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Após denúncia e afastamento, médico cubano supera desconfiança na BA

3 jan 2014 - 16h50
(atualizado às 17h32)
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No fim de agosto do ano passado, 400 médicos cubanos desembarcaram no Brasil, dando início ao principal programa do governo na área de saúde - desencadeando fortes críticas e gerando um amplo debate nacional.

O Mais Médicos encerrou 2013 com 6.658 profissionais atuando em mais de 2 mil municípios Brasil afora, dos quais cerca de 5,4 mil são cubanos.

As reações acirradas no momento inicial - quando profissionais cubanos foram vaiados e chamados de "escravos" por jovens médicos aeroporto de Fortaleza - parecem ter sido contrabalanceadas, de outro lado, pela chegada desses profissionais a cidades que careciam de assistência médica, conquistando os que sentem na pele os benefícios do programa.

É o caso da comunidade de Viveiros, na periferia de Feira de Santana, na Bahia, onde a BBC Brasil acompanhou a chegada do médico cubano Isoel Gomez Molina em novembro.

Dose

Isoel convocou uma reunião na igreja da comunidade para se apresentar aos moradores e teve uma recepção calorosa. Mas, no dia seguinte, ele se tornou um dos casos mais emblemáticos da resistência que o programa ainda desperta.

O médico foi denunciado por uma receita prescrevendo 40 gotas de dipirona (o princípio ativo da Novalgina) a um menino de um ano, uma quantidade excessiva para uma dose única.

A receita caiu nas mãos de uma médica que a postou com críticas nas redes sociais e dentro de 24 horas a notícia estava em todos os portais - médico cubano é suspenso por suspeita de superdosagem.

 

"Eu fiquei muito chateado. Nunca tinha imaginado algo assim. Senti muita impotência, mas não podia fazer nada", lembra.

Foram longos dias fechado no hotel em Feira de Santana esperando profissionais do Ministério da Saúde investigarem a situação e esclarecerem o caso.

A conclusão foi de que não houvera erro médico. Ele adotara o padrão comum em seu país de receitar a dose completa do dia, mas explicara oralmente à mãe da criança a dosagem correta por vez - 10 gotas de quatro em quatro horas.

Ela própria intercedeu a seu favor, e sua suspensão gerou um abaixo-assinado em Viveiros pela volta do Dr. Isoel, que foi recebido com festa.

"Foi muito difícil, mas acho que eu saí mais forte e o programa também. Eu não estava preocupado com o meu nome, e sim com a repercussão que isso teria para o programa", diz.

"Sabia que muitas pessoas iam aproveitar isso para dizer que os médicos do programa não tinham competência para trabalhar. Modéstia à parte, eu me sinto plenamente competente para atuar na atenção básica, pois é venho fazendo em 16 anos de carreira."

Resistências e capacitação

O Ministro da Saúde Alexandre Padilha acompanhou o caso de perto e diz que ficou claro que a mãe estava bem orientada e que não houvera problema.

Ele diz que o caso reflete um sentimento de xenofobia e de arrogância de profissionais que "não querem tolerar a vinda de profissionais estrangeiros para atender a nossa população".

"Nós sabemos que vamos enfrentar resistências, mas vamos até o fim", diz Padilha. "A nossa maior motivação é conhecer a realidade das populações que não têm médicos."

Mas críticos do programa dizem não ter nada contra a vinda de médicos estrangeiros, e sim condenam o que consideram uma regra de exceção para que o Mais Médicos funcione, dispensando-os da revalidação dos diplomas obtidos em instituições internacionais.

"O principal risco é que nós não sabemos se esses médicos estão capacitados ou não, se seus diploma são verdadeiros ou não e não podemos fiscalizar o seu trabalho adequadamente", diz Sidnei Ferreira, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj).

Ele diz que o Brasil não tem carência de médicos mas sim de uma estrutura básica necessária e de condições de trabalho atraentes.

"Por que há menos médicos em determinadas regiões? Porque não há concurso público, não há salario compatível com a responsabilidade do médico nem um plano de carreira necessário para a sua manutenção", critica.

Assim como outros conselhos regionais, o Cremerj apoia a ação que questiona a constitucionalidade do Mais Médicos no Supremo Tribunal Federal, ajuizada pela Associação Médica Brasileira e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados.

Mas Padilha afirma ter "plena segurança jurídica" em relação ao programa e reafirma a meta de ter 13 mil profissionais espalhados pelo até março deste ano. Os próximos grupos de estrangeiros desembarcam ainda neste mês.

Aliviar sofrimento

"Nada justifica não se esforçar para levar um médico para uma comunidade. Em qualquer situação, ele faz a diferença. Ele alivia o sofrimento, ele cuida das pessoas, e sua presença ajuda a organizar o sistema de saúde no local e a atrair mais recursos", diz.

A crise ficou para trás e Dr. Isoel já está imerso na nova rotina em Viveiros. Ele conta ter ouvido de um amigo que, depois de tudo que aconteceu, seria melhor ele mudar de posto.

"Nem pensar. Agora me sinto ainda mais comprometido com essa comunidade", diz, contando ter se emocionado com a recepção festiva que teve ao voltar para a unidade de saúde.

Ele pondera que sempre haverá pessoas falando mal das coisas e outras que enxerguem seus benefícios.

"Eu, da minha parte, me sinto muito útil no que estou fazendo, ajudando essas pessoas que estão precisando da minha atenção e dando o melhor de mim", diz.

 
ENTENDA O 'MAIS MÉDICOS'
- Profissionais receberão bolsa de R$ 10 mil, mais ajuda de custo, e farão especialização em atenção básica durante os três anos do programa.
- As vagas serão oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões onde faltam profissionais.
- No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros. Eles não precisarão passar pela prova de revalidação do diploma
- O médico estrangeiro que vier ao Brasil deverá atuar na região indicada previamente pelo governo federal, seguindo a demanda dos municípios.
- Criação de 11,5 mil novas vagas de medicina em universidades federais e 12 mil de residência em todo o País, além da inclusão de um ciclo de dois anos na graduação em que os estudantes atuarão no Sistema Único de Saúde (SUS).
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