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Após documento apontar risco ao Revalida, Inep diz que prova não vai atrasar

Documento interno revelado pelo Estadão apontava falta de médicos capacitados para elaborar segunda etapa do exame

14 nov 2021 - 12h40
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Após o Estadão revelar o documento interno que apontava falta de médicos capacitados para definir todas as tarefas da prova prática, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) disse no fim da noite de sábado, 13, que a segunda etapa do Revalida não vai atrasar. A realização da fase final está prevista para 18 e 19 de dezembro. Um ofício interno obtido pela reportagem apontava prazos "impostos pela Presidência do Inep", apesar de alertas da equipe técnica sobre os riscos à qualidade do exame.

O Revalida é voltado para a certificação do diploma de médicos que se formaram no exterior e querem trabalhar no Brasil. O documento obtido pelo Estadão também aponta que os prazos "foram exíguos para que todas as etapas do processo de elaboração de provas fossem cumpridas, impactando negativamente na qualidade dos itens e correndo sérios riscos da não aplicação do exame". Além disso, uma comissão de médicos responsável pela concepção do exame e montagem das provas "sofreu total reestruturação".

"A maior parte dos médicos nomeados para a comissão, por indicação do presidente do Instituto (Danilo Dupas), não possuíam experiência prévia na realização do Revalida como membros de comissão e, devido ao apertado cronograma, sequer passaram por capacitação", aponta o documento. A Comissão Assessora de Avaliação da Formação Médica (CAAFM) foi instituída em 28 de julho, a pouco mais de um mês da primeira etapa do exame. Nas semanas seguintes, a composição do grupo foi alterada por Dupas.

Após documento apontar risco ao Revalida, Inep diz que prova não vai atrasar
Após documento apontar risco ao Revalida, Inep diz que prova não vai atrasar
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil / Estadão

A primeira etapa do Revalida foi realizada no início de setembro, com testes objetivos e discursivos, para 11,8 mil candidatos. Já a segunda fase é uma prova prática e complexa, em que os participantes devem passar por situações parecidas com a realidade, como consultas ou atendimentos de emergência simulados, preferencialmente em hospitais ou ambulatórios.

Em resposta à reportagem do Estadão, o comunicado do Inep justificou que a composição do conselho "compete ao Presidente do Inep a indicação de seus membros". "O Inep ratifica o alto nível técnico dos membros de suas comissões, além do seu profissionalismo e comprometimento com o Revalida", declarou.

Um dos novos integrantes da comissão é a médica Leticia Guimarães Carvalho de Souza Lima, vinculada à Faculdade de Medicina do Vale do Aço, de Ipatinga (MG). Mestra em Ciências, ela não tem doutorado, formação considerada essencial para se qualificar a uma comissão técnica.

O Currículo Lattes da médica também não aponta nenhuma experiência em Revalida. Fontes ouvidas pelo Estadão dizem que ela foi indicada pelo presidente do Inep após ele cortar outros integrantes da comissão.

Na nota, o instituto também afirma que as mudanças no conselho ocorreram após o afastamento de um integrante denunciado por servidores. Sem haver "tempo hábil" para um chamamento público, teria buscado indicações de novos conselheiros, recebendo 114 nomes apontados por universidade parceiras.

O Inep ainda justitifica que a qualidade do exame está garantida. "As rápidas ações adotadas por esta gestão e equipe técnica resguardaram o processo e permitiram a realização da 2ª etapa do Revalida 2020 dentro da legalidade, da segurança e do sigilo do processo de elaboração de itens e montagem do exame."

Ainda segundo o instituto, após a denúncia, oito membros do CAAFM optaram por não serem reconduzidos ao conselho, "sendo que quatro pediram sua saída imediata, em meio ao período de recursos e de resultado da aplicação". "Assim, coube a esta gestão a necessidade de recomposição imediata da Comissão de modo que não impactasse o devido cumprimento da Lei n. 13.959/2019."

Servidores do Inep ouvidos pelo Estadão, no entanto, afirmam que os médicos membros da comissão nao pediram para serem desligados. Eles foram cortados porque nao passaram no "filtro" do presidente do Inep.

O comunicado justifica que a falta de "tempo hábil" para a realização de chamadas públicas até a data do exame resultou na "solicitação de indicação de médicos especialistas das cinco áreas do exame" à Diretoria de Ensino, Pesquisa e Atenção à Saúde da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e à Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (Sesu/MEC), para "alinhamento direto com a Diretoria de Avaliação da Educação Superior (DAES)".

A nova comissão foi recomposta em 28 de julho de 2021, com a recondução de dois membros que aceitaram permanecer e onze outros médicos, que o instituto destaca que seriam "especialistas nas áreas do conhecimento avaliadas pelo Exame". Segundo o Inep, foram enviadas 114 indicações de médicos, de 16 universidades parceiras do Revalida. A capacitação destes novos membros estaria prevista para o início de dezembro.

A nota do Inep também diz que uma equipe de servidores responsáveis pela supervisão da diagramação das provas e da liberação em gráficas da segunda etapa do exame formalizou uma denúncia sobre a conduta de um dos membros originais da CAAFM, nomeado em 2020.

"O Inep instaurou procedimento administrativo para apuração da conduta do referido membro da CAAFM e o encaminhamento do relato ao Departamento de Polícia Federal para apuração das repercussões das condutas mencionadas na esfera criminal. Além disso, afastou o membro de forma cautelar, para resguardar o interesse público", destacou.

Segundo o instituto, em 28 de junho, os autos da denúncia foram encaminhados ao Ministério Público Federal. "O afastamento foi cumprido e comunicado ao membro acusado, enquanto o procedimento administrativo corre em sigilo no Corregedoria do Inep."

A instituição ainda justificou que a formação anterior da comissão, de 2020, também não teve chamamento público, com os membros "selecionados com base em análise curricular dentre membros de comissões já nomeadas anteriormente por meio de indicação". Disse ainda que o primeiro chamamento público para composição das comissões CAAFM e CAI (Comissão de Análise de Itens), e cadastro de reserva, foi "realizado recentemente por esta gestão junto às Universidade Parceiras do Revalida, que se comprometeram a apoiar a iniciativa por meio de Termos de Adesão assinados pelos reitores titulares".

No caso do CAI, afirmou que uma portaria de julho deste ano manteve 11 dos 13 membros nomeados em 2021, enquanto os outros dois conselheiros saíram por "motivos pessoais".

Além disso, afirmou que os trabalhos das Comissões do Revalida, tanto no Ambiente Físico Integrado Seguro (Afis) quanto na gráfica (Cebraspe), foram acompanhados de forma "constante" por servidores da equipe técnica do Inep.

Além disso, alegou que a comissão médica "já está procedendo a escolha de duas das quatro estações prontas da área de cirurgia" e que "há médico pediatra com data agendada para finalizar a elaboração e escolha das estações de pediatria". Também ressaltou que uma portaria de novembro adicionou sete médicos ao CAAFM, indicados por reitores de universidades parceiras do Revalida e "com ampla experiência neste exame", totalizando dezoito membros.

"Dos membros que compõem a CAI, cinco médicos (um de cada área do conhecimento) e um psicometrista irão se reunir presencialmente no Inep e novos membros indicados pelas Universidades Parceiras do Revalida serão nomeados ainda na próxima semana para reforçar a comissão", continou.

Segundo a instituição, está acordado com a equipe técnica da Coordenação-Geral do Enade (CGEnade) que as estações passarão por uma revisão pedagógica, que teria sido iniciada pela equipe, a ser homologada em um painel com os membros da CAAFM antes da reunião da CAI, que vai definir as notas de corte das estações.

Desestruturação do Inep chamou atenção na última semana

A desestruturação do Inep chamou a atenção para o risco de realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prova com mais de 3 milhões de candidatos em todo o País. No entanto, como mostrou o Estadão, os efeitos da crise no órgão se estendem muito além do Enem. Para distribuir merenda, livros didáticos, pagar salário de professores ou saber a qualidade da educação em cada cidade, o Brasil precisa dos dados tabulados no Inep.

Dupas - o quarto presidente do Inep em três anos - é acusado pelos funcionários de desmonte do órgão mais importante do MEC, assédio e desconsideração de aspectos técnicos na tomada de decisões. Segundo a Associação dos Servidores do Inep (Assinep), serão entregues nos próximos dias ao Congresso Nacional e aos órgãos de controle documento com esses relatos dos servidores. A associação defende que seja conferida autonomia ao instituto, como forma de "solução estrutural para a instabilidade crônica" do Inep.

Estadão
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