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Presidente da Câmara, Arthur Lira, se identifica como negro

Lira está entre os 66 deputados federais negros em exercício que atuam em partidos políticos de direita e centro-direita; ele apresentou 10 propostas legislativas em 2021, mas nenhuma versava sobre direitos da população negra

8 jul 2022 - 12h24
(atualizado às 13h28)
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A foto mostra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
A foto mostra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
Foto: Reuters

Apesar de se autodeclarar pardo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), encabeça, desde o início de sua legislatura, pautas liberais e conservadoras destacadas das questões antirracistas e de interesse do movimento negro progressista. De acordo com levantamento da Alma Preta Jornalismo, Lira está entre os 66 parlamentares negros em exercício atualmente que compõem partidos de centro-direita ou direita.

Hoje, o Brasil conta com 23 partidos cujas ideologias políticas são consideradas de centro-direita, direita ou extrema-direita. De acordo com o Infoleg Parlamentar - plataforma oficial da Câmara dos Deputados -  existem 66 parlamentares pretos ou pardos que compõem estas legendas mais conservadoras. O nome destes congressistas estão na tabela no final desta matéria. 

Em 2021, Lira foi autor de 10 Propostas Legislativas, mas nenhuma delas tinha relação com questões como racismo, segurança pública, educação ou diversidade. Foram duas propostas de emendas à Constituição (PEC); três emendas a outas PECs e cinco requerimentos de urgência. Uma das PEC de autoria do parlamentar foi a famosa PEC 32/2021, que propunha elevar para setenta anos a idade máxima para a escolha e nomeação de membros do Judiciário.

Segundo o professor Andrey Lemos, que compõe as bancas de heteroidentificação da Fiocruz Brasilia e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), em São Paulo, Arthur Lira não seria considerado um homem branco, caso passasse por uma avaliação profissional. No entanto, politicamente, ele apresenta posturas "extremamente embranquecidas" e não tem compromisso com as pautas pertinentes à população negra.

"Ele não tem uma pele branca, ele não é lido socialmente como um homem branco. Nós sabemos da importância de eleger pessoas negras que apoiem as pautas antirracistas e defendam a população negra do país, que pensem políticas públicas que promovam a igualdade de oportunidades e que combatam a discriminação. Este não é exatamente o caso do Arthur Lira", ponderou o acadêmico que também é ativista do movimento negro, mestre em políticas públicas, historiador e presidente nacional da União Nacional LGBT Brasil. 

A cientista política Isadora Harvey, que estuda a relação entre raça, gênero e o poder público, pontuou que em um contexto político em que se observa o aumento exponencial de candidaturas de pessoas autodeclaradas pretas ou pardas, é importante atentar para as ações, articulações e grupos aos quais respondem esses/as parlamentares. Para a doutoranda da Universidade Federal da Bahia, nestas eleições, é importante que se qualifique a representação e participação política, pois os tempos são de disputas narrativas.

"A presença do deputado Arthur Lira como um parlamentar negro bem destaca essa preocupação; o que é possível identificar em sua agenda, em suas ações e iniciativas parlamentares que dialogam em favor dos direitos e garantias básicas da população negra brasileira?"

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) comenta que os parlamentares negros são diversos, mas que existem pessoas que "servem ao regime". Ele afirma que são congressistas que não obsersam a história e a realidade brasileira, que tomam uma posição serviçal  e contra o povo preto.

"Nós defendemos ações afirmativas para que haja igualdade inclusive entre os pobres e os trabalhadores, tem parlamentar que não pensa assim, então é um debate que precisa ser travado para que a própria população separe o joio do trigo", defende Orlando. 

Ações para regulamentar a autodeclaração

Levantamento recente divulgado pela Alma Preta Jornalismo mostrou que 163 deputados federais podem ter mudado ou omitido o quesito raça/cor no cadastro oficial da Câmara. Ou seja, em 2018, para o Tribunal Superior Eleitoral, esses parlamentares tinham uma raça e, em 2022, no sistema da Câmara, o Infoleg, tinham outra. 

Assim, para o TSE, em 2018, 125 parlamentares negros assumiram seus postos na Casa, enquanto em 2022, o Infoleg aponta que os em exercício são apenas 89. Logo, alguns congressistas autodeclarados negros em 2018, podem ter mudado sua racialidade para branco, por exemplo, ou omitido o dado no registro legislativo.

De acordo com os estudiosos, as discrepâncias de autodeclarações de parlamentares negros abre espaço para fraudes em cima de ações afirmativas. A emenda à Constituição 111/2019 determina que, até 2030, os votos dados a candidatos negros deverão ser contados em dobro para fins de distribuição do fundo partidário e do fundo eleitoral. 

Para coibir tais distorções, Andrey Lemos afirma que o debate a cerca da implementação da heteroidentificação nas eleições ainda está bastante tímido no momento e não há um consenso quanto a isso. Segundo o especialista, essa é uma medida muito importante para evitar a autodeclaração por conveniência. 

"É importante que essas medidas sejam efetivas para empretecer a política e garantir a eleição de mais pessoas negras nos cargos eletivos. Isso não é uma realidade. É de suma importância se ter bancas de heteroidentificação para averiguar se as pessoas estão sendo honestas e transparentes. Se os partidos estão cumprindo as normas e se minimizar ao máximo fraudes", alerta o professor

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), recentemente, fez uma audiência pública na Comissão Especial da Igualdade Racial, presidida pelo ministro Benedito Gonçalvez, que contou com diversos militantes, juristas e intelectuais negros. A ideia foi debater a necessidade de criar um mecanismo de aferição e acompanhamento desses registros de candidaturas. 

"A heteroidentificação é uma questão que já tem uma prática ampla e uma boa aceitação social nas universidades e concursos públicos. Tem-se pensado em como viabilizar isso no campo da disputa eleitoral, no período de registro da candidatura. Por isso o acompanhamento da política pública é extremamente necessário", pontua a advogada Aline Moreira, especialista em Direito Eleitoral e que foi cotada para ser ministra do TSE, em maio deste ano. 

À reportagem, Lemos explicou que a atuação e composição das bancas de heteroidentificação dependem da regulamentação de cada instituição. Existem instituições que contam com duas pessoas, ou três, quatro, até seis pessoas. Geralmente, quem acompanha as bancas são professores, servidores públicos e lideranças sociais que atuam na pauta antirracista e que têm um determinado acúmulo sobre identidade, ancestralidade, sobre autodeclaração preta e parda. "Geralmente se procura as pessoas por currículo e são estudiosos que têm mais intimidade com esse debate", destaca.

Veja a lista da quantidade de deputados federais negros nas legendas de centro, centro-direita e direita:

Nome Partido Estado Raça/cor : Infoleg 2022 Abílio Santana PSC BA Parda Aelton Freitas PP MG Parda Alexandre Leite UNIÃO SP Parda André Abdon PP AP Parda André Ferreira PL PE Parda Antonio Brito PSD BA Preta Arthur Lira PP AL Parda Átila Lira PP PI Parda Beto Pereira PSDB MS Parda Bosco Costa PL SE Parda Bosco Saraiva SOLIDARIEDADE AM Parda Capitão Fábio Abreu PSD PI Preta Carlos Gomes REPUBLICANOS RS Parda Célio Studart PSD CE Parda Charles Fernandes PSD BA Parda Christino Aureo PP RJ Parda Cleber Verde REPUBLICANOS MA Parda Damião Feliciano UNIÃO PB Preta Danilo Forte UNIÃO CE Parda Delegado Éder Mauro PL PA Parda Delegado Marcelo Freitas UNIÃO MG Parda Edilázio Júnior PSD MA Parda Edio Lopes PL RR Parda Eduardo Costa PSD PA Parda Expedito Netto PSD RO Parda Fernando Rodolfo PL PE Parda Flávia Arruda PL DF Parda Flaviano Melo MDB AC Parda Genecias Noronha PL CE Parda Hélio Leite UNIÃO PA Preta Helio Lopes PL RJ Preta Hiran Gonçalves PP RR Parda Igor Kannário UNIÃO BA Parda Jhonatan de Jesus REPUBLICANOS RR Parda Leda Sadala PP AP Parda Léo Moraes PODE RO Parda Léo Motta REPUBLICANOS MG Parda Loester Trutis PL MS Parda Lucas Vergilio SOLIDARIEDADE GO Parda Luis Miranda REPUBLICANOS DF Parda Marcelo Moraes PL RS Parda Márcio Marinho REPUBLICANOS BA Preta Marcos Pereira REPUBLICANOS SP Parda Neucimar Fraga PP ES Parda Nilson Pinto PSDB PA Parda Olival Marques MDB PA Parda Ossesio Silva REPUBLICANOS PE Preta Otoni de Paula MDB RJ Parda Ottaci Nascimento SOLIDARIEDADE RR Parda Pastor Gil PL MA Parda Pastor Sgnto Isidório AVANTE BA Parda Pedro Lucas Fernandes UNIÃO MA Parda Pinheirinho PP MG Parda Professor Joziel PATRIOTA RJ Preta Raimundo Costa PODE BA Parda Roberto Alves REPUBLICANOS SP Parda Rosangela Gomes REPUBLICANOS RJ Preta Severino Pessoa MDB AL Parda Sidney Leite PSD AM Parda Silas Câmara REPUBLICANOS AM Parda Silvia Cristina PL RO Preta Vicentinho Júnior PP TO Parda Victor Mendes MDB MA Parda Vitor Hugo PL GO Parda Wellington Roberto PL PB Parda Wilson Santiago REPUBLICANOS PB Parda

Leia mais: Conveniência: 163 deputados federais 'mudaram a raça' durnte o mandato

Alma Preta
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