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Tragédia em Santa Maria

RS: depoimento de namorada de sócio da Boate Kiss termina em tumulto

22 nov 2013 - 16h28
(atualizado às 16h43)
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<p>Nathalia Daronch, namorada de Elissandro Spohr, o Kiko, se prepara para prestar depoimento em Porto Alegre</p>
Nathalia Daronch, namorada de Elissandro Spohr, o Kiko, se prepara para prestar depoimento em Porto Alegre
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Pela primeira vez desde a tragédia da Boate Kiss, ocorrida em janeiro de 2013 em Santa Maria (RS), familiares de vítimas puderam ficar frente a frente com Elissandro Spohr, o Kiko, um dos sócios da casa noturna. Ele acompanhou nesta sexta-feira o depoimento da namorada dele, Nathalia Daronch, em Porto Alegre. Quase no final da audiência, durante a tarde, pais e mães se insurgiram contra o advogado Jader Marques, que defende Kiko, e provocaram um tumulto. Resultado: o depoimento de Nathalia terminou sem público, pois o juiz Ulysses Fonseca Louzada solicitou que todos - inclusive a imprensa - deixassem a sala de audiências da 1ª Vara do Júri da capital gaúcha. 

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Nathalia foi ouvida por meio de carta precatória. Os trabalhos foram presididos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada, titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Na plateia, estavam 12 familiares de vítimas do incêndio que causou a morte de 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas, na madrugada de 27 de janeiro deste ano.

Nathalia chegou para depor ao lado de Kiko e do advogado de defesa dele, Jader Marques. O sócio da Kiss, quando entrou na sala de audiências, acabou passando despercebido pelos familiares de vítimas que esperavam autorização dos seguranças para entrar. Com alguns quilos a mais e usando óculos, Elissandro Spohr se sentou ao lado de Jader e ficou impassível durante o depoimento.

Nathalia contou que, no dia do incêndio, estava grávida de quatro meses. Ela disse que chegou com Kiko na Kiss entre 1h e 1h30, e logo se dirigiu para a área VIP. Antes do incêndio, a garota teria ido para o hall de entrada com Kiko depois de uma confusão envolvendo um rapaz embriagado - o jovem teria batido com o cotovelo na barriga de Nathalia, o que fez com que fosse expulso.

Logo que a confusão começou, Nathalia saiu da boate e ficou da calçada, do outro lado da rua dos Andradas. Durante o tempo em que ficou lá, ela pôde ver o trabalho dos bombeiros. Nathalia relatou que chegou a ver um bombeiro sentado na frente da boate. "Mas o que mais me chocou foi ver aquela mangueira dos bombeiros jogando jatos de água em quem tentava sair", disse.

"É difícil aceitar uma coisa dessas, porque tudo está em cima do Kiko. Pintaram os sócios como monstros. Acho muito injusto. A gente se pergunta: como isso pôde acontecer? Acho muito injusto", afirmou ela.

A namorada de Kiko, que hoje tem uma filha com o empresário, ainda ressaltou que a espuma foi colocada por orientação de um engenheiro, e que o sócio da Kiss era contra a ideia. "O engenheiro vendia essa espuma uma época, uns dois anos antes de indicar essa espuma. Indicou até onde poderia comprá-la", disse ela. E acrescentou: "o engenheiro falou que só resolveria o problema (acústico) com a espuma. O Kiko era bastante resistente a usar a espuma."

Sobre o uso de artefatos pirotécnicos na Kiss, Nathalia afirmou que nunca viu outra banda usando esses artifícios antes da tragédia. Na passagem de som da banda Gurizada Fandangueira, antes da noite trágica, os músicos não teriam mostrado ou informado que usariam fogo. Em outra ocasião, ela garantiu que Kiko não deixava as bandas usarem artefatos pirotécnicos.

Nathalia ainda falou sobre a sinalização de emergência. "Era visível que tinha uma placa de saída bem grande e tinha luzes sinalizando", disse. A defesa veemente de Kiko fez o promotor Jorge Alberto dos Santos Alfaya, representante do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS), fazer uma crítica ao depoimento de Nathalia, mencionando que a vítima tinha sido "orientada" pela defesa de Kiko, o que gerou um curto bate-boca com o advogado Jader Marques.

As respostas de Nathalia também provocaram a indignação de familiares de vítimas, que se manifestavam com alguns comentários. Ela chegou a ser chamada de "periguete" durante um intervalo perto do meio-dia, o que, na volta, levou o juiz a pedir a colaboração dos parentes. O depoimento da jovem começou às 10h30 de sexta, foi pausado por 15 minutos por volta do meio-dia e depois foi até 2h40, terminando com perguntas direcionadas do advogado Jader Marques para que Nathalia isentasse Kiko de qualquer responsabilidade e dissesse que a colocação da espuma foi feita por exigência do Ministério Público.

A namorada de Kiko resumiu ainda que, na opinião dela, a culpa pelo que aconteceu foi dos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização. "Todos os órgãos, prefeitura, bombeiros, Ministério Público, estiveram lá e passaram pela mesma porta. Se tu abre uma casa noturna e os órgãos públicos liberam, tu acha que está tudo ok", disse.

Revoltada com a defesa veemente que Nathalia fazia de Kiko, Vanda Dacorso - mãe de Vitória Dacorso Saccol, 22 anos, morta na tragédia -, jogou moedas em direção a ela e se retirou da sala. Logo depois, Maria Aparecida Neves - mãe de Augusto Cezar Neves, que foi vítima na tragédia aos 19 anos -, reclamou do advogado Jader Marques. Em seguida, outros pais também se levantaram e reclamaram.

Então, o juiz paralisou a audiência e pediu que todo mundo deixasse a sala, para que Nathalia pudesse terminar seu depoimento, que durou quase cinco horas. Mesmo com o incidente, o juiz disse que não vai proibir os familiares de comparecerem às audiências, como pedia o defensor de Kiko. Já o advogado Omar Obregon, que defende o vocalista da Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, opinou para que as audiências continuem livres.

Santos, que também é réu no processo, acompanhou a audiência. Também estiveram participaram o advogado Mario Cipriani, defensor do sócio da Kiss Mauro Hoffmann, e o colega Gilberto Weber, representante do roadie da banda, Luciano Augusto Bonilha Leão, além dos assistentes de acusação Jonas Stecca, Vinicius Jensen e Rodrigo Dias.

Inicialmente, Willian Renato Machado, sobrinho de Kiko, também daria depoimento nesta sexta-feira em Porto Alegre, mas ele está viajando e a audiência foi adiada para a próxima sexta-feira, dia 29 de novembro. Ele também será ouvido como vítima.

O magistrado aguarda uma resposta da defesa de Elissandro Spohr para saber se ela ainda quer ouvir os 24 sobreviventes que tiveram seus endereços encontrados pela Polícia Civil. Todos essas vítimas haviam sido listadas pelos advogados de Spohr. São 21 vítimas com residência em Santa Maria e três que seriam ouvidas por carta precatória. Dependendo da resposta, o juiz pode marcar audiências para ouvir mais sobreviventes ainda em dezembro.

Mesmo que os defensores de Kiko desistam dessas vítimas, ainda devem ser ouvidas pelo menos duas em Santa Maria. Uma vítima já deveria ter dado depoimento no dia 25 de setembro, mas não foi encontrada. Por isso, o juiz pediu que fosse enviado um ofício ao Cartório Eleitoral, para que informe o endereço dela.  Outro depoimento que deve ser marcado é o de um sobrevivente que seria ouvido em Quaraí (RS) no mês passado, mas mudou-se para Santa Maria. 

Pela ordem normal do processo, as testemunhas de acusação e defesa devem dar depoimentos depois que todos os sobreviventes forem ouvidos. Nessa fase, devem dar depoimentos cerca de 70 pessoas. Ainda não há data prevista para essas audiências.

Respondem ao processo criminal pelas 242 mortes e os mais de 600 feridos os sócios da Kiss Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o Maurinho, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista, Marcelo de Jesus dos Santos, e o roadie, Luciano Bonilha Leão. Eles são acusados por homicídios qualificados com dolo eventual (doloso) e tentativas de homicídio qualificado. Todos os quatro réus estão em liberdade.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Terra
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