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MP investigará Odebrecht por trabalho escravo em Angola

20 dez 2013 - 15h59
(atualizado às 22h38)
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O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu um inquérito para investigar a empreiteira brasileira Odebrecht pela possível prática de aliciamento para trabalho escravo em Angola
O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu um inquérito para investigar a empreiteira brasileira Odebrecht pela possível prática de aliciamento para trabalho escravo em Angola
Foto: BBC News Brasil

O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu um inquérito para investigar a empreiteira brasileira Odebrecht pela possível prática de aliciamento para trabalho escravo em Angola. A decisão ocorreu após o órgão ter tomado conhecimento de reportagem da BBC Brasil com denúncias de ex-funcionários contra as condições de trabalho numa usina da empresa no país africano. O inquérito está a cargo do procurador do trabalho Rafael de Araújo Gomes, de Araraquara (SP).

Na reportagem, publicada nesta sexta-feira, operários que trabalharam na construção do complexo industrial Biocom, na província de Malanje, relatam ter enfrentado uma série de provações, entre as quais cárcere privado, retenção de passaportes e condições insalubres nos alojamentos.

Ao custo de quase R$ 1 bilhão, o complexo industrial será o primeiro de Angola a produzir açúcar, etanol e eletricidade. O MPT, ógão vinculado ao Ministério Público da União, também investigará as empresas Pirâmide e a Planusi, ambas com sede no interior de São Paulo e que foram subcontratadas pela Odebrecht na construção.

Segundo a assessoria do MPT, o órgão solicitou às empresas informações sobre todos os trabalhadores brasileiros que atuaram na obra. A Biocom diz que a construção conta hoje com 1,8 mil funcionários, entre brasileiros e angolanos.

O órgão diz que também levantará todos os processos trabalhistas movidos contra as empresas pelas supostas más condições na obra. Só em Américo Brasiliense (SP), sede da Pirâmide, tramitam cerca de 60 ações contra as empresas, segundo o advogado José Maria Camos Freitas, que representa um grupo de trabalhadores egressos de Angola.

Freitas diz que os operários foram submetidos a "trabalho análogo à escravidão" no país africano, algo que as empresas negam. A partir da investigação, o MPT decidirá se entrará com ação judicial contra as empresas.

Morte de brasileiro

A investigação tratará ainda da morte do brasileiro Donizetti Francisco Fernandes, que atuava como coordenador da Planusi na obra. O corpo de Fernandes, 55 anos, foi encontrado coberto por queimaduras em 19 de maio em Malanje, cidade a 80 quilômetros da usina. Entre os operários, conta-se que ele foi amarrado e teve o corpo incendiado após uma briga.

Segundo a Biocom, porém, uma investigação policial revelou que Fernandes morreu por causa de "queimaduras diversas após um curto-circuito da geladeira, que provocou um incêndio nas instalações onde se encontrava", fora das instalações da indústria, quando ele estava de folga. Parentes e amigos do operário contestam a versão. Seu corpo, trazido ao Brasil em 30 de maio, foi enterrado em Sertãozinho (SP).

Com inauguração prevista para 2014, o complexo industrial Biocom é uma sociedade entre a Odebrecht (40%), a angolana Damer (40%) e a estatal petrolífera Sonangol (20%). A legislação angolana obriga empresas estrangeiras a se associar com grupos locais em investimentos no setor de biocombustíveis.

Indenização

Em primeira instância, a Justiça tem determinado que os trabalhadores que entraram com ações contra as empresas sejam indenizados. Em decisão recente numa ação movida pelo operário Dilmar Messias da Silva, o juiz federal do trabalho Carlos Alberto Frigieri diz que o empregador "não preparou o ambiente de trabalho para o significativo número de trabalhadores que transportou para Angola, deixando de proporcionar condições mínimas de higiene, tornando o trabalho mais penoso e degradante".

Ele condenou a Odebrecht e a Pirâmide, empregadora direta do operário, a indenizá-lo em R$ 30 mil por danos morais e horas extras não pagas. As empresas, que negam haver qualquer irregularidade na obra, recorreram da decisão e de todas as outras condenações. Os recursos serão analisados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas.

As companhias dizem que as instalações e condições de trabalho na usina atendem às legislações brasileira e angolana. Elas negam as acusações de cárcere privado e afirmam que os seus funcionários visitam cidades próximas com frequência.

De acordo com as empresas, "problemas pontuais" nos refeitórios e alojamentos, como alguns decorrentes de vazamentos no período de chuvas, foram rapidamente sanados.

Confira, abaixo, os principais argumentos que cada empresa apresentou contra as acusações:

Odebrecht

A Odebrecht incumbiu a Biocom de responder em seu nome.

Biocom

"Para a execução do seu projeto industrial, a Biocom efetuou a contratação de empresas que atuam no segmento há diversos anos, com know-how e expertise na construção de outras unidades industriais no Brasil e no mundo.

Cabe salientar que o pagamento de toda e qualquer parcela relativa à prestação dos serviços pela Biocom às subcontratadas exige a apresentação de documentos comprobatórios do recolhimento de encargos sociais e trabalhistas (...).

Também são realizadas na Biocom palestras de integração sobre segurança, saúde e meio ambiente com todos os empregados próprios e terceiros, sendo que possuímos índices extremamente baixos de ocorríencia de acidentes comparado às demais empresas instaladas na região.

A Biocom fornece instalações sociais e condições de trabalho condizentes com o exigido nas legislações angolanas e brasileiras, com alojamentos, refeitórios, EPIs e sanitários condizentes com as Normas Regulamentadoras brasileiras e angolanas. São contratadas empresas especializadas para a realização de serviços de limpeza e manutenção predial, administração de refeitório e segurança patrimonial, e problemas pontuais com relação a esses serviços são identificados e corrigidos de imediato.

Informamos também (...) que não prosperam as alegações de cárcere privado, sendo frequente a ida de empregados de nossas subcontratadas para locais turísticos da região, para a boate local ou confraternização com os empregados da Biocom em seus alojamentos.

Também prestamos apoio no retorno de todos os empregados de nossas subcontratadas que manifestam seu desejo de regressar ao brasil, ao que as passagens são obtidas com o intervalo de poucos dias."

Pirâmide

"A Pirâmide Assistência Técnica atua há 17 anos no mercado, com mais de 1,5 mil empregados (...). A contratação dos empregados (para a obra em Angola) ocorreu em absoluto respeito à legislação trabalhista brasileira. Em momento prévio à celebração do Contrato de Trabalho, foram realizadas palestras de aculturamento em que as condições locais (angolanas) foram expostas aos respectivos candidatos às vagas em aberto, com a apresentação de fotos e vídeos do local de trabalho.

É importante ressaltar que nenhum empregado contratado foi responsável pelo pagamento de quaisquer despesas da viagem (...) Nas instalações da Biocom foram fornecidos meio ambiente de trabalho e social condizentes com as exigências constantes nas Normas Regulamentadoras brasileiras, fato apurado por nosso técnico de SSMA responsável no Projeto. Situações pontuais com relação a problemas nos refeitórios (...) foram imediatamente corrigidas (...).

As empresas contratadas para o fornecimento de refeições sofrem auditorias regulares para se verificar a procedência e a qualidade dos produtos que são utilizados.

Não procedem, também, as alegações de cárcere privado (...) e o trânsito dos empregados na região é livre, sendo que diversos deles optaram por visitar pontos turísticos da região, frequentar a boate do município (...)

Não bastassem tais fatos, vários ex-empregados foram mais de uma vez a Angola, isto é, se canditaram novamente a uma vaga de emprego após ter retornado do pais africano, o que demonstra que as condições de trabalho estavam longe de corresponder ao cenário narrado por alguns destes e, que em termos econômicos a prestação de serviços no país estrangeiro era benéfica.

Todos os empregados que solicitaram seu retorno ao Brasil, independente do motivo, foram atendidos em referido pleito, sem a imposição de cumprimento de qualquer condição precedente. Entretanto, é possível que, em razão de indisponibilidade de passagens para dias específicos, alguns tiveram de aguardar durante alguns dias para verificação da disponibilidade da passagem e obtenção da documentação necessária para a viagem. Ressaltamos, entretanto, que mesmo durante este período não houve qualquer obrigatoriedade de trabalho para qualquer empregado que desejasse o desligamento.

São realizados, quando da contratação e desligamento de empregados da Pirâmide, exames médicos admissionais/demissionais, situação em que, quando constatada qualquer doença decorrente do exercício profissional, são oferecidas todas as garantias e proteções oferecidas por lei aos empregados.

Não é permitida a prática, entre os empregados da Pirâmide ou dentro das instalações da Biocom, de qualquer tipo de comércio de bens ou produtos (...)."

Planusi

"A Planusi mantém com regularidade, nas instalações da Biocom, apenas um Coordenador de Obras que faz a interface entre as partes (Planusi e Biocom), e essa contratação foi feita respeitando-se a legislação trabalhista brasileira. Vale ressaltar que quaisquer despesas de viagem (...) são, e sempre foram da responsabilidade da Biocom, não cabendo a nosso colaborador qualquer custo (...).

As instalações da Biocom estão de acordo com as exigências constantes nas Normas Regulamentadoras brasileiras. (...) As empresas contratadas para o fornecimento de refeições sofrem auditorias regulares para se verificar a procedência e a qualidade dos produtos que são utilizados. (...)

Jamais tivemos conhecimento ou sequer soubemos de alguma alusão sobre alegações de cárcere privado. A segurança patrimonial é realizada por prestador de serviços especializado e o trânsito dos empregados na região é livre. Prova disso é que a morte do nosso coordenador de obras Sr. Donizete veio a acontecer acidentalmente, fora das instalações da Biocom, fora do horário e dia de trabalho (final de semana) na província de Malanje (distante aproximadamente 80 quilômetros) onde, conforme consta do documento oficial emitido pela Direção Provincial de Investigação Criminal do Comando Provincial de Malanje, ele e outros amigos estavam a passeio, com objetivo de recreação e lazer. (Entendemos que esse fato, por si só, demonstra o quão livre é o trânsito dos funcionários, e descaracteriza a alegação de cárcere privado).

(...)Temos conhecimento de que todos os colaboradores sempre foram/são atendidos quanto a possível manifesto do desejo de retornar ao Brasil, independente do motivo, sem a imposição de cumprimento de qualquer condição precedente. Só se faz necessária a espera quando há indisponibilidade de passagens para os dias escolhidos, ou para a obtenção da documentação necessária para a viagem.

Informamos também que todo funcionário de nossa empresa, no ato da contratação e desligamento, assim como periodicamente, é submetido a exames médicos (admissionais/periódicos/demissionais), situação em que, se constatada qualquer doença decorrente do exercício profissional, oferece-se toda a assistência e proteção garantidas por lei.

(...)Ressaltamos que estão disponíveis para consulta de vossa reportagem os respectivos comprovantes de pagamento de todos os encargos trabalhistas, incluindo as verbas rescisórias de nossos colaboradores que prestaram ou prestam serviço nesta obra em Angola."

W Líder

"A respeito do email enviado por Vossa Senhoria noticiando a publicação da matéria referente a denúncias feitas por funcionários que trabalharam na construção do complexo Biocom, localizado na província de Malanje, tem a empresa W Líder Montagens Industriais a esclarecer:

- não houve descumprimento de acordos trabalhistas;

- não houve maus tratos;

- os trabalhadores em nenhum momento foram submetidos às condições degradantes de trabalho análogo à escravidão;

- as condições de trabalho, alojamento e refeição não eram precárias;

- não é fato verdadeiro de que trabalhadores adoeceram na obra em razão das péssimas condições de trabalho;

- não é fato verdadeiro de que os trabalhadores eram proibidos de deixarem o local de trabalho por seguranças armados;

- não é fato verdadeiro de que havia brigas frequentes na obra.

Registra-se, ainda, que esta empresa não só cumpriu como fez cumprir todas as normas de segurança e medicina do trabalho. A integridade física e psicológica de todos os colaboradores desta empresa foi preservada."

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