Opinião: Mesmo com Bolsonaro na mira da PF, o golpismo continua vivo
É preciso normalizar a ideia óbvia de que lugar de golpista é na cadeia.
A investigação da Polícia Federal (PF) mostrou que havia um plano bem estruturado para tentar dar um golpe de Estado no Brasil. A derrota de Jair Bolsonaro (PL) para Lula (PT) desencadeou uma sequência de episódios e tramas para botar em marcha uma virada de mesa. Os derrotados queriam e tentaram se manter no poder contra a vontade da maioria da população. Bolsonaro nega crimes e se diz perseguido.
Para a PF, “os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito”.
Os investigadores indicam que o “fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”. Um dos motivos foi a falta de apoio militar. O então presidente queria dar o golpe clássico, aquele que as tropas vão às ruas, prendem a matam opositores.
A falta de apoio das Forças Armadas é um fato. Agora, o motivo de não embarcarem são outros quinhentos. Não há elementos para dizer se a recusa se deu por medo, por não confiarem em Bolsonaro ou por qualquer outro motivo.
“As Forças foram legalistas”, podem dizer alguns. Ou seja, não fizeram nada além do que devem fazer, que é cumprir a Constituição. Mas se são profundamente fiéis ao texto constitucional, por que ouviram uma proposta de golpe e não denunciaram o proponente?
A trama de Bolsonaro foge um pouco do figurino dos golpes modernos, que se valem de instrumentos da democracia para rumar a um governo autoritário. Os best-sellers cientistas políticos de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, tratam do tema em “Como as Democracias Morrem”.
Os autores mostram que os usurpadores se valem de brechas legais para minar a democracia. São exemplos disso a polarização e deslegitimação dos opositores; controle de instituições como o Judiciário, da mídia e das forças armadas. Além disso, a fragilização de mecanismos de controle, órgãos que fiscalizem o poder e uma defesa populista e nacionalista.
Quem acompanhou a vida política no Brasil nos últimos anos consegue, facilmente, completar cada uma dessas lacunas com as atuações de Bolsonaro. O então presidente queria trocar o comando do Ministério da Justiça e da PF, indicar um ministro ao STF que tomasse “tubaína” com ele, atacava constantemente a imprensa e minava opositores do seu campo político.
Agora, os rompantes do capitão se amainaram. Bolsonaro que outrora disse que não cumpriria ordens do Supremo, pede aos ministros “por favor”, para perdoarem os crimes de seus apoiadores contra o país. O homem que se apresenta hoje é muito diferente do que carrega a tosca medalha do “imorrível, imbrochável e incomível".
Bolsonaro, após não conseguir o apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional, “saiu do país, para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023”, relata a PF.
O medo pode explicar essa nova postura de Bolsonaro que, pasmem, até escreve artigos com ares de defensor da democracia.
A principal tese que embasou a tentativa de golpe vem dos ataques às urnas, ao processo eleitoral. “À época presidente da República, [Bolsonaro] criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do país desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral”, concluiu a PF.
Eram duas motivações para isso: se precaver de uma eventual derrota eleitoral com o discurso de fraude e justificar as ações golpistas que se dariam a partir daí.
O processo jurídico está longe do fim. A Procuradoria-Geral da República analisa os documentos para decidir se denuncia os indiciados ou não. A partir daí começa a correr o processo e o caminho até a cadeia.
Em paralelo a isso, os pupilos e demais políticos e empresários anabolizados por Bolsonaro andam quietos. Não vemos os principais governadores aliados do capitão repudiarem a articulação golpista, aliás alguns até corroboram que ele é perseguido.
Esse silêncio normaliza um episódio gravíssimo da história brasileira e indica, para quem orbitou ou flertou com o apoio ao golpe, que está tudo dentro da normalidade e que não é assim tão errado desacreditar as urnas, participar de discussões e planejamento para tomada de poder.
O que os fará repensar essa postura serão as condenações da Justiça para os envolvidos. É preciso normalizar a ideia óbvia de que lugar de golpista é na cadeia.
Bom final de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro.