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Pesquisador: Jogos Olímpicos não têm culpa pela crise no Rio

Lamartine DaCosta, ex-pesquisador do COI, diz que Rio 2016 não causou nem intensificou problemas do estado, que passa por grave crise.

4 ago 2017 - 13h17
(atualizado às 14h41)
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Um ano após o início dos Jogos Olímpicos do Rio, o governo do estado passa por uma grave crise financeira.
Um ano após o início dos Jogos Olímpicos do Rio, o governo do estado passa por uma grave crise financeira.
Foto: Getty Images

Um ano após o início dos Jogos Olímpicos do Rio, o governo do Estado passa por uma grave crise financeira. Mas, para Lamartine DaCosta, ex-pesquisador do Comitê Olímpico Internacional (COI), a Rio 2016 não é a causa dos atuais problemas. Mas ele afirma também que os Jogos realizados na cidade foram os últimos de um modelo ultrapassado.

"As despesas com relação às instalações foram muito pequenas, e isso não teve um grande significado na economia global do Estado e da cidade", afirmou DaCosta, que também é professor de gestão do esporte na Uerj, em entrevista à DW Brasil. "A não despoluição da Baía de Guanabara foi o erro gravíssimo dos Jogos de 2016, e nisso realmente cabem críticas muito sérias."

DW: Um ano após o início dos Jogos Olímpicos, valeu a pena o Rio de Janeiro sediar o evento?

Lamartine DaCosta: Claro que sim. As despesas gerais não atingiram 30 bilhões de reais, e a maior parte foi investida em transportes que estão funcionando muito bem e mudando os hábitos da população. As instalações esportivas, que tiveram o menor custo, custaram cerca de 6 bilhões de reais. De fato algumas estão sem qualquer manutenção, e outras estão até mesmo abandonadas. Por isso, o governo federal criou a Autoridade de Governança do Legado Olímpico para gerir o legado. Sempre depois que os Jogos terminam, por um ou dois anos aparecem alguns problemas. Isso aconteceu em Pequim [2008] e Londres [2012], e agora está acontecendo no Rio. Não é que seja necessário haver uma deficiência, mas são obras gigantescas que mudam de dono. Os Jogos terminam, e nem sempre essa passagem acontece perfeitamente, quer dizer, existe sempre algum problema.

O estado do Rio de Janeiro, que também investiu para receber os Jogos, passa por uma grave crise. Em sua opinião, há uma conexão entre esses dois fatos?

Não. A crise já vem de antes dos Jogos e até mesmo da Copa do Mundo. E os Jogos não ajudaram a intensificar a crise, porque a gestão era mais de responsabilidade do governo federal. A obra mais cara foi a recuperação do Maracanã, que custou 1,3 bilhão de reais e houve problemas de corrupção que até hoje aparecem nas investigações [da Lava Jato]. Então existe aí um lado pernicioso dos legados: a corrupção que houve no estado do Rio. O governo estadual tem um orçamento anual que chega a 200 bilhões de reais. Em obras, os Jogos inteiros não chegaram a custar 6 bilhões de reais, sendo que a maior parte foi paga pelo governo federal. A despesa na recuperação do Maracanã não chega a 0,5% do orçamento. O problema é de gestão e, muitas vezes, de corrupção. Não podemos fazer uma conexão com o que aconteceu em Atenas [2004] com o que está acontecendo no Rio.

A Agenda 2020 lançada pelo COI visa a sustentabilidade. A Rio 2016 foi sustentável?

O modelo da Rio 2016 era ultrapassado. A Agenda 2020 surgiu em 2014, muito depois do início das operações com relação aos Jogos do Rio [a cidade foi escolhida como sede em 2009]. Então, os Jogos do Rio estão relacionados com o passado. Os Jogos de Tóquio [2020], Paris [2024] e Los Angeles [2028] são os Jogos do futuro. O Rio recebeu os últimos Jogos dentro de um padrão que não deve mais se repetir. A Agenda 2020 procura sustentabilidade, e nos Jogos do Rio não houve muita.

Eu não posso dizer que houve exagero, porque as despesas com relação às instalações são muito pequenas, e isso não tem grande significado na economia global do estado e da cidade. Mas devemos considerar se os Jogos estavam de acordo com a sustentabilidade ou não. Nesse particular, algumas questões não foram cumpridas, como a despoluição da Baía de Guanabara. Esse é o erro gravíssimo dos Jogos de 2016, e nisso realmente cabem críticas muito sérias. Nós não cumprimos o que deveríamos com relação ao meio ambiente. Essa foi a grande falha.

Quais são as grandes mudanças nos Jogos com a Agenda 2020?

O uso de instalações já existentes é um dos itens de sustentabilidade. Ele está acontecendo em Tóquio e deverá ocorrer em Paris e Los Angeles. Um exemplo é que não serão mais construídas cidades olímpicas. A Agenda 2020 reconhece a necessidade dos Jogos terem custos reduzidos, então serão aceitas candidaturas de várias cidades em diferentes países. Há uma ênfase muito grande em plataformas digitais para administrar os Jogos e, assim, haverá uma participação da própria comunidade na gestão: será mais difícil haver corrupção, e os custos serão menores. Até agora, os Jogos têm sido dirigidos por governos, com exceção de Los Angeles [1984]. E isso cria problemas seriíssimos, como desequilíbrios orçamentários, choques políticos de poderes e uma série de circunstâncias que não devem ser misturadas com a gestão esportiva. A Agenda muda o sentido da gestão. O Rio não teve essa facilidade: era tudo por intervenção estatal, e foi a última edição de Jogos no estilo tradicional de administração do governo.

A Agenda 2020 foi pensada já vendo as dificuldades de organização e de administração de custos que estavam surgindo no Rio?

A Agenda 2020 não surgiu por causa do Rio de Janeiro. Ela surgiu porque estava faltando interesse de cidades para receber os Jogos nos anos seguintes. Isso foi assumido por Thomas Bach [presidente do COI]. Surgiu porque os Jogos estavam em decadência, e as cidades não apresentavam mais suas candidaturas pela questão dos custos. Em 2014, já havia oito cidades no mundo que começaram como candidatas e, depois, recusaram os Jogos. Assim, com essa situação, os Jogos iriam acabar. O valor gasto no Rio foi menor do que em Londres. Há uma confusão com os investimentos que são feitos na cidade, como em transportes, e esses são muito caros. Assim foi em Londres e Atenas. Pelo cálculo, os custos das instalações não ultrapassaram 3,5 bilhões de dólares, e os Jogos do Rio estão dentro dessa perspectiva. Realmente os Jogos precisavam mudar de administração, e foi neste sentido que a Agenda 2020 foi produzida. Mas não vamos exagerar: os Jogos não podem ser culpados de tudo, como dizem que aconteceu na Grécia.

Na visão de muitos europeus, o Brasil sediou a Copa do Mundo e os Jogos e agora está no fundo do poço. A situação do Rio "vacinou" a população de outras cidades, como a de Hamburgo, que votou contra a realização do evento?

Não. Isso é um fenômeno local. O COI financiou uma pesquisa, e a população está rejeitando o evento porque não quer gastar o dinheiro e ainda ficar devendo por causa dos Jogos. Agora, com os Jogos mais baratos [por conta da Agenda 2020], fica mais viável, já que ela reduz o custo do evento, e o problema está eliminado. É uma ideia muito boa para atrair cidades-sede. Aqui, no Rio, os Jogos só trouxeram vantagens: eles foram muito bem aceitos pela população e houve um renascimento do orgulho do país com a realização do evento. Foi bem diferente do que aconteceu em Londres, onde, depois dos Jogos, houve uma certa reação negativa.

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