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Projeto usa a arte de rua para integrar pessoas com síndrome de Down

Criado em Pelotas, Graffiti Down oferece aulas de pintura uma vez por semana, além de visitar exposições e estimular a sociabilidade

14 jan 2023 - 05h11
(atualizado em 16/1/2023 às 11h37)
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Eduardo Camargo Moraes, de 24 anos, vê a arte como uma forma de mostrar para o mundo quem é, seja por meio da dança ou da pintura. Diagnosticado com síndrome de Down, o estudante do curso de bacharelado em Artes Visuais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) busca ocupar todos os espaços na sociedade. A arte faz parte da vida de Dudu, como é conhecido, desde sua infância, pois tem artistas na família. "Desde criança eu desenho. No início rabiscava as paredes, hoje participo de exposições graças ao Graffiti Down", conta. O objetivo do projeto, localizado em Pelotas (RS), é inserir o grafite e a cultura hip-hop na vida de jovens e adultos com a síndrome.

O projeto foi criado por Gabriel Veiz, de 36 anos, que há mais de duas décadas dedica sua vida à arte. Veiz é um dos irmãos mais velhos de Dudu e viu no grafite uma forma de se aproximar do irmão. "Queria estar mais perto dele e dos amigos dele, conviver e entender o mundo deles", explica. Assim, desde março do ano passado, o Graffiti Down busca promover a inclusão social por meio da arte e cultura hip-hop.

A turma se formou entre os amigos e colegas de Dudu que fazem parte da Associação de Pais de Down de Pelotas (APADPel). O projeto reúne jovens e adultos às segundas-feiras, na reitoria do Instituto Federal Sul-Riograndense (IFSul), câmpus Pelotas (RS). "São aulas de pintura voltadas à estética do grafite e hip-hop. Ensinamos a técnica - e tudo que eles veem em aula colocam em prática", ressalta Veiz. E, para inseri-los no meio artístico, a turma faz visitas a galerias de arte, exposições e participa de eventos. Em setembro, a turma participou do Spray'sons, ação que reuniu 24 artistas para colorir o bairro Porto de Pelotas.

Turma expôs trabalhos em galeria de arte

Em agosto, Dudu e seu colega Gustavo Bicca expuseram suas obras pela primeira vez em uma galeria de arte. "Fiquei realizado e feliz, expliquei o significado por trás dos meus desenhos para todos os que foram prestigiar o evento", lembra.

Gabriel Veiz (no centro) ao lado do irmão Dudu e de Edson, um dos participantes do projeto, com seus desenhos expostos
Gabriel Veiz (no centro) ao lado do irmão Dudu e de Edson, um dos participantes do projeto, com seus desenhos expostos
Foto: Gabriel Veiz

As aulas, além de promoverem a inclusão, também geram impactos positivos na vida dos alunos e suas famílias. "As mães me passam um feedback muito bom de que seus filhos estão se soltando mais, que começaram a se sentir mais à vontade em outros ambientes, e talvez isso tenha lhes proporcionado uma autonomia maior", destaca Gabriel.

Marli Rezende, de 74 anos, mãe de Edison, relata que sempre buscou inserir o filho - hoje com 45 anos - em diferentes atividades, mas é no Graffiti Down que ele está se achando e se tornando mais independente. "Agora ele se reconhece adulto, como os outros homens", afirma.

Edison é o aluno mais velho da turma. Teve o primeiro contato com a técnica do grafite no projeto. "Fiquei um pouco nervoso e tímido na primeira vez em que usei a tinta spray, mas está sendo muito legal aprender com eles", conta. Ele também afirma que "existe um apoio muito grande por parte dos colegas, vão ser meus amigos para sempre".

Inclusão e independência

Além das aulas de pintura, o projeto proporciona aos alunos a inclusão em diferentes ambientes, como bares, restaurantes e festas. "A gente sai pra jantar, já fomos ao cinema e também fazemos churrascos nos fins de semana. Essa união e independência que o projeto está gerando para eles é muito importante", avisa Gabriel.

Atualmente, 15 jovens e adultos, de 13 a 45 anos, integram o projeto. Quatro, como Júlia Costa, de 23 anos, são mulheres. Diagnosticada com a síndrome, estudante do curso de Licenciatura em Dança na UFPel, ela dedica as tardes das segundas-feiras à aulas. Aliado a isso, Júlia conta que o grafite se tornou tão importante para ela quanto a dança. "São atividades que me deixam alegre, quando estou grafitando eu fico leve e solto a imaginação", diz.

Júlia acredita que "as mulheres precisam se arriscar, ocupar todos os espaços". "Foi o que eu fiz no grafite e na minha vida. Me sinto bem, todos somos iguais e todos podemos." Ela ressalta que, no projeto, não se aprende apenas sobre desenhos, mas também sobre convivência e amizade.

Para Agda Brigatto, professora do curso de Artes Visuais da PUC, "ver arte, fluir arte, fazer uma leitura de arte, produzi-la, é uma forma de participação e inclusão social". Segundo a professora, a arte, como o grafite, é uma forma de conhecimento, uma linguagem, uma maneira de se expressar no mundo. "Se a arte é um conhecimento, todo mundo pode aprender dentro das suas especificidades", observa.

Dudu, irmão do criador do projeto, exibe seu desenho
Dudu, irmão do criador do projeto, exibe seu desenho
Foto: Gabriel Veiz

Por meio de suas criações artísticas, os alunos com síndrome de Down se expressam e mostram quem são para a sociedade. "É mais do que pertinente ter pessoas com deficiência, que foram segregadas durante tanto tempo, produzindo arte para dizer para o mundo o que elas precisam, o que elas querem e qual o seu lugar na sociedade", adverte Agda. Para ela, toda a sociedade se beneficia com a inclusão. "O mundo que acolhe a diversidade beneficia todo mundo e isso pode acontecer por meio da arte."

O que é a trissomia 21

De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, estima-se que no Brasil um em cada 700 nascimentos seja de crianças com trissomia 21, o que totaliza em torno de 300 mil pessoas com síndrome de Down no País.

Marli Rezende, mãe de Edison, conta que o diagnóstico foi uma surpresa. "Foi um choque, me vi com aquele bebê sem saber o que fazer. Foi o brilho do olhar dele que me impulsionou a ir à luta em busca do conhecimento na área", conta. Marli se dedicou aos estudos após o nascimento do filho para entender a condição e dar suporte para ele. A psicopedagoga lembra das dificuldades: "O preconceito era muito mais forte do que hoje, portas se fechavam para ele. As escolas formais não o aceitavam".

Mãe de Dudu e Gabriel, Tânia Camargo, de 63 anos, conta que, quando Dudu foi diagnosticado, após o nascimento, ela ficou insegura sobre como os outros filhos - três meninos e uma menina - iriam receber o caçula. "Tenho três filhos adolescentes, o que eles vão achar? Vão gostar do irmão? Vão ter vergonha dele?" A notícia chegou aos irmãos quando Dudu completou três meses de vida e a mãe foi surpreendida positivamente pelos filhos. "No dia que contei para eles, eu disse assim 'olha o médico falou que se ele for muito estimulado ele vai ter uma vida praticamente normal' e a resposta que eu ouvi foi: 'bom, se vai depender de estimulação então ele vai ser uma criança bem sapeca, pois a gente vai estimular muito'", recorda.

Dudu sempre teve uma relação muito próxima com Gabriel. "Meu irmão nos motiva", releta. Para o criador do Graffiti Down, a experiência está sendo incrível. "Estamos conquistando espaços e ganhando visibilidade. Eles participam de eventos, trabalham, expõem suas obras em galerias com outros artistas. Isso é mais do que eu imaginei", acrescenta.

Estadão
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