Script = https://s1.trrsf.com/update-1765224309/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

América Latina

Incentivo a turismo de luxo em Cuba causa indignação, 4 anos após protestos contra a fome na ilha

As insatisfações crescem em Cuba, à medida que a pobreza aumenta no país. As sanções econômicas dos Estados Unidos pesam sobre a economia cubana, mas as escolhas de investimentos do governo, em turismo de luxo em vez da agricultura, saúde e infraestruturas, levam os cubanos a expressar abertamente indignação nas redes sociais, quatro anos depois de uma onda inédita de protestos contra a fome.

26 jul 2025 - 13h41
Compartilhar
Exibir comentários

As insatisfações crescem em Cuba, à medida que a pobreza aumenta no país. As sanções econômicas dos Estados Unidos pesam sobre a economia cubana, mas as escolhas de investimentos do governo, em turismo de luxo em vez da agricultura, saúde e infraestruturas, levam os cubanos a expressar abertamente indignação nas redes sociais, quatro anos depois de uma onda inédita de protestos contra a fome.

Torre K, o último e mais luxuoso hotel 5 estrelas construído em uma Havana estagnada e sem turistas.
Torre K, o último e mais luxuoso hotel 5 estrelas construído em uma Havana estagnada e sem turistas.
Foto: AFP - YAMIL LAGE / RFI

Isabelle Le Gonidec, da RFI em Paris

A Torre K, com seus 42 andares, é um exemplo destes investimentos controversos de Havana. O prédio mais alto da ilha, e também o hotel mais moderno e luxuoso do país, se soma a uma lista de opções de hospedagens 5 estrelas construídas nos últimos anos. Administrado pela rede espanhola Iberostar, que tem forte presença na ilha, o estabelecimento de 154 metros de altura oferece mais de 500 quartos na famosa Rampa (Calle 23), que vai do Malecón ao cemitério de Colón. Sua arquitetura contrasta com as casas coloniais do bairro e deixa o conhecido hotel Habana Libre, de 25 andares, modesto na comparação.

A construção e inauguração deste hotel em fevereiro passado, após meses de atraso, gerou polêmica em Cuba, principalmente nas redes sociais. A torre, que brilha intensamente no meio da noite enquanto os cubanos sofrem com repetidos cortes de energia e apagões, é quase uma provocação.

"Os cubanos estão enfrentando grandes cortes de energia, mas os hotéis permanecem iluminados à noite. Eles estão com pouca ocupação, mas continuam iluminados porque têm geradores especiais. Tudo isso gera críticas cada vez mais fortes", aponta Janette Habel, cientista política especializada em Cuba e professora do Institut des Hautes Études de l'Amérique Latine na Universidade de Paris III.

Um dos apelidos dados ao prédio por moradores de Havana é "mirante da miséria" - um descontentamento que levou a uma inauguração discreta do empreendimento, contrariando o costume dos dirigentes da ilha, apontam seus detratores.

Carência de investimentos básicos

Com os US$ 200 milhões investidos no Hotel Torre K-23, teria sido possível financiar diversos projetos de impacto social, segundo o arquiteto e opositor Julio Herrera: uma nova usina termelétrica, um hospital geral e pediátrico, clínicas odontológicas e óticas, entre outros investimentos que teriam um impacto social muito mais significativo para a população. De acordo com dados do Escritório Nacional de Estatísticas de Cuba (ONEI), publicados pela Swiss Info em dezembro de 2024, de janeiro a setembro de 2024, Cuba investiu 4,6 vezes mais em imóveis (incluindo serviços empresariais, atividades imobiliárias e de aluguel) e na indústria hoteleira e de restaurantes do que em agricultura, educação e saúde.

A construção da Torre K foi inteiramente financiada por capital cubano, sob a liderança do conglomerado GAESA (Grupo de Administração Empresarial S.A.), uma entidade controlada pelo Exército e pelas FAR (Forças Armadas Revolucionárias), que supervisionam o setor de turismo. O setor gera recursos essenciais para a ilha.

A GAESA é responsável pela construção de hotéis, mas também pela Gaviota, que administra frotas de veículos, táxis, marinas, o porto de Mariel e muito mais - a GAESA responde por aproximadamente 45% da economia cubana.

O grupo está na mira das autoridades em Washington: no final de junho, Donald Trump assinou um memorando que reforça as sanções contra o regime cubano. O documento reafirma a proibição do turismo americano a Cuba e renova a proibição de transações financeiras diretas ou indiretas com entidades controladas pelos militares cubanos, incluindo a GAESA. O Hotel Torre K, ou Iberostar Selection La Habana, foi adicionado à lista de sanções dos EUA em 14 de julho de 2025.

Além do turismo, o conglomerado também opera telecomunicações, transporte, aviação, agricultura, remessas — valores enviados por cubanos no exterior às suas famílias. "Sabemos em quais setores a GAESA faz suas operações, mas quais são seus recursos financeiros e como são alocados? Não se sabe, e isso está em debate hoje", aponta Janette Habel.

A ligação entre a GAESA e o governo também é complexa - não é nada claro quem realmente administra o que em Cuba.

Manuel Marrero Cruz, chefe de governo em exercício desde dezembro de 2019 e ex-ministro do Turismo, vem de uma carreira militar, ressalta a pesquisadora, que esteve em contato com executivos de construtoras francesas que trabalham em Cuba e negociam diretamente com a GAESA os canteiros de obras, e não com os ministérios competentes.

Turismo, um setor em declínio

O turismo em Cuba tem se recuperado lentamente da crise da Covid. Desde a pandemia, a frequência diminuiu e as taxas de ocupação hoteleira estão bem abaixo das previsões. No entanto, a infraestrutura hoteleira continuou a se expandir nos últimos 15 anos e agora está no segmento de luxo. O governo aposta na infraestrutura turística para atrair clientes, que demoram a retornar.

O turismo é a principal fonte de divisas do país, ao lado das "remessas" e dos profissionais de saúde "emprestados" a outros países, mediante acordos. "Precisamos da renda do turismo", insistiu o primeiro-ministro, no final de fevereiro. "É a nossa recuperação (econômica) que está em jogo", disse, ao defender-se das críticas.

De acordo com dados oficiais do Escritório Nacional de Estatística e Informação (ONEI), a taxa de ocupação hoteleira caiu para apenas 24,1% no primeiro trimestre de 2025, e o número de turistas é 29,3% menor do que no mesmo período em 2024. Resultado: a receita do turismo baixou 21,5%.

Cuba registrou seu menor número de chegadas de turistas em quase 20 anos em 2024, com cerca de 2 milhões de turistas, em vez dos 3 milhões esperados. Os hotéis operam bem abaixo da capacidade. Em 2024, como nos anos anteriores, os canadenses, seguidos pelos russos, foram os principais visitantes estrangeiros da ilha (860.877 e 185.816 viajantes, respectivamente). Na sequência, americanos (142.450), alemães (65.487), espanhóis e mexicanos.

Em 2023, a ilha recebeu 2,4 milhões de turistas internacionais, em comparação com 1,6 milhão em 2022, números que permanecem bem abaixo dos 4,2 milhões de 2019, o último ano antes da pandemia, segundo o ONEI.

Trump aperta sanções

A situação econômica e social da ilha melhorou durante o governo do presidente Barack Obama nos Estados Unidos, que aqueceu as relações entre Washington e Havana, mas a indústria do turismo entrou em declínio durante o primeiro mandato de Donald Trump, com o endurecimento das sanções econômicas, a proibição de cruzeiros dos Estados Unidos e a redução de voos para Cuba, entre outras medidas. As sanções impostas pelo presidente republicano, somadas à pandemia global de Covid, anularam os efeitos das medidas de flexibilização decididas por seu antecessor.

Um dos primeiros atos de Donald Trump ao retornar ao poder, em janeiro, foi colocar Cuba de volta na lista de Estados patrocinadores do terrorismo - lista da qual Joe Biden a havia removido alguns dias antes.

A 43ª e última Feira Internacional de Turismo de Havana (FIT Cuba 2025), realizada no início de maio, teve a China como país convidado, apresentada como aliada estratégica. Voos diretos da Air China para a ilha e a facilitação de vistos foram anunciados.

A GAESA também administra investimentos internacionais e possui capital em joint ventures com a China nos setores farmacêutico e químico. Mas, para alguns observadores, o estado precário da infraestrutura e das instalações da ilha (eletricidade, água potável, transporte público, manutenção de estradas e rodovias, abastecimento de alimentos) torna impossível qualquer desenvolvimento do setor turístico.

Duramente atingida por dois furacões (Oscar e Rafael), com infraestrutura envelhecida e precária, sanções mais rigorosas dos Estados Unidos e o exílio de parte de sua população — especialmente jovens —, a economia da ilha está esgotada.

RFI A RFI é uma rádio francesa e agência de notícias que transmite para o mundo todo em francês e em outros 15 idiomas.
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra












Publicidade