1700-1850 Nasce, em berço de ouro, Minas Gerais A descoberta do ouro nos campos gerais mudou os rumos do País: durante 100 anos, o ouro movimentou a economia, política e sociedade do Brasil, levando a colonização do litoral para o interior e transferindo o eixo econômico do Norte para o Sul. Além disso, a descoberta do ouro em Minas Gerais também trouxe outros benefícios: exacerbou a emigração portuguesa e a migração de brasileiros, concentrando nas Minas enorme contingente de homens livres; criou novos centros de abastecimento, estradas e meios de transporte; desenvolveu o mercado interno entre as capitanias; reforçou o centralismo do poder político português, fortaleceu o Estado e, acima de tudo, criou esse tipo inconfundível de brasileiro: o mineiro. Para se ter uma idéia do que foram os primeiros 150 anos de Minas Gerais no Brasil, é preciso constatar, antes de mais nada, que não havia nada lá antes da exploração. Antes do ouro, Minas Gerais resumia-se a um sertão cheio de lagartos, cobras, tatus e bichos rasteiros. Quando foi notificada a descoberta do ouro nesse local inóspito, em 1693, as primeiras expedições levaram quatro meses para chegar até lá, saindo de São Paulo e Rio de Janeiro. Entretanto, 40 anos depois havia 15 vilas importantes, dezenas de povoados, igrejas suntuosas, algumas pontes, chafarizes e toda a gama de artistas: escultores, pintores, músicos, poetas, artesãos e, aproximadamente, 300 mil moradores. As primeiras cidades mineiras foram reconhecidas em 1711 pelo rei de Portugal e do Brasil, D. João V: Vila Rica, Mariana e Sabará. Vila Rica foi a que sonhou mais alto, tornando-se capital da nova Capitania de Minas Gerais (antes, Minas fazia parte da Capitania de São Paulo) em 1720. Um testemunho do progresso a que havia chegado Vila Rica foi a suntuosa festa de uma semana promovida em maio de 1733, para a inauguração da matriz do Pilar, contada pelo cronista português Simão Machado na obra Triunfo Eucarístico. Foram atraídos para a vila artistas portugueses (como o arquiteto Manuel Francisco Lisboa, que viria ser o pai de Aleijadinho) e outros. Juntos, introduziram o estilo barroco nas construções me benfeitorias, ensinaram a talhar a madeira e fizeram escola. Nesse período, Portugal buscava invejoso a mesma riqueza que fazia a alegria da Espanha desde os primeiros anos da conquista. Em menos de 30 anos, Minas enriqueceu a Coroa Lusa com muito ouro e uma descoberta sem par no mundo da época: diamantes. Quando o governo português se deu conta, em 1729, de que as pedras que enfeitavam colos nos salões do reino vinham do Brasil, e não das Índias, contrabandistas já comercializavam diamantes mineiros há seis anos. Só quando o comércio das pedras já era público e intenso é que o governador da capitania enviou seis pedras ao rei, comunicando a "suposição" de que eram diamantes e informando que estavam supervalorizadas em Minas "por serem poucas". Poucos os diamantes? Pelo contrário, tanto que o Brasil se tornou o maior produtor mundial e o preço caiu vertiginosamente nos mercados europeus pelo excesso de oferta. Foi preciso parar a extração para recuperar o preço. D. João V mandou expulsar todos das terras diamantinas, mesmo quem estava lavrando ouro, até que se fizesse a demarcação completa do local, completada em 1733. Demarcado o Distrito Diamantino e reservada a melhor área para o rei, como de costume, quem fizesse a melhor oferta arrematava sem problemas uma cata. Do que extraísse, pagava um quinto ao rei. Mas.... como pagar um quinto de pedras que variavam de tamanho, forma e beleza? Um quinto de uma pedra grande quanto era? E um quinto de cinco pedras desiguais? Depois de experimentar várias formas de taxação, Portugal adotou em 1739 o sistema de contratos, onde um contratador arrematava todo o serviço por quatro anos e se obrigava a enviar à metrópole um quinto, estabelecendo-se uma cota mínima de impostos. O primeiro contador dos diamantes foi o célebre João Fernandes de Oliveira, "marido" de Chica da Silva. Possuía 600 escravos catando pedras e durante 31 anos foi o rei dos diamantes de Minas - descontados os quatro anos em que o arrematador foi Felisberto Caldeira Brant, que quis democratizar a extração, se deu mal e foi preso em Lisboa. Além dos metais preciosos, a sociedade mineira também obteve destaque no período. Já na metade do século (1750), podia-se encontrar em Vila Rica e em vilas importantes como Sabará, Mariana, Diamantina e São João Del Rei serviços de padeiros, sapateiros, ferreiros, alfaiates etc. As fazendas mantinham o grosso de seus escravos na extração, desenvolviam apenas a agricultura de subsistência, mas sempre sobravam alimentos para vender nas cidades. E fio de algodão. As fábricas que mais prosperaram desde 1705 foram os engenhos de açúcar e cachaça (mais de cachaça que de açúcar, na verdade). O governador de Minas Gerais, conde de Assumar, tentou inutilmente lutar contra a proliferação destes engenhos, pois Portugal proibia a abertura de novos caminhos para evitar o descaminho do ouro. Nas ruas de todas as cidades, ao mesmo tempo, começava a surgir uma cultura popular sem precedentes. O povo pintava, esculpia, cantava e escrevia músicas. Era o barroco mineiro. Profissionalismo. Essa palavra talvez ajude a explicar por que a arte pôde progredir e se difundir em Minas na segunda metade do séc. XVIII. O que aquecia o mercado cultural mineiro da época era, principalmente, a rivalidade das irmandades religiosas. Elas contratavam as obras, cada uma querendo o maior e o melhor, passando essa rivalidade aos artistas. As festas religiosas, das quais participava toda a população, eram o momento de expor essa riqueza criativa, seja nas procissões ou na decoração interna das igrejas, repletas de imagens de santos, pratarias e grandiosidade. Nesse clima de profissionalismo e criatividade pôde nascer um grupo de músicos como José Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha e Marcos Coelho Neto. Mesmo nos lugares perdidos do sertão era possível encontrar um músico. Na Vila Rica de 1770, poetas neoclássicos reviveram a Arcádia grega, rejeitando o estilo barroco e dando-se nomes de pastores, como Dirceu e Glauceste. Trocavam idéias naturalistas, enalteciam a paisagem brasileira, cantavam amores em liras e satirizavam o governo em canções. Oitenta anos depois da descoberta do ouro, Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga e Basílio da Gama formaram o mais importante grupo de poetas do século no Brasil. Foram contemporâneos desses poetas o pintor Manuel da Costa Ataíde e o escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. O geólogo alemão Wilheim von Eschwege (1777-1855) escreveu: "O principal escultor que aqui se salientou é um homem aleijado, com mãos paralíticas. Ele se faz amarrar o cinzel e executa dessa maneira os mais artísticos trabalhos". Aleijadinho cobrava caro por seu trabalho, chegou a ter muitos escravos, mas acabou pobre e trabalhando até seus últimos dias. A decadência de Aleijadinho correu paralela à do ciclo do ouro. A decadência da mineração era flagrante: caía a arrecadação do Tesouro português e, paralelamente, aumentavam-se os impostos. A sonegação levou o rei a proibir a circulação de ouro em pó e criar as casas de fundição. Portugal chegou a arrecadar 130 arrobas de ouro num ano, pois quem produzia pouco pagava do mesmo jeito. Em 1751, já sob o domínio do Marquês de Pombal, foram expulsos de Minas todos os ourives. Com o terremoto de Lisboa, em 1755, todos também pagavam um donativo "voluntário" para a reconstrução da cidade. Ia durar três anos, foi ampliado para dez e acabou durando sessenta. O povo, descontente, respondia com motins. Decadência do ouro e da sociedade, miséria, carestia e indignação alimentaram os ânimos populares, culminando com nova revolta denunciada em 1789, a Inconfidência Mineira. Esta não se fez apenas contra os impostos, pois os conjurados tinham sonhos de independência e de república. O alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, espalhava a idéia de revolta. O ouvidor poeta Tomás Antônio Gonzaga, o rico fazendeiro poeta Cláudio Manoel da Costa, o rico padre Rolim de Diamantina, o abastado coronel Freire de Andrade, o poeta endividado Alvarenga Peixoto, entre outros, conspiravam. Havia uma dívida acumulada de impostos no valor de 528 arrobas de ouro em Portugal. A então rainha D. Maria I, A Louca, quis cobrá-la, lançando a derrama. As minas estavam exauridas, impossível pagar. Era o momento da revolta. Denunciada, foram os conspiradores presos, exilados e condenados. Tiradentes foi enforcado em 1792 no Rio de Janeiro, esquartejado, salgado e exposto na praça e passagens de Vila Rica, para terror e exemplo. Era o fim das revoltas. Com a decadência do ouro, as minas desenvolveram durante pacientes décadas o que viria a ser sua riqueza mais duradoura: a pecuária, a agricultura e a produção de ferro e de tecidos. Os fazendeiros foram pouco a pouco tomando conta do poder econômico, político e social. Nas três primeiras décadas do século XIX forma-se o caráter agrícola da província, que se torna celeiro do Centro-Sul. A agricultura exigia ferramentas que, até então, não podiam ser produzidas aqui. Em apenas dez anos, havia 30 pequenas fábricas de ferro em toda a capitania. A política de tumultos típica dos aventureiros dá lugar então à negociação paciente dos fazendeiros. Nasce, então, uma figura que permaneceria para sempre: o político mineiro. Minas Gerais, aos poucos, ia tornando-se industrial já na primeira metade do séc. XIX. Os 150 primeiros anos foram, como se viu, muito difíceis. Mas a história não acaba aí. Minas continua a todo vapor.
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