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O teste que concluiu que nossos celulares não escutam secretamente nossas conversas

Empresa de segurança cibernética investigou 'teoria da conspiração' de que empresas como Facebook e Google captam áudios de telefonemas para depois usar informações em direcionamento de anúncios.

6 set 2019 - 05h32
(atualizado às 08h09)
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Uma empresa de segurança cibernética britânica fez recentemente uma investigação sobre a teoria da conspiração, muito difundida, de que os gigantes da tecnologia estariam ouvindo as nossas conversas no celular.

A internet está repleta de postagens e vídeos em sites e redes sociais de pessoas que afirmam ter provas de que empresas como Facebook e Google espionam seus usuários com o objetivo de criar anúncios hiperdirecionados. Nos últimos meses, vídeos que mostravam pessoas falando ao celular sobre produtos que em seguida lhes eram oferecidos em anúncio ao navegarem na rede viralizaram.

Agora, especialistas em segurança cibernética da empresa Wandera repetiram passo a passo esses experimentos que viralizaram online e não encontraram nenhuma evidência de que telefones ou aplicativos ouvissem secretamente o que as pessoas dizem.

Os investigadores colocaram dois telefones - um aparelho da Samsung, com o sistema operacional Android, e um iPhone iOS, da Apple - num lugar que chamaram de "sala de áudio". Durante 30 minutos, eles colocaram o som de anúncios de comida de gato e cachorro, ininterruptamente. No mesmo momento, dois telefones idênticos foram postos em uma sala em completo silêncio. Durante todo o tempo, os aplicativos do Facebook, Instagram, Google Chrome, SnapChat, YouTube e Amazon ficaram abertos nos celulares, com todas as permissões de acesso a informações concedidas.

Na verdade, anunciantes já têm maneiras sofisticadas de descobrir e registrar os perfis dos usuários
Na verdade, anunciantes já têm maneiras sofisticadas de descobrir e registrar os perfis dos usuários
Foto: Press Association / BBC News Brasil

Em seguida, os pesquisadores procuraram anúncios de comida para animais de estimação nos diferentes dispositivos. Eles também analisaram o uso da bateria e o consumo de dados nos telefones durante os testes.

O experimento foi repetido durante três dias, e o resultado foi o seguinte: os especialistas não notaram nenhum anúncio relevante de alimentos para animais de estimação nos celulares que ficaram na "sala de áudio" e nenhum aumento significativo no uso de dados ou de bateria.

A atividade observada, tanto nos telefones dessa sala, quanto nos quartos em silêncio, foram similares. A pesquisa verificou que houve, de fato, transferência de dados dos aparelhos - mas isso ocorreu em níveis menores, que nem chegam perto da quantidade registrada quando assistentes virtuais como Siri ou o programa do Google (cuja função pode ser realmente buscar serviços) estão ativos.

"A quantidade de dados que registramos nos testes de 30 minutos é muito inferior à do assistente virtual, o que sugere que a gravação de conversas e o posterior envio de informações não acontecem em nenhum dos aplicativos testados", afirmou James Mack, engenheiro de sistemas da Wandera. "Se estivessem ocorrendo, o consumo e o envio de dados seriam tão altos quanto o dos assistentes virtuais."

Teoria antiga

Durante anos, as empresas de tecnologia desmentiram as sugestões de que estariam usando microfones nos celulares para nos espionar.

No ano passado, quando testemunhou no Senado americano, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, foi questionado sobre se isso está acontecendo, e ele negou prontamente. Entretanto, à medida que cresce a desconfiança nas gigantes da tecnologia, muitos usuários ainda têm a impressão de que anúncios são direcionados a eles a partir de suas conversas.

Uma curiosidade: o estudo mostrou que a maioria dos aplicativos para os telefones Android parece consumir um volume muito maior de dados nas salas silenciosas, enquanto aplicativos de iPhone consomem mais nas salas em que há áudio. Os pesquisadores não souberam explicar o porquê, mas vão continuar investigando a questão.

De todo modo, o cofundador e executivo-chefe da empresa Wandera, Eldar Tuvey, está confiante de que os resultados gerais mostram que as supostas transferências secretas de dados não acontecem de forma significativa. "Nas plataformas testadas, não achamos evidência nenhuma. Poderia estar acontecendo de um jeito que não compreendemos, mas eu diria que é extremamente improvável", disse Tuvey.

Os resultados da pesquisa não chegarão a surpreender profissionais experientes da indústria de segurança de informações - que entendem que, na realidade, as empresas de tecnologia já sabem o suficiente sobre nós para enviar anúncios direcionados, sem precisar ouvir conversas. A verdade é que anunciantes possuem maneiras sofisticadas de descobrir e registrar os perfis dos usuários.

Dados de localização, histórico de navegação e rastreamento de pixels nas telas, por exemplo, fornecem informações suficientes para prever suas intenções de compras.

Outra estratégia das empresas de publicidade online é investigar seus vínculos nas redes sociais e supor que você também está interessado nas buscas feitas pelos seus amigos. São técnicas que, segundo os especialistas, melhoram e evoluem constantemente.

Muitos acreditam que suas conversas estão sendo ouvidas para receberem anúncios direcionados
Muitos acreditam que suas conversas estão sendo ouvidas para receberem anúncios direcionados
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Os anúncios que você vê são resultado da enorme quantidade de dados que as empresas detêm sobre seus hábitos. Elas compartilham essa massa de informações em redes ligadas à indústria publicitária, alimentadas por algoritmos inteligentes e extremamente poderosos", disse o especialista em segurança e publicidade móvel Soteris Demetriou, do Imperial College de Londres. "São algoritmos capazes de apontar, com boa margem de sucesso, produtos e serviços nos quais você pode se interessar antes mesmo de saber disso", afirmou Demetriou.

Há casos, entretanto, em que aplicativos foram flagrados registrando a atividade dos usuários sem que eles soubessem. Em junho, pesquisadores da Northeastern University, no Estado americano de Massachusetts, testaram 17 mil aplicativos do sistema operacional Android de diferentes partes do mundo.

Eles não descobriram evidências de escutas inadvertidas - mas confirmaram que alguns programas enviavam instantâneos das telas e até vídeos de atividades do telefone para terceiros. Nos casos descobertos, porém, os dados eram enviados para fins de desenvolvimento e não para publicidade.

Sabe-se também que são feitas, com alguma frequência, tentativas de ataques a telefones de autoridades de alto escalão, com o objetivo de espionagem.

Em maio, o WhatsApp admitiu que hackers instalaram remotamente um software de vigilância em telefones por meio do aplicativo de mensagens. O WhatsApp, de propriedade do Facebook, disse que o ataque teve como alvo um "número selecionado" de usuários e foi orquestrado por "um avançado agente cibernético". Segundo a empresa, a falha de segurança foi corrigida.

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