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Uma viagem no Drake, o mar mais perigoso do mundo

Caminho entre a Terra do Fogo e o continente gelado é percorrido com apoio da meteorologia

17 mar 2019 - 03h13
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ANTÁRTIDA - Vira e mexe ele surge na conversa. Como nome próprio: o Drake. E não tem quem venha ou volte de navio da Antártida que não ouça alguma história assustadora sobre o "mar mais perigoso do mundo". São relatos de marinheiros experientes sobre ondas de 8, 9, 10 metros de altura que fazem as embarcações chacoalharem por várias horas e muita gente passar mal - ou "marear" a bordo.

Terror dos primeiros exploradores da região, o percurso de cerca de mil quilômetros entre a Antártida e a Terra do Fogo, no extremo da América do Sul, agora se baseia em dados meteorológicos bem mais precisos. Numa viagem do continente gelado a Punta Arenas, no Chile, passa-se no mínimo 36 horas na Passagem de Drake, período que pode se estender dependendo das condições. O plano é sempre cruzá-lo entre uma frente fria e outra. Nem sempre, porém, é possível.

"Pegamos um Drake muito tenso no dia 29 de janeiro de 2009", lembra o capitão de fragata da Marinha Romivaldo Silva Vasques, imediato do navio brasileiro de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, lembrando que as ondas chegaram a 9 metros e o vento, a 60 nós, ou 111 km/h. "Nós sabíamos que haveria mau tempo, mas não tanto. Foi uma situação que testou o limite do navio. Sua inclinação chegou a 45º e ele ficou pensativo se ia emborcar", brinca. "Eu era encarregado da carga do navio e passei a noite toda acordado."

Antes da entrada no Drake, todos os objetos dos navios são peiados (amarrados na linguagem naval), para que não "voem" na hora em que o mar estiver "batendo" e o navio, "jogando". Como o labirinto humano não foi feito para chacoalhar, é comum enjoar e vomitar.

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Algumas condições impulsionam o mau humor do Drake. O meteorologista e primeiro-tenente da Marinha Luiz Felipe Neris Cardoso explica que a região está num cinturão de baixa pressão associado a tempo severo: chuvas fortes, rajadas de vento, mar agitado e neve. "O mar nessa área gera ondas conhecidas como marulhos, com períodos superiores a dez segundos, que costumam pegar o navio de través e bochecha, ou seja, de lado e de bico", explica. Quanto mais lateralmente a onda bate no navio, mais ele joga. E maior o risco de marear.

"Minha recomendação com o Drake nervoso é que quem não está de serviço fique na beliche ou na refeição", diz o comandante do Ary Rongel, Antonio Braz de Souza, que cruzou o Drake pela 31.ª vez na semana passada. Um dos truques é não ficar de estômago vazio. Outro, tomar remédio contra enjoo.

Oração. Em sua quarta e última operação antártica, Souza conta que toda vez que vai enfrentar o Drake senta em sua cadeira e faz uma oração. "É coisa de marinheiro. Antes de entrar, rezo uma ave maria e peço pela segurança do navio." Num dos cantos do passadiço do Ary Rongel, há uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes.

Ele afirma que com sete dias de antecedência é possível ter uma predição, mas a previsão fica melhor nos últimos três dias. Com as informações sobre ventos e ondas recebidas do Centro de Hidrografia da Marinha, o comandante decide se vai encarar o Drake ou esperar a frente fria se afastar. Ferramenta da qual antigos navegadores não podiam desfrutar. Não por acaso até o britânico Francis Drake, que dá nome ao mar, fugiu dele. Cauteloso, preferiu desviar pelo Estreito de Magalhães, de águas mais tranquilas.

Na travessia, vento acima do esperado e maçã anti-enjoo

O Estado viajou pelo Drake entre os dias 25 a 27 de fevereiro. Cruzar o "mar mais perigoso do mundo" requer preparo, disposição e sorte para se manter em pé enquanto o navio balança sem parar.

A previsão era ter inicialmente ondas de 2,5 metros e no final, 3,5 metros. Mas as 12 horas finais nos reservaram um vento 5 nós mais forte do que o esperado pela meteorologia, que ajudou a gerar ondas de 6 metros e fez o navio pender 25° de cada lado.

Foram ao menos 12 horas com vento de até 48 nós, ou quase 90 km/h, que atingia principalmente a lateral esquerda do Ary Rongel, o chamado de través de bombordo. Mesmo assim, o navio manteve velocidade média de 13 nós, superior à normal, para ficar o menor tempo possível exposto ao que o comandante Antonio Braz de Souza chamou de "rosnada" do Drake.

A sensação é de se estar num misto de batedeira e montanha-russa, onde para se movimentar é preciso se apoiar em corrimãos e paredes e tudo o que não estiver amarrado pode voar a qualquer momento. Tomar banho vira um desafio - é preciso se segurar na barra de apoio, enquanto uma espécie de onda escorrega de um lado a outro do banheiro.

Mesmo com tudo chacoalhando, aguentei dois dias de Drake sem passar mal, com ajuda de maçãs e remédio de cinarizina, e acordei com uma sensação de vitória no dia seguinte. O único que não consegui foi ver Rambo 3, filme usado por oficiais como passatempo. Drake e Rambo juntos me pareceram forte demais.

Estadão
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