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Ativista Kátia Penha participa do podcast Futuro Vivo  Foto: Reprodução/Futuro Vivo

'Brasil nunca vai pagar a dívida para nós, quilombos', diz ativista Katia Penha sobre titulação de territórios

Em entrevista ao podcast Futuro Vivo, a convidada falou sobre ancestralidade, defesa do território e luta climática

Imagem: Reprodução/Futuro Vivo
  • Futuro Vivo
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28 out 2025 - 10h59
(atualizado em 31/10/2025 às 10h54)

Katia Penha herdou do pai o talento para amplificar as vozes do Quilombo Divino Espírito Santo, no Espírito Santo. Ele, um rezador de ladainhas. Ela, uma ativista socioambiental. No novo episódio do podcast Futuro Vivo, a convidada fala sobre como os saberes tradicionais quilombolas se conectam à luta climática, à defesa do território e ao papel das comunidades negras na construção de um futuro sustentável.

"O passado é como raiz: invisível, mas segura a árvore inteira." O trecho do livro Torto Arado, de Itamar Vieira Jr., sintetiza bem a importância do conhecimento ancestral para os Quilombos. No bate-papo com Victor Cremasco, Katia fez questão de relembrar a história dos territórios quilombolas no país. 

"A gente nunca é livre sendo dono de alguém ou alguém sendo dono da gente. As famílias constituídas pelos quilombos foram aquelas que resistiram e falaram: 'vim de um território liberto e eu tenho que sair desse espaço escravocrata'", explica. 

"Sou de um território que teve muita resistência de Benedito Meia-Légua, Constância de Angola, Zacimba Gaba. Essas últimas são mulheres guerreiras que vieram escravizadas, mas romperam com esse espaço", conta. 

Considerado um dos municípios mais antigos do Brasil, São Mateus tem 481 anos. A região possui alguns dos quilombos mais antigos, localizados no Sapê do Norte, onde Katia nasceu. Territórios como o que a ativista cresceu só foram reconhecidos pelo Brasil por meio da Constituição de 1988, que assegurou aos quilombolas os títulos à propriedade de suas terras.

Victor Cremasco entrevista Kátia Penha no podcast Futuro Vivo
Victor Cremasco entrevista Kátia Penha no podcast Futuro Vivo
Foto: Reprodução/Futuro Vivo

'O Brasil nunca vai pagar a dívida'

Mais de três décadas depois da publicação da lei maior, o número de comunidades tituladas é aquém do esperado. Dados do Censo de 2023 mostram que apenas 4,3% da população quilombola reside em territórios com titulação.

"Temos uma comunidade chamada Linharinho aqui no meu território. A dona Élda Santos, quando começou o processo [de titulação do local], tinha 40 e poucos anos. Hoje, ela está com 67. Ela me diz: 'Minha filha, eu tenho fé em Deus que não vou morrer antes de titular Linharinho'", conta Katia. 

"O Brasil precisa readequar e respeitar, acima de tudo, o que foi colocado lá em 1988 na Constituição. E a gente vai continuar nessa luta pela terra, para que os territórios sejam titulados", afirma.  

"Nós estamos no século XXI, com apenas 12% de titulação de terra no Brasil. Se a gente for colocar na balança, a gente enfrenta realmente uma negação constante de direitos [...] Não se tem uma reparação equitativa. O Brasil nunca vai pagar a dívida para nós quilombos", dispara. 

'Sem território, não há vida'

Representante da Coordenação Nacional de Quilombo (CONAC), Katia Penha deve marcar presença na COP30, que ocorre entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém, no Pará. Segundo ela, a discussão sobre mudanças climáticas não pode ser separada da defesa dos territórios tradicionais.

"Sem território, não há vida. Se tem floresta em pé hoje, é porque nós estamos fazendo a salvaguarda desses territórios. Se tem água, é porque nós estamos lá. Se tem alimento, é porque nós estamos plantando. Não adianta discutir mudanças climáticas sem olhar a terra como algo importante", defende.

A ativista critica ainda a forma como a riqueza e o poder se concentram globalmente, impactando diretamente a preservação ambiental. "A financeirização da natureza é muito alta", critica.

"Não há uma proposta de mudança de um planeta, se não houver mudança na humanidade. E isso não é só sobre os 10% mais ricos. São as pessoas que erguem esse planeta no dia a dia", completa.

Para ela, proteger o planeta significa incluir todas as regiões e comunidades, não apenas os biomas mais visíveis. 

"Não é só a Amazônia. A Caatinga, a Mata Atlântica, o Cerrado, o Pantanal, o Pampa e a Amazônia precisam ser protegidos de igual para igual. Não adianta pensar no corpo humano apenas na respiração; os outros biomas são isso, mantêm o corpo e a vida das pessoas que vivem ali", argumenta. 

A líder quilombola também alerta sobre os impactos das grandes obras e das políticas de mitigação ambiental que desconsideram as comunidades locais."Não adianta pensar uma transição energética limpa, sendo que é o meu território que está sendo usado para fazer essa transição e não está sendo titulado. Os parques eólicos estão tomando o meu território", dispara. 

"O eucalipto entrou como uma forma de diminuir quem emite mais carbono, né? Não, ele tá sobreposto ao meu território. É menos comida na mesa que a gente pode plantar e levar para as feiras. É menos feijão, é menos arroz. Eucalipto não é alimento. Então, de que forma a gente pensa uma COP inclusiva, humana, para as pessoas?", questiona. 

Katia Penha é a entrevistada do oitavo episódio do podcast Futuro Vivo
Katia Penha é a entrevistada do oitavo episódio do podcast Futuro Vivo
Foto: Reprodução/Futuro Vivo

Falta de inclusão e representação 

Como ativista, Katia comparece em edições da COP desde 2021 em Glasgow, na Escócia. Mesmo com experiência, ela prefere manter certo ceticismo em relação ao evento em Belém. A líder quilombola critica a falta de espaço e representação das comunidades em eventos como a Conferência.

"Quando a gente não está no espaço falando por nós, sempre há alguém falando por nós. Nós somos os guardiões da floresta, mas não temos esse espaço para falar sobre como protegemos a floresta, os rios, e como queremos diminuir a emissão de carbono. É um espaço que não tem inclusão, principalmente para a população negra", destaca. 

Para Kátia, o saldo da COP deveria ser mais do que um amontoado de números e pareceres técnicos.

"São relatórios e mais relatórios, mas a gente não consegue entender nem sequer o que eles estão dizendo. É uma linguagem técnica, científica, que muitas vezes sequestra nosso saber e traduz de forma inacessível para as pessoas que vivem nos territórios", critica. 

Justamente por conta do histórico, Katia não espera a COP30 com grande animação, mas torce para que saiam boas alternativas das reuniões.

"Eu ainda penso que nós não vamos estar nos espaços da grande comitiva do governo brasileiro. Mas a sociedade civil está se organizando de forma muito bonita, trazendo para Belém as vozes das florestas, dos biomas e das pessoas que sempre protegeram esses territórios", afirma. 

Fonte: Portal Terra
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