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"Sou a única gordinha da família", diz ícone plus size

19 nov 2012 - 09h35
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Ela pode não se encaixar no padrão 90cm de busto, 60cm de cintura e 90cm de quadril, mas tem o corpo como principal ferramenta de trabalho, assim como as tops de alto escalão que atendem à rigidez das passarelas. Com isso, Fluvia Lacerda também leva uma vantagem com relação às colegas de profissão – longe das dietas, afirma, com uma tranquilidade de fazer inveja à maioria das mulheres, que come tudo o que tem vontade.

Considerada a "Gisele Bündchen plus size", Fluvia Lacerda já foi clicada pela Vogue e chega a ganhar US$ 20 mil por campanha
Considerada a "Gisele Bündchen plus size", Fluvia Lacerda já foi clicada pela Vogue e chega a ganhar US$ 20 mil por campanha
Foto: Marcelo Pereira / Terra

Fluvia Lacerda é considerada precursora do segmento plus size no Brasil. Nascida em Roraima, conta que viveu a “típica história de imigrante” nos Estados Unidos, onde foi faxineira e babá. Filha de uma bailarina e de um artesão – ambos magros -, Fluvia conta que é a “única gordinha da família”. Mas, contrariando os estereótipos e preconceitos comuns, afirma que nunca se sentiu inferior por conta do seu peso. “Sempre questionei muito essas paranoias que são empurradas ‘goela’ abaixo da mulherada. Eu nunca consegui agir como se eu fosse menos do que outra mulher por ela ser magra.”

De faxineira para modelo, a vida melhorou bastante. Agenciada pela Ford nos Estados Unidos, chega a ganhar US$ 20 mil por campanha. Aos 32 anos, mora em Jersey City com a filha, de 12, mas sempre com um pezinho no Brasil. Em passagem pelo País, comemora o lançamento da sua própria coleção, De Onde eu Vim by Fluvia Lacerda, em parceria com a grife La Mafê, e orgulha-se de ter participado de todo o processo de produção das peças, que buscam traduzir o próprio estilo.

Em entrevista exclusiva ao Terra, ela falou sobre a própria carreira; a moda para gordinhas no Brasil; a profissionalização de modelos plus size; a rotina em Nova York e sobre o prazer de se aceitar. Confira.

Terra: Você foi descoberta nos Estados Unidos. Quando você foi para lá, tinha quais objetivos? Você algum dia tinha sonhado se tornar modelo?

Fluvia Lacerda: Não. Eu fui para lá com o intuito de estudar outros idiomas, porque eu sempre quis trabalhar para a ONU, como tradutora, fui para lá com essa intenção mesmo. Nunca fui ligada à moda antes de trabalhar como modelo.

Terra: Quantos anos você tinha na época?

F.L.: Tinha 16 pra 17. Eu já tinha terminado o segundo grau, e não foi como diversão ou intercambio não, minha família passava muita dificuldade financeira e eu decidi ficar para batalhar. A típica história de imigrante.

Terra: O que você fazia?

F.L.: Trabalhei como babá, como faxineira, limpava restaurante, todas essas coisas que imigrante faz quando vai para lá.

Terra: Quanto tempo ficou fazendo todos estes trabalhos antes de ser descoberta? E como foi?

F.L.: Eu acho que eu já estava lá há uns quatro ou cinco anos. Eu estava em um ônibus em Manhattan quando uma editora de moda se aproximou e perguntou se eu já tinha considerado a ideia de trabalhar como modelo plus size.

Terra:  E qual foi sua reação? Você já conhecia esse segmento?

F.L.: Achei que era piada (risos). Não, e foi exatamente por isso, por não saber. E aí ela me deu o cartão dela, disse que trabalhava para uma revista e que eu tinha todo o perfil, tinha um rosto e corpo perfeito para isso. Ela me indicou várias agências que tinham essa sessão que agencia modelos plus size. Aí fui para casa, pensei e decidir e ver qual era.

Terra: Depois que você foi às agências, o que aconteceu?

F.L.: Eu fui às agências e todas elas me ofereceram contrato. Aí decidi fechar um com uma.  Me lembro que os primeiros dois meses eu achava que era só uma grana por fora, para pagar as contas. Aí começou a pirar geral, de viagens, de trabalho, e aí não parei mais de trabalhar.

Terra: Em que momento largou tudo começou a conseguir se manter só com o trabalho de modelo?

F.L.: Foram nos três primeiros meses, já não tinha como manter outro emprego. Foi bem rápido.

Terra: Na época que você recebeu esse convite, o segmento plus size ainda não era disseminado aqui no Brasil. Você imaginava que ele ia crescer da forma como está hoje?

F.L.:  Lá fora era uma coisa que já estava bem estabelecida. O trabalho da modelo é vender roupa, então o sucesso da modelo é diante de toda a demanda que existe de cliente para contratar. E isso lá fora já é uma coisa meio que estabelecida há bastante tempo. Aqui no Brasil a coisa era bem diferente com relação a isso. Quando vim e apresentei meu trabalho as pessoas olhavam para mim como se eu tivesse um terceiro olho (risos).

Terra: Quando você acha que começou a mudar a visão do brasileiro para o segmento plus size?

F.L.:  Quando o brasileiro começou a atinar para o que acontecia lá fora. Por conta da própria Internet. Então a divulgação da seriedade desse setor lá fora meio que começou a fazer a roda girar nesse sentido.

Terra: Você chegou a sofrer preconceito?

F.L.:

Aqui no Brasil, no começo sim. Hoje não. Até mesmo porque hoje as pessoas entendem a seriedade do meu trabalho. Mas no começo, as pessoas perguntavam: “Oi? Modelo gordinha? Isso não existe e nunca vai existir”. Era isso que eu escutava aqui no Brasil. Aí quando eu abria o meu trabalho era meio que uma confusão na cabeça, “É gordinha, mas tá bonita a foto, como é que pode?” (risos). Mas realmente quando eu vim pra cá para falar do meu trabalho ninguém tinha ouvido falar disso, não existia receptividade e positividade de forma alguma. Era muita chacota.

Terra: Alguma vez já falaram coisas absurdas, do tipo: “Você é tão linda! Imagina se emagrecesse!”?

F.L.: Ah isso é a história de todas, é comum. É como se você fosse só uma cabeça, mas não tivesse corpo. "Ai que rosto lindo”, acabou aí a frase.

Terra: Você sempre foi uma mulher “GG”? Desde criança?

F.L.: Não, acho que mais na adolescência.

Terra: Você vem de uma família de pessoas gordas?

F.L.: Não. Minha mãe é bailarina clássica, bem magrinha e baixinha, e o meu pai também é super magrinho. Eu sou a única gordinha da família.

Terra: Você tem que controlar suas medidas como uma modelo tradicional? Como você faz, tem dieta, faz exercícios?

F.L.: Dieta eu não tenho. Faço exercícios, mas não me ligo muito nisso não. Lá eu ando muito de bicicleta, quando eu consigo ter uma rotina, faço pilates, ioga, essas coisas. Procuro alugar bicicleta quando eu viajo, mas não tenho uma rotina exata.

Terra: Você tem alguma restrição alimentar? O que mais gosta de comer?

F.L.:  Não, nenhuma. Gosto de comer a estampa do meu país, arroz e feijão (risos). Problema de saúde não tenho nenhum. Faço check-up uma vez por ano e está tudo bem. Mas não sou muito fã de comer porcaria.

Terra: Você se sente bem com o seu corpo? Sempre se sentiu, ou foi um processo?

F.L.: Sempre fui muito desencanada em relação a essas coisas. Um pouco eu acho que é da criação. Minha mãe me criou muito sem esse lance de vaidade vazia. E eu sempre questionei muito essas paranoias que são empurradas “guela” abaixo da mulherada. Eu nunca comprei muito isso, sempre analisei muito como uma perda de tempo. Se a minha saúde está bem, eu não tenho porque enveredar nestes caminhos de que não posso isso, não posso aquilo, não posso colocar um biquíni porque sou gordinha, não posso namorar, não posso curtir minha vida. Nunca consegui pensar desse jeito.

Terra: O que você acha das mulheres que tentam seguir um padrão muito diferente do seu biótipo e estão sempre se achando gordas?

F.L.:

Eu acho que você tem que se cuidar, cuidar da sua alimentação, manter seu corpo ativo, mas eu acho uma perda de tempo você ficar sempre tentando ser uma coisa que você nunca vai conseguir ser. Eu acho que muitas mulheres perdem muito tempo da vida delas nessa busca e se esquecem de viver.

Terra: Com relação ao assédio masculino, mudou muita coisa depois que você se tornou famosa?

F.L.:

Nem saberia te dizer, porque sou meio avoada para essas coisas. Eu acho que sempre foi a mesma coisa porque eu sempre tive a mesma atitude com relação a mim mesma, eu nunca consegui agir como se eu fosse menos do que outra mulher por ela ser magra. E eu acho por mais que a mulher seja magérrima, perfeita, linda, com tudo no lugar, se entra no ambiente se sentindo insegura, as pessoas percebem isso. Então eu acho que você se torna mais atraente quando você tem a autoconfiança e não está muito se ligando no que as pessoas pensam.

Terra: Você é considerada a “Gisele Bündchen Plus Size”. Como surgiu esse título? E o que você pensa a respeito dele?

F.L.:

Isso foi há muito tempo atrás quando eu estava fotografando. Começou como um comentário entre fotógrafos o lance da comparação da sensualidade da mulher brasileira. E eu estava dando uma entrevista, a repórter escutou e nunca mais parou. Eu fico lisonjeada, porque eu acho ela linda.

Terra: Qual foi o momento mais importante da sua carreira?

F.L.: Acho que quando fotografei para a Vogue Itália foi um marco bem importante.

Terra: Para quais lugares seu trabalho já te levou?

F.L.: Todos! Muitos! Paris, Alemanha, Austrália, México. Já viajei para quase todo buraco do mundo que você imaginar (risos).

Terra: Uma vez saiu na mídia que você ganha 20 mil dólares por dia. Isso é verdade?

F.L.: Não, é por campanha, as pessoas exageram um pouquinho. Contratos, é por contrato.

Terra: Então você conquistou muitas coisas financeiramente com essa carreira?

F.L.:

Posso dizer que sim. De faxineira pra modelo mudou bastante (risos).

Terra: Como é a sua rotina morando em Nova York?

F.L.: Corrida. Eu tenho uma base, eu chamo de base. Não posso dizer que eu moro em um lugar, porque eu moro no avião. É bem puxado. Eu não tenho rotina, é sempre viajando.

Terra: Você acostumou com isso? Sente falta de alguma coisa?

F.L.: Mais ou menos. Às vezes sinto falta de ter um lugar, de voltar para casa, ter uma casa no sentido de que é aquele lugar que você volta todo dia. Ter um aconchego, estar enraizado em algum lugar.

Terra: Você já criou essa raiz em Nova York?

F.L.:

Já, mas eu sinto falta daqui. Eu estou em um processo de fazer uma casa para mim aqui porque eu sinto falta daqui.

Terra: Pretende voltar para o Brasil?

F.L.: Não necessariamente, porque o meu trabalho é lá. Aqui não tem trabalho. Então agora sim, com o lançamento da marca vou vir com mais frequência.

Terra: Sobre o segmento plus size no Brasil: você acha que ainda existe muito preconceito?

F.L.:

Não diria preconceito tanto quanto era antes, mas falta ainda ser visto com a mesma seriedade que é visto lá fora. Isso ainda não acontece até mesmo porque é um efeito dominó: a roupa tem que ter boa qualidade, para que as pessoas fotografem campanhas mais bem feitas, com bons fotógrafos, boas produções, boas campanhas, para que a coisa seja vista com mais seriedade.

Terra: Existe uma crítica em torno da banalização da profissão – muitas mulheres acham que “estar gordinha” é suficiente para mergulhar nesse mercado. O que você acha disso?

F.L.: O trabalho da modelo é vender roupa. Você não pode ter 10 marcas e trezentas mil candidatas à modelo. Temos os mesmos critérios exigidos da modelo convencional: altura, pele, fotogenia, etc. Então não tem como. É a mesma coisa de você ser magérrima e achar que pode ser modelo, não é assim. Eu gosto de cantar no chuveiro, mas eu não sou a Beyoncé.

Terra: Você acha que no Brasil existe um caminho longo ainda a ser percorrido nesse sentido?

F.L.: Ah sim, para começar não tem agência que eu saiba, de reputação, representando. Não precisa nem ser especializada, até porque lá eu estou com a Ford, e eles representam modelo plus size também. Para começar as agências não veem isso com um negócio rentável. Porque existe um número muito pequeno de companhias, ainda falta muito o lado profissional da coisa, está muito distante de ser do que é lá fora. Como eu falei, produção, qualidade da roupa, o número de clientes, o cachê. As meninas fazem um trabalho aqui por um valor que é absurdo, se matam de trabalhar e não têm esse lado profissional ainda.

Eu vejo como uma terapia, quase. Elas não se sentem bem consigo mesmas, mas sendo modelo aquilo é uma terapia para ela, e aí o primeiro convite, a primeira oferta, um valor irrisório, elas topam.

Terra: Aqui no Brasil você acha que tem alguém que representa bem o segmento plus size, não necessariamente uma modelo?

Gosto muito da Gabi Amarantos, acho ela lindíssima. No momento, acho que no Brasil, é quem está representando de uma forma mais positiva.

Terra: No Brasil, você acha fácil encontrar roupas do seu tamanho?

F.L.: Evoluiu bastante nos últimos anos. Mas comparado a lá fora ainda tem bastante caminho pela frente. Acho que lá fora também eles já evoluíram bastante em termos de corte, de tecido, disponibilidade. Eu não preciso ir em uma loja específica, se eu precisar de alguma coisa de emergência eu posso entrar em qualquer lugar e comprar. Aqui ainda é muito trabalhado em cima de malha, que lá fora já não rola mais tanto, você tem o seu básico de malha, mas não é 90% do acervo. Eu compro seda, compro chiffon, compro tudo, você não tem dificuldade para comprar nada em termos de tecido, de corte, de qualidade, de durabilidade, e você tem variedade de preço.

Terra: Você gosta de comprar roupa? Tem grifes que prefere mais, ou é do tipo que compra a olho?

F.L.: Gosto demais, mas não sou muito ligada em uma coisa específica não.

Terra: E o que você mais gosta de vestir?

F.L.: Ultimamente transparência, adoro. Adoro misturar peça feminina com coisas mais pesadas, vestido mais leve com uma jaqueta de couro, acho super legal.

Terra: Quais são seus planos para o futuro?

F.L.: Eu vou continuar trabalhando como modelo e aí surgiu a oportunidade de assinar fazer a marca através da La Mafê e está sendo uma ótima experiência, estamos tendo muito sucesso até mesmo antes de lançar.

Terra: É a primeira vez que você se envolve com uma marca de roupas?  Qual foi a sua participação na criação da linha?

F.L.:  Sim, eu já tive vários convites para fazer uma marca com o meu nome, mas eu nunca tinha encontrado o casamento perfeito. A razão pela qual eu me associei a eles foi o lance de que eu queria ter o controle total de tudo. Foi também a razão porque com outras marcas não deu certo, porque eles só queriam mesmo um nome na etiqueta. E aí eu criei tudo, eu desenhei as roupas, escolhi as estampas, eu que decidi onde a gente ia fotografar. Era uma coisa muito importante para mim, porque eu queria criar coisas que eu gostasse de vestir, eu queria que traduzisse o meu estilo mesmo.

Terra: O que você acha que essa carreira de trouxe, em termos pessoais?

F.L.:

A parte mais gratificante é a oportunidade de tentar falar sobre as pessoas se aceitaram do jeito que são, de tentar influenciar a cabeça das mulheres e quebrar um pouco dessa prisão que hoje as mulheres vivem. Não é essa coisa de gordinha versus magrinha, eu jamais apoiei essa ideia. Minha ideia sempre foi que a gente precisa levantar uma bandeira de independência de pensamento. Eu acho que a vida é curta, e só vai ter esse corpo, não adianta. Você tem que cuidar dele, se respeitar e viver.

Fonte: Terra
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