'O carrinho do mercado é o que define o futuro do planeta', diz ativista ambiental sobre a perda de biodiversidade
João Meirelles Filho é o convidado de mais um episódio do podcast Futuro Vivo, apresentado por Victor Cremasco
Biodiversidade. Velha conhecida dos livros didáticos do ensino fundamental, a palavra define a imensa variedade de formas de vida na Terra, e sua preservação é vital para o equilíbrio do planeta. Tamanha importância não recebe a atenção que merece. É o que garante o ativista socioambiental João Meirelles Filho, convidado do podcast Futuro Vivo.
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Conduzido pelo apresentador Victor Cremasco, o podcast Futuro Vivo conta com 12 episódios e faz parte da plataforma de sustentabilidade homônima da Vivo. Os episódios são disponibilizados no Terra e em plataformas de áudio (Spotify) e vídeo (YouTube). Já participaram Carlos Nobre, Kaká Werá, Gilberto Gil, Denise Fraga, Bia Saldanha, os curadores do Masp Isabella Rjeille e André Mesquita, e Ana Paula Yazbek.
“Se há um problema na humanidade que precisa ser levado muito a sério, assim como as mudanças climáticas, é a perda da biodiversidade”, afirma.
Morador de Belém há duas décadas e fundador do Instituto Peabiru, ele alerta: "A mudança climática ainda admite alguma reversão. A biodiversidade não dá."
Em novembro, todos os olhos do mundo estão voltados para o país com a maior diversidade do planeta: o Brasil. É em Belém, no coração da Amazônia, que autoridades políticas e entidades vão deliberar sobre o futuro das ações climáticas na COP30, que começou nesta semana.
Para que a Conferência represente mais do que um amontoado de relatórios, protocolos e jargões difíceis, é preciso mergulhar nos temas ambientais. À primeira vista, a palavra biodiversidade parece um termo extenso, mas nem de longe reflete a complexidade e a dimensão de seu significado na Terra. "Se a gente olhar a Amazônia, nós estamos falando de uma área pequena: 5% do planeta. Mas que chega a ter um quarto de todas as espécies", detalha Meirelles.
Ameaças de extinção são um alerta grave
Um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019 aponta que cerca de um milhão de espécies estão em risco de extinção, incluindo animais e plantas. Mesmo com a estimativa, o ativista acredita que o impacto negativo da ação humana ainda é imensurável.
"A gente provavelmente está extinguindo aquilo que é mais visível. Uma espécie de ave, mamífero... seres mais visíveis. Mas e os seres microscópicos? A vida no solo, no meio marítimo e os micro-organismos. Eles são a base da vida, até para esses seres maiores", explica.
Segundo Meirelles, abordar o assunto é importante, inicialmente, para trazê-lo ao conhecimento da sociedade. "Tem o desconhecimento. A gente não saber que tá extinguindo uma espécie. É provavelmente o que aconteceu com a chegada dos europeus em ilhas como Galápagos, por exemplo, que extinguiu espécies famosas de pássaros, como o dodô", argumenta.
"Hoje, com a ciência, a gente até consegue prever o que vai se extinguir, mas não temos mecanismos para resolver isso. A alternativa principal tem sido criar áreas protegidas, observar que tipo de produto estamos lançando na natureza e que impacta... O problema é que a velocidade desse impacto tem sido muito maior do que a nossa capacidade de aprendizado", afirma.
'O conhecimento tradicional não era visto como ciência'
Em época de COP30 na Amazônia, a atenção a temas como o aquecimento global e a emissão de carbono cresceu de maneira inevitável. Ativista ambiental há mais de duas décadas, Meirelles faz questão de destacar que as mudanças climáticas impactam diretamente na perda de biodiversidade.
No entanto, para compreender essa relação, ele defende que é preciso ampliar o olhar sobre o que chamamos de conhecimento científico.
"Precisamos investir não só na ciência pura, mas na ciência que vai identificar espécies, que vai compreender esse ciclo de aprendizado da ciência moderna. Sem falar, claro, do ciclo dos povos tradicionais", explica.
Para o ativista ambiental, não dá para se pensar biodiversidade sem gente. É preciso olhar com atenção para as pessoas, suas formas de vida, cultura e seus saberes tradicionais. É necessário ver a natureza não como parte deslocada da vida humana, mas parte integrante.
É a partir dessa preocupação que surge o termo sociobiodiversidade, que leva em consideração a diversidade biológica em sintonia com a diversidade cultural e social daquele ambiente.
Nesse sentido, os saberes dos povos tradicionais, moldados pela convivência com o território e pela observação da natureza, também devem ser levados em consideração.
"O conhecimento tradicional, não só indígena, mas quilombola, ribeirinho, dos muitos povos e comunidades, não era tido como ciência. Hoje, muita gente compreende assim. Claro que o conhecimento tradicional não tem acesso a equipamentos, mecanismos, mas a gente não pode tratar de mudanças climáticas, de falar de biodiversidade ou segurança alimentar, sem ouvir os lados juntos e construir juntos esse caminho", argumenta.
"O problema é essa compreensão que a gente tem que a ciência é só aquilo que saiu num artigo científico", emenda o ativista.
"Estamos no momento da humanidade que a gente precisa fazer o contrário: voltar a juntar as artes, a sociobiodiversidade, a ciência; entender o indígena, o quilombola, o ribeirinho, ver como cientistas que são capazes de, junto com outros colegas que usam outras metodologias, enfrentar essa perda de biodiversidade", completa.
'O carrinho do mercado é o que define o futuro do planeta'
Para Meirelles, a reconexão da humanidade com a natureza também passa pelas escolhas alimentares. Segundo o ativista, as pessoas estão optando por cada vez menos variedade, o que ele chama de "monotonia alimentar".
"Se a gente se alimentava há séculos a partir do que era próprio daquele momento, daquela estação do ano, da colheita ou do ciclo natural, agora, estamos indo para um consumo monótono do alimento. Hoje, a humanidade vive à base de três cereais: o arroz, o trigo e o milho. Em um ou outro lugar, você tem algum outro elemento um pouco diferente. Essa monotonia alimentar que é algo gravíssimo e está totalmente ligada à questão da biodiversidade", diz.
"Então, hoje há toda uma preocupação das pessoas em como se alimentar, da qualidade do material, mas temos que ser um pouco mais profundos. Essa escolha precisa estar relacionada à biodiversidade, a forma que se produz o alimento, se tem trabalho escravizado, se tem trabalho infantil, se está gerando desmatamento ou mudanças climáticas", defende.