Combate ao câncer: Brasil ainda precisa alcançar 'o básico bem-feito', dizem especialistas
Presença de oncologistas no interior do País e parcerias para compras de medicamentos são alguns dos pontos necessários
O mundo tem avançado em relação a tecnologias inovadoras para o tratamento do câncer, mas especialistas apontam que o Brasil ainda precisa trabalhar para alcançar o "básico bem-feito". Disponibilizar e reter oncologistas no interior do País, promover parcerias para ampliar o acesso aos recursos já disponíveis e centralizar compras para otimizar o orçamento estão entre pontos prioritários.
O painel "O futuro do tratamento oncológico: inovação, sustentabilidade e equidade", integrante do evento "Retratos do Câncer", realizado nesta quinta-feira, 31, em São Paulo, abordou o assunto.
Segundo Ana Maria Drummond, diretora do Instituto Vencer o Câncer, o grande desafio do Brasil neste momento é conseguir agregar o máximo de tecnologias possível, levando em conta a realidade orçamentária e as limitações territoriais. "Quando olhamos para esse sistema grandioso (o SUS), honramos esse sistema, valorizamos, mas, quando damos um zoom, vemos as fragilidades que existem."
Esse é um desafio mesmo na saúde privada, visto o alto custo das tecnologias mais recentes, como o CAR-T (imunoterapia em que as células de defesa do paciente são reprogramadas para atacar o câncer).
"Na saúde suplementar, existe uma heterogeneidade tão grande quanto no SUS em relação à disponibilidade de drogas e tratamentos", afirmou Rafael Kaliks, oncologista clínico do Einstein Hospital Israelita.
De acordo com Kaliks, o investimento brasileiro em tratamentos de câncer, tanto no sistema público quanto no privado, é muito mais baixo do que em países como o Canadá. "Enquanto eles gastam entre 6 mil e 11 mil dólares por cidadão, o Brasil gasta cerca de 700 dólares", comparou.
"É preciso entender que câncer não é uma doença só e o que funciona para um tipo de tumor pode não funcionar para outro", ressaltou Rui Weschenfelder, coordenador do Núcleo de Oncologia Gastrointestinal do Hospital Moinhos de Vento. Segundo ele, mesmo com boas tecnologias disponíveis, o fator principal para um bom prognóstico continua sendo o diagnóstico precoce, para um início de tratamento mais rápido.
Nesse sentido, ter mais médicos oncologistas disponíveis em todas as áreas do Brasil é essencial para combater amplamente a doença. Mas há desafios como a falta de plano de carreira e condições para o atendimento, principalmente nos locais mais remotos, que desestimulam os médicos a atuarem pelo SUS.
Centralizar para então expandir
Damila Trufelli, diretora médica e de assuntos regulatórios da Johnson & Johnson, primeira empresa a trazer o CAR-T para o Brasil, defendeu a necessidade de maior celeridade na aprovação de tecnologias. "A gente tem muita inovação chegando", afirmou.
Ana Maria também criticou o que chamou de "desorganização no sistema". Para ela, o fenômeno seria responsável, por exemplo, por termos 19 medicamentos oncológicos já aprovados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), mas ainda não incorporados à rede pública. Alguns estão nessa espera há 11 anos.
De acordo com Ana Maria, centralizar a compra de medicamentos oncológicos geraria uma economia significativa, e os recursos poupados poderiam ser usados para a aquisição de equipamentos, por exemplo.
Weschenfelder acrescentou que, nessa modalidade, diferentes instituições (públicas e/ou privadas) fecham uma só compra de produtos farmacêuticos. Como o volume previsto no contrato é grande, a tendência é uma redução no preço.
Outro método, segundo o médico do Hospital Moinhos de Vento, é criar um contrato de risco compartilhado entre fabricantes e compradores. "Um tratamento que ajuda 30% dos pacientes de câncer já é considerado um sucesso. Mas quando se tem um sistema grande como no Brasil, que exige compras grandes, há um risco grande (de o tratamento não ser eficaz para a grande maioria das pessoas e, assim, haver desperdício)", explicou.
"Se o fabricante faz um preço menor e o comprador compra para todos, cada um ajuda um pouco a baratear e diluir o risco."