É falso que leite seja remédio natural contra intoxicação por metanol
RECOMENDAÇÃO EM CASO DE SUSPEITA DE ENVENENAMENTO PELA SUBSTÂNCIA É PROCURAR ATENDIMENTO MÉDICO URGENTE
O que estão compartilhando: que beber leite seria um?? remédio natural contra intoxicação por metanol.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Especialistas consultados pela reportagem informaram não haver comprovação científica de que o leite possa combater qualquer intoxicação, inclusive por metanol. A recomendação em caso de suspeita de um quadro dessa natureza é procurar imediatamente atendimento médico.
Saiba mais: no vídeo analisado, uma mulher afirma que, se houver suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve beber um copo de leite logo após os sintomas. Ela acrescenta que então deve se ingerir bastante água e só depois procurar o atendimento médico. Mas esse não é o procedimento recomendado por especialistas e pode ser perigoso à saúde.
A química Rossimiriam Freitas, presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), explica que nada presente no leite é capaz de neutralizar substâncias químicas ou biológicas que promovam intoxicação.
O mesmo diz o médico toxicologista e patologista clínico Alvaro Pulchinelli Jr, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML). Conforme ele, décadas atrás existia o mito de utilizar leite como antídoto universal. Acreditava-se que o líquido protegeria a mucosa gástrica e intestinal de absorção de substâncias tóxicas.
"Isso não se mostrou realidade e ninguém usa leite para intoxicação por metanol", afirmou.
O especialista destaca que reproduzir essa desinformação pode fazer com que pessoas afetadas pelo metanol demorem a procurar auxílio médico com consequências trágicas, incluindo a morte.
O que é intoxicação por metanol?
O assunto virou notícia após o surgimento de casos de intoxicação por metanol decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas adulteradas. Até a noite de segunda, 6, o Ministério da Saúde confirmou 17 casos e divulgou que 200 ocorrências estão em investigação. A maior parte das notificações se concentra no Estado de São Paulo.
Como explicado pelo Estadão, a substância, também conhecida como álcool metílico, é um biocombustível altamente inflamável.
Rossimiriam explica que o metanol (CH3OH) e o etanol (CH3CH2OH) são os álcoois mais simples conhecidos e não podem ser distinguidos um do outro por gosto, cheiro, cor ou viscosidade.
Estruturalmente, são muito semelhantes. A diferença está em como cada um age no organismo humano; o metanol é muito mais tóxico em baixas dosagens. Segundo a especialista, uma dose letal gira em torno de 1-2 mL por quilo de peso corporal.
Após consumido, o metanol é metabolizado em formaldeído, conhecido como formol. Essa transformação é relativamente lenta e poucos sintomas de intoxicação podem ocorrer entre as primeiras 12 e 24 horas. Conforme a especialista, são os mesmos sintomas do consumo de etanol, como embriaguez e euforia.
Ocorre que após a formação do formaldeído ele passa a ser transformado muito rapidamente em ácido fórmico, que é extremamente tóxico para o organismo humano. Nessa fase, os sintomas já incluem visão turva, náuseas, vômitos e cólicas.
A intoxicação por metanol é considerada grave e pode levar a sequelas, como alterações hepáticas, renais e, principalmente, alteração do sistema nervoso central, com destaque à cegueira. Em quadros mais graves, leva ao coma e até à morte.
Como agir em caso de suspeita de intoxicação?
O toxicologista Alvaro Pulchinelli destaca que o normal em um caso comum de embriaguez por etanol é a pessoa ir melhorando aos poucos. Mas na intoxicação por metanol ocorre o contrário: o quadro se agrava com o passar das horas.
Perceber uma piora gradativa, segundo ele, é o bastante para acender o alerta.
"A pessoa pode apresentar sintomas gastrointestinais, frequência cardíaca e respiratória aumentada, e neurológicos, principalmente aqueles ligados à alteração visual", explicou. O médico lembra que, dependendo da gravidade da intoxicação, pode ocorrer cegueira irreversível.
A recomendação em caso de suspeita de intoxicação por metanol, principalmente após o consumo de bebida alcoólica, é procurar imediatamente atendimento médico.
"Não há nada que possa ser feito em casa", alertou. "Não há como alternativa o leite, não adianta tomar grandes quantidades de água para tentar eliminar a substância, não adianta usar nenhum medicamento. Nada disso funciona".
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Como a intoxicação é diagnosticada e tratada?
De acordo com o médico, o diagnóstico é basicamente clínico. Ou seja, é avaliada a história de contato com bebida suspeita seguida de sintomas. Há também exames específicos que podem auxiliar, como dosar o metanol no sangue e na urina em caso de intoxicação aguda.
Rossimiriam explica que, no caso do metanol, o prognóstico é bom se o envenenamento for identificado nas primeiras horas e existem antídotos para combatê-lo.
Um antídoto conhecido é uma substância chamada fomepizol. No dia 4, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 2,5 mil unidades do produto, que não tem fabricação no Brasil.
Outra possibilidade é fazer hemodiálise para remover as substâncias tóxicas antes que elas atinjam os órgãos alvo.