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Ampliação do curso de medicina foi autoritária, afirmam universidades

Instituições de ensino dizem que dialogavam com o MEC mudanças no currículo e receberam com surpresa o anúncio da ampliação do curso

22 jul 2013 - 12h45
(atualizado às 12h45)
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Médicos criticaram a ampliação do curso de medicina durante protesto em Porto Alegre
Foto: Daniel Boucinha / Futura Press

O anúncio do governo federal sobre a mudança da duração do curso de medicina de seis para oito anos foi autoritário e surpreendeu escolas e entidades médicas, que discutiam com o governo mudanças nos currículos, mas não foram consultadas sobre a ampliação da graduação. É o que dizem a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) e quatro das principais faculdades de Medicina do País, públicas e privadas, consultadas pelo Terra.

A respeito da medida provisória que exige de alunos ingressantes nos cursos a partir de 2015 dois anos de estágio obrigatório do Sistema Único de Saúde (SUS), há mais perguntas do que respostas no meio acadêmico. Prevista no programa Mais Médicos, a mudança deve ser avaliada e regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no próximo semestre. A medida provisória, assinada pela presidente Dilma Rousseff, ainda será analisada pelo Congresso e pelo CNE, antes de virar lei.

Em comunicado oficial, a Abem, representante de mais de 140 escolas médicas associadas, manifestou-se contrária à forma como foram decididas as medidas do programa e destacou que as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em medicina já incluem a formação prática no SUS. "Estávamos há algum tempo revisando e reconstruindo currículos das escolas, dialogando com o MEC (Ministério da Educação). De repente, veio essa medida", afirma a diretora da entidade, Jadete Lampert, que também integra a Comissão de Especialistas em Ensino Médico do ministério.

Conforme a diretora da Abem, as diretrizes curriculares atuais para a graduação em medicina já preveem atendimento humanizado e construção de responsabilidade social, por meio das atividades práticas ao longo dos seis anos de faculdade. No formato atual, durante o quinto e o sexto anos de curso, período chamado de internato, os alunos atuam em hospitais-escola, ligados ao SUS. Neste ciclo, os estudantes são supervisionados por professores, que respondem pelo atendimento e por eventuais infrações éticas.  

Para o governo federal, a nova proposta tem como objetivo ampliar a experiência prática para melhorar a formação dos médicos. A diferença para o formato atual é que, durante os dois anos de estágio no SUS, os alunos terão a responsabilidade de um profissional formado, atuando com uma autorização provisória. Caso errem, terão de responder por si. No entanto, a portaria prevê que os alunos sejam supervisionados por um médico com pós-graduação e acompanhados, ainda, por um tutor acadêmico - no caso, um professor da universidade -, que deverá planejar e orientar as atividades do aluno e do supervisor.

Ainda confusa e indefinida, a supervisão dos futuros acadêmicos no estágio pelo SUS preocupa coordenadores dos principais cursos de medicina do País, entre universidades federais e privadas. "Teremos de montar uma rede de pessoas no interior para dar assessoria aos alunos? Como vamos supervisionar professores e estudantes?", questiona o diretor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Jefferson Braga da Silva.

Dar total responsabilidade ética aos graduandos em locais onde a infraestrutura e a oferta de médicos supervisores é pequena também coloca em alerta professores. Para a diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Silvana Artioli Schellini, quem pôs essa medida no papel não conhece o ensino básico de medicina no Brasil e as condições para aprendizagem no interior. "Afinal, há a necessidade de mais médicos no interior ou de melhorar a formação? Se existem essas necessidades, vamos conversar. Todas as escolas estão dispostas a colaborar com a saúde pública", afirma Silvana.

INFOGRÁFICO: REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA MÉDICO

Conheça a história de médicos brasileiros que se graduaram fora do País e por que é necessário revalidar o diploma para poder trabalhar no Brasil

 

A portaria estabelece como regiões prioritárias áreas de difícil acesso ou que tenham populações em situações de vulnerabilidade. Após o anúncio da medida, no entanto, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou que os alunos farão o estágio na mesma cidade em que cursam a faculdade. No Brasil, porém, os cursos de medicina estão concentrados em grandes centros. Outro ponto ainda confuso na medida.

Para a coordenadora do curso de medicina da Universidade de Brasília (UnB), Maria das Graças de Oliveira, a falta de organização e investimento em condições adequadas para o atendimento impede perspectivas de mudanças até 2015. "Se houvesse equipe de enfermagem e de assistência social, postos de saúde equipados, medicamentos necessários para a população e supervisão competente, não veria problema algum em ampliar o curso", aponta Maria das Graças. Segundo ela, elaborar uma mudança deste porte depende de ouvir profissionais da área de saúde, não apenas médicos, e buscar soluções que contemplem a diversidade de cada região do País.

Alterações no currículo acadêmico

A medida provisória ainda não prevê se o novo modelo de formação irá alterar o currículo nos anos iniciais. Da forma como foi proposta, os alunos receberão o diploma somente depois de aprovados no estágio obrigatório no SUS e serão remunerados por estes dois anos de trabalho por meio de uma bolsa-formação, ainda sem valor definido.

Além disso, municípios no interior do País poderão oferecer auxílios-moradia e alimentação, e o Ministério da Saúde poderá conceder ajuda de custo para despesas de instalação e deslocamento. Os supervisores e os tutores acadêmicos também terão bolsa, de valor ainda indefinido. Para tanto, os recursos virão dos ministérios da Educação e da Saúde.

Uma grande preocupação entre os futuros médicos, os estudantes de instituições particulares não pagarão mensalidade no período de estágio, confirma o MEC. Mesmo assim, as universidades privadas ouvidas pelo Terra temem que a mudança no currículo provoque custos ainda desconhecidos. "Temos receio de quem vai pagar essa conta", diz Silva, da PUCRS.

Como alternativa ao estágio obrigatório e à ampliação do curso em dois anos, o professor da Faculdade de Medicina da PUC-Campinas José Gonzaga Teixeira de Camargo, também diretor adjunto do Centro de Ciências da Vida (CCV), sugere a ampliação das vagas para a especialização médica, chamada residência. "Todas as diretrizes curriculares formam um generalista profissional do SUS. Dedicar-se a uma especialidade é o que qualifica um médico", afirma. A Abem também se manifestou a favor de ampliação das vagas de residência médica, em função das necessidades sociais.

Modelo britânico de formação

De acordo com o Ministério da Saúde, a proposta do novo curso é inspirada em um modelo usado por países como a Inglaterra, onde os estudantes precisam passar por um período de treinamento com um registro provisório. Após cinco anos, em média, de aulas somente teóricas, o aluno deve fazer um estágio obrigatório remunerado de dois anos.

No caso britânico, o estudante pode ainda optar por um ano de pesquisas na universidade, antes do estágio prático, deixando o curso com um total de oito anos, como o previsto no Brasil. Quando está prestando os dois anos obrigatórios, o estudante inglês atende pelo serviço do Estado, gratuito para a população, e é supervisionado por tutores. Somente após este período, recebe o registro definitivo e pode se denominar médico.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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