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'Anticiência de Bolsonaro prejudica combate à pandemia'

Presidente da Academia Brasileira de Ciências diz que crise no Brasil só não é pior porque sistema de saúde tem respeitado orientações para frear o vírus

6 abr 2020 - 14h11
(atualizado às 14h19)
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RIO - O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, afirma que a ciência tem papel muito importante a cumprir em meio à pandemia do novo coronavírus e critica Jair Bolsonaro. Segundo ele, a postura do presidente só não atrapalha mais o combate à doença por causa do posicionamento científico de outros setores do governo.

"A atitude anticiência certamente prejudica os esforços de combate à epidemia", diz Davidovich, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista ao Estado. "Em toda a minha vida, nunca achei que teria de vir a público para dizer que a Terra é redonda."

Luiz Davidovich, Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Luiz Davidovich, Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Foto: Reprodução / Estadão

Qual a importância da ciência neste momento?

A ciência tem um papel muito importante. Está desvendando como o vírus funciona, como entra no organismo humano, como ataca as células, se alimenta delas e se reproduz. Esse é o primeiro passo para combater o vírus e tentar encontrar remédios para tratar os doentes. Mas não são apenas as ciências da saúde, é um tema interdisciplinar. São matemáticos, engenheiros, físicos, cientistas sociais, todos que estão trabalhando para combater a epidemia. Enfim, o que está sendo demonstrado no mundo todo é a importância de uma boa base científica para enfrentar eventos como esse.

O Ministério da Saúde liberou o uso da cloroquina em pacientes graves embora os estudos sobre a eficácia desse remédio não esteja comprovada. Diante de uma pandemia, esse procedimento é válido?

Preocupa-me o anúncio e até mesmo a propagando de um remédio cuja eficácia não está comprovada, para o qual não há estudos clínicos. A ciência está buscando intensamente os remédios para tratar os doentes, mas a ideia é sempre fazer ensaios clínicos antes de colocar à disposição remédios com efeitos tóxicos que podem até matar o paciente.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vem repetindo sempre que tem a oportunidade que todas as suas decisões são embasadas pela ciência. Mas outros setores do governo, em especial a Presidência, insistem em querer tomar decisões sem embasamento científico. Como o senhor vê isso?

A atitude anticiência certamente prejudica os esforços de combate à epidemia. Só não estão prejudicando mais porque o sistema de saúde está aplicando a ciência correta. Ainda bem que não estão aplicando o que diz o presidente da República contra o isolamento social, contra a ciência, contra a experiência internacional. Mesmo assim, a postura do presidente é grave, porque pode levar as pessoas a menosprezarem a gravidade dessa doença, que é muito mais grave do que uma "simples gripezinha".

O atual governo federal - ou pelo menos boa parte dele - parece ter como política atuar sempre em confronto com os dados científicos.

Em toda a minha vida, nunca imaginei que teria que vir a público dizer que a Terra é redonda, mas agora é necessário. Nunca imaginei que precisaria dizer que há uma contribuição humana nas mudanças climáticas e que já estamos vendo as consequências disso na Antártica, por exemplo. Nunca achei que precisaria dizer que os dados universalmente disponíveis do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são corretos e mostram que o desmatamento aumentou no país (em 2019, Bolsonaro colocou sob suspeita as estatísticas de desmate divulgadas pelo Inpe, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e demitiu o chefe do instuto) . De fato, é um período muito difícil para a ciência. Não só aqui, mas também em outros países. Mas a verdade é que, quando a barra pesa, como agora, é a ciência que é chamada para resolver a questão. E essa é uma fantástica resposta a seus detratores.

Estadão
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