "É como se fosse um shopping", exemplifica. "Tem muito conteúdo disfarçado que te incentiva a consumir." Mas ela pondera que, quando a maior parte das relações sociais acontece nos ambientes digitais, isso pode acostumar os indivíduos a um ritmo diferente. "No ambiente digital as coisas são mais rápidas do que nos ambientes físicos", defende.

O smartphone não precisa ser seu inimigo

Com o retorno das aulas, Bruno cogita comprar um novo celular para facilitar a comunicação com seus professores e colegas de classe. "Pela praticidade de não ter que andar com o notebook o tempo inteiro, vou ter que comprar um celular. Mas não quero um para tirar foto. Eu quero um com memória para as coisas da faculdade."

"Se essas pessoas chegaram ao ponto de precisar sair da tecnologia é porque elas estavam em sofrimento e entenderam que era mais saudável ficar sem ela", explica a psicóloga Andréa. Ela argumenta, no entanto, que, mais importante do que ficar completamente longe dos smartphones, é entender que eles podem ser nocivos para a saúde mental e, por isso, é necessário fazer um uso mais consciente. "Muitas atividades migraram para dentro dos smartphones, por isso a gente defende que as pessoas consigam se controlar. E o ser humano consegue fazer isso."

Como usar o smartphone de forma saudável e equilibrada:

  • Reconheça seus comportamentos: Saber quais comportamentos indicam um uso desequilibrado do smartphone é o primeiro passo. Seja por passar horas nas redes sociais ou não conseguir ficar longe dele, é importante identificar o problema para ir em busca da solução.
  • Desative as notificações: Essa é uma das maneiras para reduzir os estímulos de utilizar o smartphone a todo momento e pode ajudar a controlar o hábito de olhar o celular achando que está perdendo alguma coisa.
  • Tente usar outros dispositivos: Usar o computador, por exemplo, em vez do celular pode ser uma prática bastante saudável. Isso porque com o computador fica mais fácil delimitar o tempo e os momentos de uso.
  • Desapegue do aparelho: Comece deixando seu celular em outro cômodo e veja como você reage por estar distante do aparelho. Entender que o celular não precisa estar sempre perto de você é fundamental para um uso mais saudável.
  • Entenda que nem tudo é urgente: O celular, por ser de fácil acesso, passa a ideia de que tudo é urgente, mas nem sempre é. Reconheça que nem tudo precisa ser respondido de forma instantânea.
  • Limite seu uso: Defina momentos para usar e não usar o smartphone. Evite, por exemplo, o uso durante as refeições. É importante também estabelecer um limite de tempo diário para o uso do aparelho.
  • Busque outras alternativas: Muitas vezes recorremos aos smartphones quando estamos entediados. Porém, encontrar outras atividades para esses momentos, como a prática esportiva e leitura, pode ajudar.
O professor Bartolomeu Targino comprou o primeiro smartphone aos 53 anos.
O professor Bartolomeu Targino comprou o primeiro smartphone aos 53 anos.
Foto: Tiago Queiroz/Estadão / Estadão

Novo no mundo dos smartphones

Diferente de Josielle e Bruno, o professor de história Bartolomeu Targino fez o caminho inverso: comprou seu primeiro smartphone aos 53 anos. "O que me fez comprar foi ter me separado da minha esposa e precisar me comunicar com meu filho de 10 anos", explica. Ele garante que, se não fosse pela distância entre ele e o filho, estaria sem celular até hoje.

O desinteresse pelo aparelho veio por não enxergar sentido em tanta conectividade. "Eu nunca senti necessidade de ter um celular, mesmo durante a pandemia. Porque nesse período eu estava em casa com meu filho e com a minha esposa", conta. Ele afirma que, mesmo tendo o aparelho há seis meses, não vê a hora de poder voltar a vida desconectada. "Eu morro de vontade de abandonar o smartphone."

A vontade de abandonar o smartphone não impede que, enquanto não volta para o seu antigo estilo de vida, ele aproveite os benefícios da tecnologia. "A melhor parte é não precisar ir para fila do banco e pode fazer um PIX pelo celular", comenta.

"As relações pessoais eu gosto face a face", conta ele, que tem receio das possibilidades que a tecnologia oferece. "De vez em quando eu peço ajuda para o meu sobrinho, mas eu não faço questão de saber onde eu posso chegar com a tecnologia, tem muita coisa que eu não sei."

Estadão
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