PUBLICIDADE

Não tenho idade para esconder a idade

Ocultar a idade pode contribuir com o pensamento de que ser velho é ruim. Bom é ser jovem.

21 ago 2022 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Foto: Arquivo pessoal

Era o início dos anos 2000 e fui fazer uma reportagem sobre o lançamento de um relatório com previsão de tendências para a indústria da moda e beleza. Neste relatório, além de cores que seriam predominantes num futuro próximo, havia uma tendência que nunca esqueci: a miniaturização. 

Os sinais estavam por todos os lados. Encolhiam de tamanho não apenas os iPods, os famosos tocadores de música da Apple-e que chegaram a ganhar uma versão nano — como também os animais de estimação. O mais famoso deles era o chihuahua Tinkerbell da socialite Paris Hilton. 

A tendência, como me contou a consultora francesa que era a entrevistada, vinha amparada pela busca da juventude eterna. Como determinar a idade de um bonsai, a árvore japonesa em miniatura, ou a de cachorrinho com alguns poucos centímetros e que cabe dentro de uma bolsa? Não tem como. Essas miniaturas desafiam a passagem do tempo, sem nunca envelhecer. 

Mas para os seres humanos, o processo de envelhecimento deixa marcas. Mesmo com todos os procedimentos estéticos, cirurgias plásticas, tinturas de cabelo disponíveis, envelhecer se torna inevitável. 

Eu me lembro que no livro "Meu Pescoço é um Horror”(2006), a jornalista, roteirista e diretora de cinema Nora Ephron (Sintonia de Amor, Mensagem para Você, Harry e Sally- Feitos um para o Outro) dizia em tom bem humorado que, a partir dos 46 anos, foi impedida de um dos prazeres mais simples da vida, o de ler qualquer coisa que estivesse à mão. Segundo Ephron, depois dessa idade, ler dependia de encontrar antes os óculos para vista cansada. No meu caso, Nora foi quase um oráculo. Aos 46, procurei o oftalmologista e saí do consultório com a prescrição dos meus primeiros óculos para enxergar de perto. 

O título do livro de Ephron fazia referência à teoria da autora de que podemos até esconder a idade no rosto, mas o pescoço sempre vai revelar quantos anos realmente temos. “Nossos rostos são mentiras, e nossos pescoços a verdade”, escreveu.

Muita coisa mudou, depois do relato de Nora Ephron, na maneira como enxergamos a passagem do tempo. Ainda bem. Existe uma consciência cada vez maior, de que idade não deve ser motivo de constrangimento, especialmente para mulheres. 

Mentir a idade é como se sentir pouco merecedor(a) dos anos vividos, como se precisássemos ter vergonha da longevidade.    

Talvez mentir sobre a idade fosse de "bom tom" — como diria a personagem da atriz de Ilana Kaplan- na época da escritora Lygia Fagundes Telles. Poderia ser algo cultural entre as mulheres da geração da escritora. No caso dela, o fato só foi descoberto por ocasião da morte, em abril de 2022. Em vez de 98, Lygia tinha 103 anos. 

Nesta última semana, quando a apresentadora de TV Glória Maria fez aniversário, muito se especulou sobre a idade real da jornalista, um detalhe da biografia que sempre fez questão de esconder. Não querer revelar a idade é uma decisão dela e devemos respeitar. Até porque, quando se trata de homens, não é comum "fazer bolão" para adivinhar a idade. Quantos anos tem Jorge Ben, outro famoso que faz questão de se manter discreto sobre esse assunto? Pouco interessa a idade exata diante da gigantesca contribuição que o músico deu à música brasileira e a todos nós. O mesmo raciocínio se aplica à Glória Maria, dona de uma trajetória repleta de grandes marcos e de pioneirismo na tv brasileira. 

Mas sou da opinião de que, quanto mais a gente tratar a idade cronológica com naturalidade, mais abriremos espaço para falar de preconceitos, para derrubar estereótipos que nada tem a ver com a realidade e acabar com o etarismo cruel que faz com que pessoas com mais de 45 anos sejam praticamente excluídas do mundo do trabalho. 

Pode parecer um detalhe, mas faz toda a diferença. E, a propósito, tenho 58 anos. 

Fonte: Redação Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade