Casal de jornalistas lésbicas conta como ensina a filha de 11 anos a se proteger de preconceitos
Antes de Natalia Daumas, da Record, Lorena Coutinho, da TV Globo, teve um casamento de quase dez anos com um homem
O casamento entre a repórter da Record Lorena Coutinho e a produtora da Globo Natalia Daumas deu o que falar na internet no passado. As jornalistas, no entanto, já estão juntas há quase nove anos. Antes do relacionamento com Natalia, Lorena foi casada por quase dez anos com um homem, com quem teve Sophia, atualmente com 11 anos.
Quando ela conheceu a atual esposa, a menina tinha dois anos e, em entrevista ao Terra, a repórter relembra como foi explicar para filha que estava se relacionando com outra mulher, além de um episódio de desrespeito que sofreu do ex.
O maior medo que Lorena tinha quando começou a namorar Natalia não era que a filha não entendesse, mas, sim, como ela iria "lidar com o olhar dos outros e a insegurança que ela sentiria no peito".
"Tento ser, aqui em casa, ninho, fortaleza, porto-seguro, abraço, colo, fonte de proteção, de empoderamento, de defesa, de amor e de coragem. Ela tendo todas as ferramentas em mãos e se sentindo segura e fortalecida, talvez possa soltar a voz dela, se posicionar, se defender e talvez ser uma pequena agente de transformação", deseja.
A jornalista e a esposa não contaram de cara sobre o relacionamento e optaram por deixar a menina perguntar por conta própria.
"A gente entendeu que quando ela perguntasse, quando ela quisesse saber, é quando a criança está pronta, ela está com vontade de ouvir, e isso aconteceu. Ela perguntou, e nós falamos. Sempre digo que a criança não é preconceituosa, ela se torna preconceituosa a partir das nossas atitudes", diz Coutinho.
Homofobia
Porém, com o ex-marido a situação foi mais complicada. A repórter recorda que o antigo companheiro cortou qualquer contato com ela e a bloqueou de todas as redes sociais após a separação. Então, ele só soube que ela estava namorando outra mulher por meio de outras pessoas. A jornalista recorda que chegou a ser desrespeitada pelo pai da filha por conta da sexualidade.
Sophia [a filha] vê o pai duas vezes ao ano, quando viaja nas férias para passar 15 dias com ele. Quando a menina tinha 5 anos, ela voltou para casa e relatou uma situação que deixou a mãe furiosa.
"Ele mandou um recado através dela, pensando que ela não iria entender, mas que o recado chegaria para gente. Ela voltou de férias e falou incomodada: 'O papai disse que uso um sapatinho e você usa um sapatão. Mas quando eu crescer eu vou usar um sapatão também? Não quero, quero continuar usando um sapatinho'. Na hora, foi um misto de querer chorar com uma revolta muito grande", relembra.
"Pedi para ela se aproximar e falei: 'Filha, você sabe o que significa sapatão?'. E ela: 'Sei, é um sapatão muito grande'. 'Tem esse significado, mas tem outro também. São duas mulheres que se amam demais, como eu e a Tia Nath. Só que o papai está falando de uma maneira como se fosse algo negativo, como ele não deveria falar. Então, se ele falar mais alguma vez, você diz para ele não falar isso e que a sua mãe está muito feliz usando um sapatão", continua.
'30 anos para se libertar'
Sem contato com o ex, a jornalista e a esposa se dividem na dupla maternidade. Coutinho ressalta que Natalia não faz "papel de pai", mas de "madrasta e mãe do coração", estando sempre presente nos cuidados com a garota.
Consciente dos efeitos que o preconceito e a LGBTfobia podem ter na vida de uma pessoa, a repórter se esforça para dar uma edução à filha diferente da que recebeu dos pais.
"Fui criada para cumprir aquele roteiro imposto pela sociedade, me relacionei com um homem, tive uma filha, mesmo já sentindo atração atrativa sexual por mulheres desde sempre. Por quê? Para não destruir supostamente a minha família, aliás foi essa frase que ouvi da boca do meu pai na época, quando ele descobriu que eu estava com uma menina. Demorei bastante para entender que o que destrói uma família não é o amor, é a violência, mas demorei 30 anos para conseguir me libertar desse casulo. Então, quero que minha filha simplesmente seja, que ela sinta, que ela viva, que ela exista, sendo a Sophia", diz.
O medo que a garota sofra preconceito por ter uma mãe LGBTQIA+ existe, e Lorena faz questão de fortalecer a filha para enfrentar situações desrespeitosas.
E a própria Sophia mostra como essa educação surtiu efeitos e que, mesmo com a pouca idade, já sabe se posicionar sobre o que acredita. "Pode ter pessoas que não achem normal, mas não ligo para a opinião delas. Só quero que elas respeitem. Elas não precisam gostar, mas quero que elas respeitem que tem mulher com mulher, homem com homem, e eu acho super normal, a gente é uma família comum", diz a menina.