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Covid-19: Brasil deveria ter priorizado CoronaVac ou Pfizer para gestantes, dizem médicas e cientistas

Anúncio de paralisação das campanhas de vacinação contra o coronavírus em grávidas é alvo de críticas de especialistas. Entenda como fica a situação dessas mulheres e quais as orientações para aquelas que já receberam uma dose.

11 mai 2021 - 18h55
(atualizado às 21h04)
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Após notificação de possível evento adverso, uso da vacina de AstraZeneca/Oxford está suspenso em grávidas — com exceção daquelas com comorbidades
Após notificação de possível evento adverso, uso da vacina de AstraZeneca/Oxford está suspenso em grávidas — com exceção daquelas com comorbidades
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A notícia de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou paralisar uso da vacina AZD1222, da AstraZeneca e Universidade de Oxford, em grávidas caiu como uma bomba.

Sem maiores orientações, gestores de saúde de estados e municípios brasileiros decidiram suspender o uso desse imunizante nas mulheres que esperam um bebê e nas puérperas, aquelas que deram à luz há menos de dois meses.

Em alguns locais, o bloqueio das campanhas foi ainda mais drástico: no Rio de Janeiro, por exemplo, nem as vacinas CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan) e Cominarty (Pfizer/BioNTech) poderão ser aplicadas nas gestantes até segunda ordem.

No fim da tarde de terça-feira (11/5), o Ministério da Saúde fez uma entrevista coletiva na qual anunciou a interrupção temporária da vacinação contra a covid-19 em gestantes e puérperas — mantendo apenas a imunização com doses da Coronavac e da Pfizer para aquelas que têm comorbidades.

Dados apresentados mostraram que 22.295 gestantes já foram vacinadas no país, embora não tenha sido esclarecido se com uma ou duas doses. Foram relatados 11 eventos adversos graves nestas mulheres — casos em que há suspeita de relação com a vacinação e investigados pelas autoridades.

Entre estes 11 casos, está o da gestante do Rio de Janeiro que faleceu e motivou a interrupção temporária. Ele é considerado suspeito pois ainda não foi demonstrada uma causalidade entre vacinação e a trombose trombocitopênica que levou à morte.

Franciele Francinato, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), afirmou que esses e outros dados mostram que a vacina da Astrazeneca é em geral eficaz e segura, representando maiores benefícios do que riscos, por exemplo, para gestantes com comorbidades.

"Destaco aqui que é por que aconteceu esse evento raro, é uma cautela que o Programa Nacional de Imunizações tem, até fechamento do caso", disse Francinato sobre o óbito no Rio de Janeiro, de uma mulher de cerca de 35 anos, cuja identidade não foi divulgada.

A decisão dos governos foi recebida com muitas críticas por médicas e cientistas ouvidas pela BBC News Brasil. Algumas chegaram a classificar a situação como "catastrófica".

"É muito fácil suspender uma vacina diante de um primeiro evento supostamente adverso e não pensar nas repercussões que essa medida vai ter sem uma campanha de esclarecimento, sem oferecer de imediato uma alternativa que já poderia ter sido planejada desde o começo", aponta a ginecologista e obstetra Melania Amorim, professora da Universidade Federal de Campina Grande.

"Essa paralisação é inadmissível. De cada dez mulheres grávidas que morrem por covid-19 no mundo, oito são brasileiras", estima a especialista em políticas públicas de saúde Michelle Fernandez, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

A avaliação é que toda essa dor de cabeça poderia ter sido evitada se o Ministério da Saúde tivesse tomado algumas precauções e feito uma campanha de comunicação centralizada e mais clara, avaliam as especialistas.

O seguro morreu de velho

Nas primeiras versões do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, o Ministério da Saúde não incluía as gestantes e as puérperas entre os grupos que receberiam as doses antes dos demais cidadãos.

Mas uma atualização no documento publicada no dia 27 de abril passou a incluir essas mulheres entre as prioridades.

A decisão acatou as demandas de diversas entidades, que alertavam para o maior risco que esse público corria — as evidências apontam que grávidas com covid-19 têm um risco maior de agravamento e necessidade de intubação quando comparadas às mulheres da mesma idade que não esperam um filho.

Estudos indicam risco aumentado de complicações da covid-19 entre as gestantes
Estudos indicam risco aumentado de complicações da covid-19 entre as gestantes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Esse panorama é ainda mais complexo no Brasil, que apresenta a maior taxa de mortalidade materna por covid-19 no mundo.

"O problema é que a falta de coordenação central sobre a vacinação foi a tônica desde o início. Quando as gestantes foram incluídas no planejamento, os estados começaram a vacina-las seguindo critérios próprios", rememora Amorim, que também integra a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras.

"Alguns estados imunizaram todas as gestantes. Outros, só aquelas que apresentavam comorbidades. Um terceiro grupo nem iniciou a imunização delas", completa.

Além da falta de uma orientação uniforme para todo o Brasil, a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, destaca que o Ministério da Saúde poderia ter indicado o uso específico apenas da CoronaVac ou da Pfizer para esse público.

"A chegada das primeiras 1 milhão de doses da vacina de Pfizer/BioNTech aconteceu no mesmo momento em que as grávidas foram incluídas no programa de imunização brasileiro. Esse lote deveria ter sido totalmente direcionado para essas mulheres", avalia.

"É claro que a quantidade não seria suficiente, mas poderíamos ter usado também a CoronaVac", conclui.

Mas quais seriam os problemas da vacina AZD1222 neste grupo? Será que faz sentido interromper seu uso durante os nove meses de gestação?

Risco mínimo, mas que precisa ser levado em conta

O uso da vacina de AstraZeneca e Oxford em larga escala revelou que ela está relacionada ao efeito colateral raríssimo que é a trombose trombocitopênica.

Em linhas gerais, o imunizante pode levar a uma reação imune que altera o sistema de coagulação do sangue e favorece o surgimento de trombos, que interrompem a circulação, especialmente nos vasos que irrigam o cérebro ou o sistema digestivo.

Mas, como dito acima, a probabilidade de isso ocorrer é baixíssima: de acordo com as últimas informações, esse evento adverso atingiria cerca de 0,0004% de quem toma essa vacina.

A título de comparação, o risco de desenvolver trombose como uma complicação em quadros de covid-19 grave fica na casa dos 16,5% — ou seja, é 41 mil vezes maior.

Vacina de AstraZeneca e Universidade de Oxford é utilizada em larga escala nas campanhas em andamento no Brasil, no Reino Unido e em diversos outros países
Vacina de AstraZeneca e Universidade de Oxford é utilizada em larga escala nas campanhas em andamento no Brasil, no Reino Unido e em diversos outros países
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Num momento de pandemia, com alta transmissibilidade de um vírus potencialmente fatal, as agências regulatórias de todos os países levam em conta o risco-benefício da aprovação de um novo produto: está mais do que claro que a probabilidade de morrer por covid-19 é infinitamente superior ao efeito colateral dessa vacina, que é utilizada em vários lugares do mundo, incluindo Brasil, Reino Unido e boa parte da Europa.

E, no caso do Rio de Janeiro, ainda não se sabe se o óbito se relaciona diretamente ao imunizante.

"As pessoas precisam entender que nem tudo que acontece após a vacinação é causado pela vacinação", esclarece a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

É necessário ter em mente que a própria gestação favorece o aparecimento de tromboses: estima-se que esse problema afete entre uma e duas mulheres a cada mil grávidas, independentemente de qualquer vacina.

Esse caso específico, notificado no Rio de Janeiro, tem a ver com a AZD1222? Ou ele foi causado por um quadro de covid-19? Ou será que foi um efeito da própria gravidez?

Por ora, ninguém sabe ao certo. Só uma investigação científica aprofundada poderá esclarecer esses fatos e determinará o andamento da campanha nas próximas semanas.

Um pouco mais de segurança

É importante dizer que os testes clínicos que servem de base para a aprovação das vacinas geralmente não incluem grávidas entre os voluntários.

Isso vale, inclusive, para os estudos dos produtos que previnem a covid-19: nenhum deles avaliou como as doses agiriam no organismo dessas mulheres.

Isso é esperado, uma vez que o período de nove meses do desenvolvimento do bebê costuma ser marcado por uma série de mudanças no corpo, que exigem maior cuidado e atenção.

Mas como então se sabe se os imunizantes serão seguros e eficazes neste grupo?

"Quando a vacina já está aprovada e em uso, acontece de gestantes serem vacinadas inadvertidamente. Esses casos são notificados e acompanhados pelas autoridades sanitárias, que observam o aparecimento de eventos adversos ou não", conta Ballalai.

Isso permite indicar com mais segurança determinado produto para elas.

Gestantes não costumam fazer parte dos voluntários nos testes clínicos de novas vacinas
Gestantes não costumam fazer parte dos voluntários nos testes clínicos de novas vacinas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um outro caminho é realizar estudos clínicos com as gestantes depois que a vacina já está sendo usada em larga escala em outros grupos.

E foi justamente isso que ocorreu com a Cominarty: um trabalho coordenado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, analisou dados de mais de 35 mil gestantes americanas de 16 a 54 anos, que receberam as duas doses da vacina desenvolvida por Pfizer e BioNTech.

Os resultados preliminares, publicados no final de abril no periódico New England Journal of Medicine, não indicam qualquer preocupação com efeitos colaterais do imunizante nesse público em específico.

Já no caso da CoronaVac, outra opção disponível na campanha brasileira, ainda não existem pesquisas do tipo.

Mas as cientistas ouvidas pela BBC News Brasil entendem que a experiência prévia com outros imunizantes que usam a mesma tecnologia dá mais segurança para seu uso em gestantes.

"A CoronaVac é feita a partir de vírus inativados. Trata-se do mesmo princípio de outras vacinas, como a que protege contra a gripe, utilizada há muitos anos em gestantes", aponta Maciel.

Cenário internacional

A vacinação contra a covid-19 na gravidez levanta uma série de dúvidas não só no Brasil, mas no mundo todo.

Em linhas gerais, a orientação é que essas mulheres podem receber as doses com segurança.

Nos Estados Unidos, o CDC afirma que, "com base em como as vacinas atuam no corpo, os especialistas acreditam ser improvável que elas representem um risco para as pessoas que estão grávidas. No entanto, existem dados limitados sobre a segurança das vacinas contra a covid-19 nessas mulheres".

A orientação das entidades americanas é conversar com o médico e tomar a decisão com base nos riscos e nos benefícios.

No Reino Unido, as diretrizes seguem a mesma tendência: "As vacinas de Pfizer/BioNTech e Moderna são as mais indicadas para mulheres grávidas. Qualquer pessoa que já tenha iniciado a vacinação e vá receber uma segunda dose durante a gravidez deve tomar a mesma vacina, a menos que tenha tido um efeito colateral sério após a primeira dose."

Já a Organização Mundial da Saúde reconhece que existem poucos dados disponíveis sobre o uso de imunizantes contra a covid-19 em gestantes e pede estudos mais conclusivos antes de lançar suas próprias recomendações sobre o tema.

O que fazer agora?

É óbvio que toda essa discussão das últimas horas causou agonia em muitas gestantes e seus familiares.

Aquelas que já receberam a primeira dose da AZD1222 precisam se preocupar ou fazer algo?

Na entrevista coletiva de terça-feira, representantes do Ministério da Saúde afirmaram que em breve deverá ser publicada uma nota técnica com orientações detalhadas para diferentes situações.

O momento é de calma — como dito anteriormente, pelo que se sabe até agora o risco de uma trombose é baixíssimo.

"É importante que a gestante que foi vacinada fique atenta aos sintomas e procure o serviço de saúde se estiver com incômodos cerebrais ou abdominais, como dor persistente", orienta Amorim.

Esses sintomas costumam ocorrer entre três e 21 dias após a vacinação e não devem ser confundidos com a reação normal do organismo após receber a dose, que inclui dor no local da aplicação e febre baixa.

Na dúvida, converse com o profissional de saúde que acompanha a gestação para receber orientações personalizadas.

Mesmo na pandemia, é essencial fazer o pré-natal e todos os exames de acompanhamento
Mesmo na pandemia, é essencial fazer o pré-natal e todos os exames de acompanhamento
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas e o que vai acontecer com a segunda dose em gestantes? Será necessário voltar para tomar o reforço da vacina de AstraZeneca e Universidade de Oxford?

Essa questão ainda não tem uma resposta.

Há dois caminhos possíveis a seguir.

Uma opção é completar a proteção com a própria AZD1222. "Se a mulher não teve efeito colateral na primeira dose, a probabilidade de ter alguma coisa na segunda diminui consideravelmente", diz Maciel.

A segunda alternativa é usar outro tipo de vacina, a despeito da falta de evidências sobre essa "mistura".

"É provável que as gestantes recebam a segunda dose da CoronaVac ou da Pfizer", antevê Ballalai.

Falta de coordenação

Independentemente da decisão, as especialistas consideram que as decisões de interrupção poderão ter um efeito negativo na evolução da campanha de vacinação contra a covid-19, especialmente entre as grávidas.

"O prejuízo é enorme, porque abala ainda mais a confiança da população nas vacinas e nas autoridades de saúde", estima Ballalai.

E a falta de ações organizadas e lideradas pelo Ministério da Saúde é outro ponto que contribui para essa erosão.

"O Brasil sequer tem uma comunicação bem feita sobre a vacinação contra a covid-19. A população não sabe quando vai tomar as doses, quais são os requisitos, e isso se repete com o avançar de cada fase da campanha", critica Fernandez.

"Todo esse problema catastrófico pode ser atribuído a essa descoordenação geral e, infelizmente, ao fato de que a saúde materno-infantil e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres não são prioridade para nossos governantes", complementa Amorim.

A reportagem da BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde para ter um posicionamento oficial a respeito do assunto, mas até a publicação desta reportagem não havia recebido nenhuma resposta.

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