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SP: hospital e creche fecham e 2,2 mil ficam sem atendimento

28 jun 2014 - 08h54
(atualizado às 08h55)
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Cerca de 400 pacientes ficaram sem atendimento hospitalar e 1,8 mil crianças deixaram de ser recebidas nas creches de São José do Rio Preto (SP) nesta sexta-feira. Isso ocorreu porque o Instituto Espírita Nosso Lar (Ielar), entidade filantrópica, decidiu fechar o Hospital Ielar e encerrar as atividades dos projetos sociais que mantém no município, entre eles escolas infantis que funcionam como creches e abrigos para crianças e adolescentes vítimas de violência.

Um dos principais que atendem pelo Serviço Único de Saúde (SUS) no município, o Hospital Ielar faz 6,5 mil atendimentos por mês, entre consultas, exames, cirurgias, internações e atendimentos de urgência e emergência, sendo 90% pelo SUS. Sem aviso prévio, o fechamento pegou centenas de pacientes de surpresa. Pela manhã, houve tumulto na porta do hospital com pacientes que deixaram de ser atendidos.

“Estou com a perna quebrada e tinha de retirar o gesso, mas cancelaram a consulta, disseram que não poderiam atender e me pediram para procurar uma Unidade Básica de Saúde da prefeitura”, contou Leandro Cristiano Araújo, que deveria retirar a atadura nesta sexta-feira.

“Eu tinha um exame marcado, fiquei de jejum, mas não adiantou nada”, contou a dona-de-casa Maria Aparecida Souza. “Me disseram que o hospital não recebe pelos serviços e por isso teve de parar o atendimento”.

Além do hospital, três escolas infantis que servem de creches também fecharam ontem. “Fomos pegos de surpresa. Levei minha filha lá, mas tive de voltar. Como minha mulher também trabalha, e eu não podia faltar no meu trabalho, tive de deixá-la com minha vizinha, mas para segunda-feira não sei como vou fazer, ainda bem que tem sábado e domingo para eu tentar achar uma solução”, contou o metalúrgico Rodrigo Eduardo dos Santos. “Eles deveriam pelo menos ter avisado a gente que não receberiam as crianças hoje”, afirmou.

Em nota, a prefeitura informou que recebeu o aviso de fechamento do Ielar às 12h30 e que estuda a contratação de outros prestadores de serviços, tanto para atendimento na Saúde como na Educação. O hospital fornece à prefeitura cerca de 900 profissionais, entre médicos, enfermeiros e agentes de saúde, que trabalhavam nas unidades de saúde do município, por meio de convênio de terceirização para fornecimento de pessoal. Além disso, o Ielar fazia, por meio de outro convênio, atendimentos diretos, no próprio hospital, de procedimentos de baixa e média complexidades, como cirurgias e exames, além de internação e atendimento de urgência e emergência.

A transferência desse atendimento é o que mais preocupa as autoridades porque os outros dois hospitais que prestam atendimento pelo SUS, o Hospital de Base e Santa Casa, dificilmente vão aceitar a transferência devido aos prejuízos que a baixa e média complexidades acarretam.

Precariedade

De acordo com o advogado Emílio Petreca, o hospital deveria manter apenas 80 pacientes internados até que vagas em outros hospitais fossem abertas para recebê-los. Segundo ele, o Ielar não tem condições de atender mais nenhum paciente porque não tem nem mesmo materiais simples de consumo e para procedimentos cirúrgicos, como fio cirúrgico, gaze, seringas e remédios para dor.

“Não há nem mesmo comida para alimentar nossos doentes, falta arroz, falta carne”, afirmou. Segundo ele, sem receber dívidas atrasadas, os fornecedores decidiram não entregar mais produtos ao hospital. “Não temos dinheiro nem para fornecedores e nem para pagar os salários do nosso pessoal”, afirmou. Cerca de 80 funcionários do hospital fizeram protesto, paralisando a principal avenida da cidade, no final da tarde desta sexta.

Dívidas

Petreca disse que a situação é reflexo de um endividamento que chega a R$ 22 milhões, se forem computados os financiamentos que o hospital fez nos bancos particulares no decorrer dos anos para cobrir defasagens entre os custos de atendimento e os repasses públicos. “O total de repasse para pagamentos dos serviços do SUS gira em torno de R$ 700 mil a R$ 800 mil mensais, valor que não dá para cobrir todas as despesas, que chegam a R$ 1,5 milhão”, diz Petreca.

Segundo ele, o hospital vinha fazendo remanejamentos entre os convênios para cobrir as despesas, mas chegou a um ponto que nem isso permitiu a continuidade do atendimento. Petreca diz que a situação começou a ser agravar quando a Prefeitura passou a cobrar por complementos da tabela, que eram feitos pelo município, a título de repasse, desde 2011.

“Como havia essa defasagem, a prefeitura concordou em repassar um valor a mais, todo mês, a título de complementação, porque só assim seria possível viabilizado o atendimento”, contou. Mas, recentemente, a prefeitura passou a cobrar pelos complementos, que segundo ele, seria um total de R$ 6,5 milhões. “Acontece que agora a Prefeitura quer receber R$ 8,8 milhões dizendo que foi um empréstimo”, contou. “Não existe empréstimo, esse repasse era uma complementação, a prefeitura sabe disso e nós não podemos pagar o que não devemos”, afirmou.

A prefeitura chegou a pedir que o Ielar confessasse a dívida, que seria, então parcelada em 60 meses. “Mesmo que a gente confessasse uma dívida que não devemos, a gente teria de pagar mais R$ 180 mil por mês, o  que inviabiliza por completo o atendimento”, afirmou.

Petreca disse que o Ielar apresentou um a proposta para aumentar o teto do hospital, com a ampliação dos serviços para atendimentos de média e alta complexidade que dão lucro, ao contrário dos atendimentos de baixa e média, que dão prejuízo. “Com os atendimentos de alta e média, poderíamos aumentar o teto de recebimento e assim poderíamos parcelar a pagar a dívida, mas a prefeitura não aceitou”, afirmou. “Então, nossa única saída foi fechar o atendimento do hospital e como só temos um CNPJ para nossa instituição, tivemos de fechar todos os serviços que fazemos, inclusive os assistenciais e o atendimento a pacientes particulares”, explicou.

Inquérito no MPF

Os problemas na gestão de recursos do SUS entre a Prefeitura e o hospital terceirizado são questionados há anos pelo Conselho de Saúde de Rio Preto e também relatado em inquérito que tramita no Ministério Público Federal (MPF).

De acordo com o presidente do Conselho, Rogério Vinicius dos Santos, o Ielar e a Prefeitura foram alertados por diversas vezes sobre problemas na prestação de contas com as verbas do SUS. No entanto, segundo ele, nem Ielar nem Prefeitura abriram os números para fiscalização.

“Uma das situações foi o emprego, pelo hospital, de 13 funcionários, pagos pelo SUS, que prestavam serviços particulares no hospital. Em um ano, isso gerou uma dívida de R$ 1,5 milhão”, diz Santos.

Ele disse suspeitar que o hospital tenha desviado os recursos destinados ao pagamento dos 900 profissionais terceirizados para pagamento dos outros serviços prestados ao SUS. O remanejamento de despesas, segundo o advogado do hospital, era feito para que o Ielar tivesse condições de manter o atendimento.

Nota da prefeitura

A Prefeitura de Rio Preto divulgou nota dizendo que só ficou sabendo da suspensão do Ielar  às 12h45 e que está procurando prestadores de serviços na área de saúde e educação para dar atendimento à população prejudicada.

Segundo a nota, “os repasses à instituição, com base em convênio para prestação de serviços, têm sido realizados normalmente”. A nota diz que a Prefeitura “notificou o Instituto para que prestem contas ou devolva o valor de R$ 8,8 milhões repassados à instituição, que não constam em prestação de contas”, e acrescenta: “O prazo se encerrou ontem (quinta-feira) e nenhuma justificativa foi dada, sendo que a Prefeitura ingressou com uma ação de cobrança ordinária contra a instituição”.

Fonte: Terra
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