1965-1994 O outro nome da liberdade Magalhães Pinto aparecia nas capas das revistas com seu figurino de camuflagem absolutamente gauche. A senha do golpe militar foi dada por ele em 31 de março de 1964, dando início à marcha das tropas sobre o Rio de Janeiro, onde o governo João Goulart ruía. Por um lado, o governador liderava o golpe de 64. Por outro, um político de destaque no cenário mineiro, o deputado federal Tancredo Neves, esgotara seu inesgotável manacial de mágicas políticas e saboreava a desilusão da ruptura armada. No início, os ânimos eram conciliatórios, acreditava-se que as liberdades fundamentais e a democracia ressurgiriam assim que o "tumor do comunismo" fosse extirpado. Doce ilusão. Naquela época, Tancredo marcou posição como um homem de princípios. Enquanto os políticos, assustados, se precipitavam para os braços do golpe – erroneamente chamado por seus defensores de revolução, nomenclatura dada somente aos movimentos de cunho popular, não exclusivamente de uma elite – e elegiam Castello Branco por voto indireto, no Congresso Tancredo foi uma das poucas vozes contra o regime que se instaurava. Enquanto isso, em Minas, Israel Pinheiro, um dos mais veteranos pessedistas, se elegeu governador em 1965 com o apoio de Tancredo, que imediatamente ingressou no novo partido da oposição, o MDB. A aposta de Magalhães Pinto em ser o "líder civil da Revolução" começou a naufragar em poucos anos. Os militares tomavam gosto pelo poder e a opção civil vai se afastando do horizonte político. Chanceler do governo Costa e Silva, Magalhães acredita e atua. Mas a súbita embolia que deixa o segundo presidente militar inabilitado e a pedagógica lição que os comandantes fardados dão à Nação, afastando da sucessão o vice civil, mineiro e udenista, Pedro Aleixo, é implacável. No Senado, Tancredo Neves torna-se um dos mais privilegiados negociadores da distensão política, no fim do governo Geisel. O alquimista-mor da mudança, o general Golbery do Couto e Silva, incentiva a criação de um partido de centro, contrapeso entre os dois pólos. Nasce o PP, Partido Popular, que consegue a proeza de unir, lado a lado, duas figuras antagônicas da política mineira e nacional: os eternos rivais Magalhães Pinto e Tancredo Neves. Era o início do processo de abertura política. Mas a bomba no Riocentro, em 1981, detona no interior do governo Figueiredo e leva com ela Golbery e o projeto da abertura. A direita não quer saber de abertura, e o presidente, doente, cede. O PP é atropelado pelo decreto de vinculação de votos do ministro Leitão de Abreu e, com o partido, some também a fugaz união dos dois eternos opositores. Entretanto, o regime e seu braço partidário, a Arena, não conseguem se fixar em um sucessor civil para Figueiredo. E as ruas pressionam o Congresso para que vote a emenda Dante de Oliveira, a famosa Diretas-Já. Como se sabe, a emenda não consegue aprovação de 2/3 do Congresso e a eleição presidencial, como rezava a tradição do governo militar, seria indireta. A oposição começa a se armar em torno de Tancredo, que a princípio reluta, mas com uma engenhosa operação de sedução lança a bóia em direção dos governistas arrependidos. E a escolha de Paulo Maluf como candidato da situação também precipita a decisão do então governador de Minas Gerais, em julho de 1984. A bancada de Minas, em peso, vota em Tancredo Neves. Aquilo que os políticos da terra chamam de "união de Minas", deixando a desconfiança no ar de uma mera artimanha eleitoral, consolidou-se na urna mais importante da história recente do Brasil, aquela que encerrou o tempo da ditadura. O já senador Magalhães Pinto, que abriu a época, também a fechou, votando em Tancredo Neves. Outra ironia: Hélio Garcia, o vice de Tancredo, substituto dele no governo de Mina – e que em 1990 venceria de forma espetacular as eleições para governador do Estado, com um partido criado às vésperas da campanha e abocanhando votos de ponta a ponta da campanha - era um político que desde a infância bebera leitinho da UDN. Mas Tancredo não chegou a ocupar a cadeira com a qual Magalhães Pinto também sonhara, todos nós sabemos o porquê. O episódio pôs fim a um período negro da história brasileira onde as duas figuras mais importantes de Minas deixaram transparecer um pouco de luz. Após os anos de chumbo, entretanto, a política mineira, sua influência e sua mística passaram por um período de ofuscamento. A partir dos anos 70, Minas, que historicamente sempre fora fraca em poder econômico e forte em poder político, torna-se fraca em poder político e forte em poder econômico. Acabam-se as décadas de influência junto aos governos federais. Mas inicia-se um período onde, de 70 a 75, o PIB mineiro crecera 14,2%. Entre 1975 e 1980, Minas continua vencendo: 8,8% de média anual de crescimento, contra 6,8% de média em todo o País. O crescimento industrial de Minas nesse período, quando a economia nacional já começava a puxar o freio de mão, deve-se, em grande parte, à janela que ela abriu para o mundo, com o aumento das exportações de aço e produtos siderúrgicos. Mas o repuxo dos anos 70 não livra Minas Gerais de cair, nos anos 80, na dobradinha cruel instabilidade e estagnação. O Brasil dá uma freada brusca e não há passageiro que não sofra os impactos da acomodação. Dos 130% de crescimento do PIB na década de 70, com média de 8,7% a cada ano, cai-se para 21% entre 81-88, com a economia crescendo anualmenyte abaixo das taxas de crescimento da população. Entretanto, nem a década perdida da recessão acabou com o mínimo de bem-estar e satisfação do Estado e de Belo Horizonte. E a tradição republicana da moderação – a infinita capacidade de jogar água na fervura – foi buscar Minas Gerais mais uma vez pelo braço, em 1992. O redemoinho alucinado dos anos Collor, com escândalos de corrupção, impeachment e renúncia, trazem de volta a reserva moral da política brasileira, com serenidade, perfil discreto e pragmatismo: Itamar Franco assumia a Presidência da República. Por essas e por outras é que a política, em Minas, é a arte de uma bem planejada surpresa – para os não-mineiros, bem entendido. Itamar deixa a Presidência com o mais impressionante índice de popularidade já contabilizado, e em Belo Horizonte o governador Hélio Garcia encerra seu segundo mandato elegendo o sucessor, Eduardo Azeredo, com mais de 1 milhão de votos. Com o fim do período, em 1994, Minas fica onde sempre ficou, como disse um político antiquíssimo. A poucos anos da virada do século, as agruras do Brasil afetam seu estado de espírito. Mas Minas tem sempre sua reserva moral, e sua história ensinou que, haja o que houver, sobrará sempre o orgulho de ser, como disse Tancredo Neves, "o outro nome da liberdade".
|