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Impeachment

Marina cobra saída de Temer: é "gerador da crise" também

19 abr 2016 - 23h29
(atualizado às 23h29)
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Marina Silva, fundadora da Rede Sustentabilidade
Marina Silva, fundadora da Rede Sustentabilidade
Foto: Vagner Campos/MSILVA Online/Fotos Públicas / O Financista

A ex-senadora e porta-voz da Rede Sustentabilidade Marina Silva disse, em entrevista exclusiva a O Financista, nesta terça-feira (19), que o Brasil não retomará os trilhos do crescimento se o comando do Palácio do Planalto passar para o vice-presidente da República, Michel Temer.

“O vice-presidente Temer é o gerador dessa crise junto com a presidente Dilma. O PMDB é tão implicado quanto o PT. Existem lideranças do seu partido que estão implicadas no mesmo nível que o ex-tesoureiro do PT (João) Vaccari (Neto), o senador Delcídio (do Amaral) e tantos outros”, diz.

"O impeachment alcança a formalidade e não alcança a finalidade. Não se pode ter a ideia de que uma parte será punida e a outra será ungida ao bastião da moralidade. Ainda que o impeachment seja legal, não é suficiente para resolver os problemas do país", acrescenta a ex-senadora.

Além de defender a realização de novas eleições, Marina afirmou que o país precisa recuperar a governabilidade para conseguir aprovar as medidas necessárias para a retomada do crescimento. “É por isso que nenhum economista sério quer colocar o seu pescoço a prêmio com o atraso na política que a gente tem. A coisa mais importante é buscar uma saída que nos leve a recuperar a possibilidade de avanço na política”, afirma.

Veja, abaixo, as melhores partes da entrevista:

O Financista: Qual é o mais provável desfecho para o impeachment de Dilma?

Marina Silva: Estamos vivendo um momento dramático da história do nosso país. Chegamos a uma profunda crise econômica, política, social, ética e é preciso olhar para esse momento traumático de um segundo impeachment sendo discutido na sociedade brasileira com muita atenção.

Eu tenho repetido que numa democracia e no caso do Brasil está prevista na Constituição a saída de um presidente pela renúncia, pelo impeachment ou pela cassação no TSE.

A renúncia tem legalidade, mas infelizmente não teve a razoabilidade de perceber que esse é um momento dramático e que o projeto de país deve ser maior do que o projeto de poder.

O Financista: E o impeachment?

Marina: O impeachment alcança a formalidade, o impeachment não é golpe. Está previsto na Constituição. Há elementos com bases nas operações de crédito que foram feitas no BNDES, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, na ordem de R$ 70 bilhões entre 2013 e 2015.

Além disso, com as várias denúncias de corrupção que infelizmente o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, tirou do processo, mas que estão expostas para a sociedade brasileira ver, há bases legais para a admissibilidade do impeachment, mas não alcança a finalidade de tirar o país do impacto da crise que nós estamos vivendo.

O Financista: Há quem atribua essa crise política à falta de governabilidade de Dilma. As coisas tendem a melhorar com Temer no comando do Planalto?

Marina: O vice-presidente Temer é o gerador dessa crise junto com a presidente Dilma. O PMDB é tão implicado quanto o PT. Existem lideranças do seu partido que estão implicadas no mesmo nível que o ex-tesoureiro do PT [João] Vaccari [Neto], o senador Delcídio [do Amaral] e tantos outros.

Por isso, digo que o impeachment alcança a formalidade e não alcança a finalidade. Não se pode ter a ideia de que uma parte será punida e a outra será ungida ao bastião da moralidade. Ainda que o impeachment seja legal, não é suficiente para resolver os problemas do país.

O Financista: Qual seria a melhor opção? Cassação da chapa via TSE, seguida de novas eleições?

Marina: Eu estou defendendo isso exaustivamente. O que atinge a finalidade e tem legalidade é o processo no TSE, que poderá devolver a dignidade aos 200 milhões de brasileiros, se comprovado que o dinheiro do petróleo como indica a Lava Jato foi usado para fraudar a eleição de 2014, cassando a chapa de Dilma e Temer e convocando novas eleições.

Repactuar a partir de um programa e da legitimidade do voto uma saída para essa crise, criando um espaço de transição até 2018.

O Financista: Voltando ao Temer, ele vem encontrando resistência de alguns nomes fortes para o mercado financeiro para compor sua equipe econômica. Por que isso estaria acontecendo?

Marina: Joaquim Levy assumiu com uma presidência que tinha acabado de ser eleita com mais de 50 milhões de votos e não foi capaz de implementar uma agenda para tirar o país da crise que o próprio PT e o PMDB causaram. O vice-presidente Temer tem pouco mais de 1% das intenções de voto e apenas 16% acreditam que ele poderá fazer um bom governo.

Imagine o que é começar um governo com apenas 16% de aprovação, em uma sociedade dividida, tensionada e ainda tendo sido parte dos problemas que estão aí. Eles foram responsáveis juntos, porque ganharam juntos, pelos escândalos de corrupção, pelas decisões econômicas que nos levaram a esse precipício. É óbvio que falta legitimidade e credibilidade. A legitimidade será dada por uma nova eleição. Esse caminho tem a formalidade, mas não alcança a finalidade, porque Dilma e Temer são faces da mesma moeda, são irmãos siameses na crise.

O Financista: Na atual situação econômica do país, quais são as medidas que a senhora vê como prioritárias? Que pessoas a senhora colocaria na sua equipe econômica se estivesse à frente do Palácio do Planalto hoje?

Marina: Os projetos de poder foram até as últimas consequências. Não é o momento de nos preocuparmos com eleição. É o momento de encontrar saída para devolver aos brasileiros a possibilidade de escolha. Não sei se serei candidata. Quando comecei a defender a tese de recorrer a novas eleições, eu não estava com nenhuma vantagem nas pesquisas e nem poderia ser candidata.

A melhor saída é o julgamento do TSE e devolver à sociedade o direito de uma escolha. Só a sociedade dará a legitimidade ao novo governo.

O que é mais importante nesse momento para o Brasil não é uma fórmula econômica A ou B. Até porque não vai precisar tirar nenhum coelho da cartola.

O que a gente precisa é criar um processo que nos devolva a governabilidade. Eu dizia desde 2010 que o que levaria o Brasil a perder o que conquistou a duras penas era o atraso na política. Não estamos como estamos por uma catástrofe, por falta de propostas ou por falta de quadros. Estamos aqui por falta de avanço na política. A ideia de projeto de poder pelo poder foi usada até as últimas consequências tanto por parte da oposição quanto do governo.

É por isso que nenhum economista sério quer colocar o seu pescoço a prêmio com o atraso na política que a gente tem. A coisa mais importante é buscar uma saída que nos leve a recuperar a possibilidade de avanço na política.

Hoje a governabilidade é fisiológica e pragmática. É preciso ter uma governabilidade com base em programas, que sejam legitimados pela sociedade.

O Financista: A senhora está falando muito de governabilidade e já deixou claro que isso só será possível com o apoio do povo...

Marina: E com um programa...

O Financista: Sim, com um programa. No caso de novas eleições, o novo governo teria, necessariamente, que seguir o presidencialismo de coalizão, ou a senhora enxerga outra saída?

Marina: Não é mais um presidencialismo de coalização com base na distribuição de pedaços do Estado. É um presidencialismo de proposição, com base em um programa, pelo qual os partidos vão para o governo com base em uma expertise que acumulam.

Nós temos que aprender a institucionalizar conquistas. É uma nova governabilidade que precisa ser criada. E isso será possível com Dilma ou Temer? Obviamente que não. Só será aprofundado o que aí já está, e que já chegou ao limite do absurdo.

O que pode dar possibilidade de uma nova governabilidade é uma nova eleição, em que a sociedade dê um termo de referência. Aliás, a sociedade sempre foi rica ao contribuir com os avanços.

Agora, talvez, seja a hora de a sociedade brasileira integrar, não de maneira setorial, mas de uma ação conjunta, uma série de propostas que sirvam de referência para todos os partidos em uma nova eleição. Quem ganhar, saberá que deve seguir essas propostas. E quem perder saberá que não poderá fazer uma oposição cega, porque também se comprometeu com essas propostas. Esse é o momento de aprendermos com o passado. O que nos trouxe aqui foi uma série de erros e também o fato de termos uma polarização cega entre o PT e o PSDB.

O Financista: Falando de novas eleições, como a senhora avalia a força do ex-presidente Lula nas últimas pesquisas, mesmo envolvido em tantas denúncias?

Marina: Eu prefiro que a gente comece a ter uma lógica com a qual a gente veja qual é a fonte dos problemas. Qual é a força que um projeto tem? Essa lógica em que a gente vê a força de um carisma, e isso é inegável, o presidente Lula é uma força carismática, mas esse mundo completo não vai viver só de carisma. Está surgindo um novo sujeito político no mundo, que não é mais dirigido por um partido político, pelo sindicato, pelo líder carismático.

A sociedade está num processo de ativismo autoral. Esse ativismo autoral é capaz de fazer essas grandes manifestações no mundo e no Brasil. Ou se tem uma atualização da política, para que a gente consiga dialogar com esse novo sujeito político, ou a gente não está aprendendo nada.

As lideranças deste tempo estão conectadas com a crise civilizatória que o mundo está atravessando, e o Brasil faz parte dessa crise? Elas terão que ter uma visão generosa, democrática. Terão que ter, necessariamente, uma visão integradora das diversas contribuições do respeito à alteridade. É disso que o mundo vai precisar cada vez mais. A gente está numa profunda crise.

Aqui no Brasil, ela está exacerbada em fundação da crise política, da crise econômica, mas os dilemas que nós vivemos estão também no mundo, onde são feitos muros e barreiras para que os imigrantes não possam entrar. Os Trumps da vida estão aflorando por toda a parte nos Estados Unidos. É o momento da gente pensar que caminho temos; quais são nossas crenças; quais são os valores que vão nos ajudar, nesse século XXI, a fazer a travessia de um mundo que está cada vez mais insustentável, do ponto de vista econômico, social, político e cultural, para um mundo que seja cada vez mais sustentável, para que a gente construa um mundo socialmente justo, economicamente próspero, politicamente democrático, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável.

Talvez essa crise seja a grande oportunidade, no Brasil, de fazermos uma atualização da política. Que os partidos se reinventem. Que o PT se reinvente. Que o PSDB se reinvente. Que o PMDB se reinvente. Que surjam novas lideranças, mas comprometidas com princípios e valores que nos levem para a sustentabilidade econômica, social, política e ética,

O Financista: Mas quem são essas novas lideranças?

Marina: Estamos dentro de uma crise. Se já tivéssemos as pessoas e as respostas, talvez nem estivéssemos em crise. Obviamente, essas coisas não são gestadas da noite para o dia, mas, se formos capazes de aprendermos com essa crise, podemos sair maiores e melhores.

Talvez, esse Brasil em crise, esse mundo em crise, não seja apenas a questão de achar uma única liderança. Podemos ter várias lideranças. Rever aquela história de que uma pessoa pode ser líder de tudo e ainda ser líder do resto.

O Financista: A senhora falou das novas lideranças, e tem sim uma liderança que vem preocupando muito, que é o deputado Jair Bolsonaro. A senhora teme que essa crise faça com que as pessoas passem a recorrer a lideranças muito mais conservadoras?

Marina: Quando eu falo de novas lideranças eu estou falando de lideranças que dialoguem com os desafios desse século. Com uma agenda que prima pelo respeito a diversidade, à democracia e à sustentabilidade ambiental. É nesse sentido que temos que falar em novas lideranças. Lideranças com agenda do autoritarismo ou do que quer seja a sociedade brasileira vem combatendo.

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