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Expedição busca catalogar número de atropelamentos de animais

Pesquisador rodará 25 mil quilômetros em um ano mapeando acidentes com espécies da fauna nativa; além do monitoramento, trabalho quer propor medidas para reduzir os riscos para os bichos

23 dez 2018 - 05h11
(atualizado às 11h35)
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O ecólogo Alex Bager já se acostumou com os olhares de desconfiança toda vez que afirma que cerca de 475 milhões de animais morrem atropelados, em média, por ano nas rodovias e estradas do Brasil. É uma estimativa, mas baseada em estudos científicos e relatos que vêm sendo coletados nos últimos anos. Recentemente, ele testemunhou uma situação "inimaginável", como descreve, que agora o ajuda a ilustrar a estatística.

O pesquisador da Universidade Federal de Lavras (Ufla) dirigia pelo Piauí quando viu um cachorro do mato atropelado. Como tem feito nos últimos meses, ele encostou o carro para registrar a ocorrência. "Era uma estradinha no meio da caatinga, não tinha acostamento, então só consegui parar uns 300 metros para frente. Voltei andando até o cachorro e contei no caminho 101 anfíbios atropelados. Eles são tão pequenos que a gente não vê. Imagina quantas dezenas de milhares posso estar perdendo na viagem?"

Desde agosto, Bager está rodando pelo País em busca da fauna nativa atropelada, principalmente no entorno de unidades de conservação ou em estradas que cortam esses parques. É a Expedição Urubu na Estrada, desenhada para percorrer cerca de 25 mil km em um ano e tornar mais evidente um problema que muitas vezes passa despercebido, como os sapinhos do Piauí.

Para conseguir cumprir um trajeto tão grande, sozinho, em apenas um ano, Bager definiu como metodologia anotar as informações de todos os animais de médio e grande porte que encontrar atropelados no caminho. "Minha velocidade de monitoramento é de 80 km/h e eu registro tudo que for de tatu para cima", explica.

Os anfíbios, portanto, não entrariam no projeto. "Eles são tão pequenos, que não vejo na viagem, mas mesmo se vejo sigo em frente ou não terminaria nunca. Mas ali eu estava a pé e fiz questão de registrar porque foi uma coisa muito forte", conta.

Ele acredita que deve ter ocorrido alguma situação muito adversa para tantos animais estarem mortos num trecho tão pequeno. "Não digo que a cada 300 metros de pista esse tipo de coisa ocorra. Ali deve ter tido alguma conjunção atípica, uma chuva que fez os animais saírem em direção à estrada. Mas ilustra o fato de que a gente nem percebe que está atropelando os bichos pelo País afora."

Urubu map. De fato a perda de animais de médio e grande porte representa a menor parcela dessas mortes - apenas 10%. A maioria das vítimas é de pequenos vertebrados, como sapos, pequenas aves e cobras.

O pesquisador coordena o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), da Ufla, e desde 2014 gerencia o Sistema Urubu, uma plataforma colaborativa por meio é possível enviar informações sobre animais atropelados em rodovias ou ferrovias a partir de um aplicativo no celular. A ideia é que qualquer pessoa pode colaborar: motoristas, pesquisadores, além dos próprios governamentais e as concessionárias.

O registro é enviado ao banco de dados do sistema e classificado pela equipe do CBEE, que identifica a espécie. As informações depois de checadas passam a integrar as estatísticas e compor o urubu map.

O trabalho já rendeu algumas pesquisas. Uma delas revelou que mais de 80% das unidades de conservação do País sofre com algum tipo de impacto de rodovias e ferrovias. Daí a ideia de ver, in loco, esses impactos durante a expedição.

Além de fazer o monitoramento, Bager também tem feito um trabalho com os gestores das unidades, com a população local e até com condutores de turismo. O objetivo é tentar criar, com base nos resultados, estratégias e políticas públicas para evitar os atropelamentos, como a criação de pontes vegetadas para a passagem dos animais, e a colocação de sinalizadores na pista que façam barulho e afastem os bichos.

Cachorro-do-mato. Bager conta que apesar de o monitoramento ainda estar na metade, já foi possível notar algumas características marcantes dos atropelamentos. Cachorros-do-mato (Cerdocyon thous) são as principais vítimas - representam 73% dos registros feitos pelo pesquisador.

A espécie é carniceira e oportunista. Vai para a pista quando tem um outro animal atropelado e acaba sendo pego também. "Não é uma espécie listada como ameaçada de extinção. É um animal até comum, mas essa situação observei me deixou bastante preocupado. Porque ele tem uma taxa baixa de reprodução. Cada ninhada tem apenas um ou dois filhotes. Considerando a quantidade de animais atropelados que vejo, acredito que não há uma taxa de reposição que possa manter a espécie a longo prazo. Talvez em breve comece a aparecer nas listas de animais ameaçados", afirma.

É uma situação parecida com o urubu, outro bicho que frequentemente é visto nas rodovias morto - daí, aliás, de onde vem o nome do aplicativo e da expedição.

Estadão
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