PUBLICIDADE

Climatempo

O sertão vai virar... deserto?

Nesta semana a ONU destaca a luta contra a desertificação, problema que já atinge seis localidades do Brasil

18 jun 2020 - 12h54
Compartilhar
Exibir comentários

Muita gente já ouviu a famosa profecia feita por Antônio Conselheiro no final do século XIX : o sertão vai virar mar. O que nem todos sabem é que a ciência está indicando exatamente o contrário: em pelo menos seis localidades, todas no Nordeste, a desertificação é oficialmente reconhecida (1). Três delas ficam na região de Cabrobó, no Pernambuco (Inhamus, Irauçuba e Jaguaribe), uma no Ceará (Seridó) e uma entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

O caso mais adiantado de desertificação do país, afetando uma área que engloba 15 municípios e 7.759 km² - o equivalente a cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo - fica em Gilbués, região com clima que varia entre semiárido e subúmido no sul do Piauí. Historicamente, a vegetação original típica da Caatinga e do Cerrado foi desmatada para dar lugar à agricultura e à pecuária. Sem a proteção das plantas nativas, o solo delicado se tornou quebradiço, e a cada temporada de chuvas, a erosão se intensifica, gerando grandes buracos, chamados tecnicamente de voçorocas. 

Como a palavra sugere, desertificação é o processo de virar deserto, que é caracterizado pela degradação profunda do solo, com perda de umidade e de nutrientes. Ele ocorre em regiões áridas, semiáridas e subúmidas e é causada por variação climática ou ação humana. O conceito surgiu nos anos 1970, mas só duas décadas depois, durante a Eco-92 - Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento -, realizada naquele ano, no Rio de Janeiro, é que foi estabelecida a definição mais aceita atualmente. E ainda foram necessários outros dois anos para que a ONU instituísse, em 1994, o dia 17 de junho como o Dia Mundial do Combate à Desertificação. A data marca o início de uma Convenção do órgão sobre o tema, ratificada por diversos países, incluindo o Brasil.

O problema recebe atenção internacional porque afeta a produção de alimentos, levando pequenos agricultores a migrarem, aumentando a pobreza e a desigualdade. A ONU estima que ao menos 100 países têm alguma região que está passando pelo processo de desertificação neste momento.

Foto: Climatempo

Núcleo de desertificação em Gilbués, Sertão do Piauí

Chuva no deserto

Pode parecer estranho que haja uma temporada de chuvas numa região em processo de desertificação, mas não é a pluviosidade que define se uma zona é ou pode virar um deserto. Em Lima, capital do Peru, não há praticamente nenhum índice de precipitação (em média, 16 milímetros ao ano), mas a cidade não se caracteriza como uma zona desértica. São as características do solo que dizem se uma localidade está se desertificando.  

Em Gilbués, o índice de precipitação varia em torno de 1.200 milímetros ao ano, de maneira concentrada principalmente entre dezembro e março. A fragilidade do solo faz com que a chuva não seja adequadamente absorvida, o que contribui para o assoreamento do leito seco dos riachos, intensificando o processo de desertificação. A região degradada está próxima ao Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, e se o problema não for tratado, essa área de manancial pode ser afetada, comprometendo o abastecimento de cidades do Maranhão e do Piauí.

As soluções que queremos

O processo de desertificação causado pelo homem pode ser revertido também por ação humana. Nos casos brasileiros, os solos ainda não se tornaram totalmente pobres em nutrientes e com manejo adequado podem voltar à fertilidade.

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) criou nos anos 1970 a Embrapa Semiárido, que se tornou o principal programa de pesquisa e desenvolvimento dedicado a transformar as especificidades da região em vantagens para a produção agrícola, inclusive combatendo focos de desertificação.

Entre as medidas indicadas pela empresa para erradicar o problema, as principais são a recuperação da mata ciliar (a vegetação que fica às margens de rios e lagoas) e o reflorestamento. Essas ações regularizam o ciclo da água, previnem erosão da terra, criam ambiente favorável para a reprodução da vida animal e ajudam a reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa.

A Embrapa também orienta para soluções voltadas à variedade da produção agrícola em solos fragilizados, como os chamados "quintais produtivos". Neles, os agricultores param de produzir um único tipo de roça para cultivar alimentos variados, e cada planta gera benefícios para as outras (sombra, forração do solo, etc.), diminuindo a necessidade de uso de fertilizantes e agrotóxicos.

Esse modelo está em linha com os sistemas agroflorestais, um tipo de produção rural que ampliam ainda mais a diversificação do cultivo, aumentando a renda familiar e a segurança alimentar dos camponeses. Há soluções variadas também para armazenamento de água em zonas com estiagens prolongadas.

Embora a resposta científica para o problema já exista, ela depende da ação do poder público para se concretizar. Confira aqui outras medidas contra a desertificação indicadas pela Embrapa.

por Cínthia Leone, do Instituto ClimaInfo

Climatempo
Compartilhar
Publicidade
Publicidade